AS PRÓPOLIS DAS ABELHAS SEM FERRÃO E SEUS SIGNIFICADOS

Harold Brand – Biólogo, Geneticista, Meliponicultor, Consultor da APA.

Figura1_propolisSão poucas as investigações no amplo universo das fontes dos recursos vegetais obtidas pelas abelhas, o pólen, o néctar, as resinas e a maneira que esses fatores interagem na qualidade da alimentação e sanidade da colmeia. E de um modo semelhante, como a disponibilidade das diversas resinas necessárias a formação das própolis afeta o comportamento da colmeia. Menor ainda é o nosso conhecimento sobre as consequências das atividades antrópicas, até onde elas repercutem na disponibilidade e na formação das suas dietas. Como os agrotóxicos sistêmicos que são incorporados aos vegetais visitados pelas abelhas afetam as populações das colmeias? De que forma os perfis dos ecossistemas, a exemplo das florestas, dos campos, dos ambientes suburbanos, das monoculturas (florestas de eucalipto, culturas agrícolas), como cada uma delas em particular interferem nos níveis tróficos e nos mecanismos de defesa das abelhas? Nesses ambientes, as carências de algumas substâncias ou a presença de outras podem modificar a composição da própolis, a ponto de comprometer a eficácia no controle dos microorganismos patogênicos, tornando a comunidade das abelhas mais suscetível às doenças. Todas essas relações são tópicos importantes, negligenciadas pela maioria dos pesquisadores, mas que poderiam ajudar a responder algumas questões como desaparecimento silencioso das nossas abelhas.

As Própolis e o Cheiro da Colméia

Os odores de cada espécie provem da secreção glandular do corpo, mas o cheiro particular de cada colmeia depende dos componentes da própolis da sua região. O exemplo muito evidente e facilmente apreciável nos é fornecido pela colônia da abelha tubuna. Basta abrir uma caixa para sentirmos um forte cheiro de coco e que varia um pouco quando comparadas outras da mesma espécie, mas localizadas em outro contesto ecológico. O comportamento das abelhas sem ferrão, de transferir alguns componentes da própolis para a sua superfície corporal, caracteriza o cheiro particular de cada família.

Essa etologia vem a ser uma espécie de cartão de identidade que permite a abelha circular livremente dentro da sua colmeia.

A carência de um ou mais componentes da própolis acaba incidindo na sua ecologia química podendo inviabilizar a sua sobrevivência. A falta da diversidade vegetal no raio de ação da coleta das resinas é apontada como uma das causas do declínio das abelhas tanto das domésticas como das nativas.

As montagens fotográficas abaixo representam extratos de própolis de diferentes regiões, elas nos permitem com uma visualização bem simples, avaliar de como a diversidade da flora, onde as abelhas têm na sua área de coleta influi nessa composição.

A Coleta de Resinas Pelas Operárias Campeiras

Basicamente as própolis são produtos da atividade seletiva das abelhas campeiras especializadas na coleta das resinas nos vegetais no raio de ação de cada uma das espécies de abelhas. Pesquisas americanas com abelha doméstica (Pais SP) as marcadas e monitoradas indicam que existe uma especialização entre as campeiras, nesse trabalho de coleta, somente um pequeno número é apta ou especialista, (em torno de apenas oitenta na população de sessenta mil de uma colmeia populosa). Mas seu número pode aumentar se a colmeia for pressionada por doenças ou outras necessidades. Nelas existe uma vocação genética para a função de abelha coletora de resina (vocação herdada como herança polímera, tem sua distribuição gênica representada por uma curva de Gauss).

Nas nossas abelhas nativas não sabemos se existe essa vocação genética, mas pelas observações em nosso meliponário nos indicam que elas são muito oportunistas e a coleta está vinculada a uma das faixas etárias.

Nas feridas expostas das plantas, pela poda, observamos grande número de abelhas de várias espécies coletando as resinas secretadas. Os australianos nos dão um indicativo, das cinco das suas espécies pesquisadas, o pendor para a procura de resinas variou entre 10 a 40 por cento entre as abelhas forrageiras.

Os Locais de Coleta Nos Tecidos Vegetais.

Injúrias mecânicas: nas lesões provocadas por diversos fatores as plantas respondem secretando substâncias que protegem os locais lesionados contra fungos e microrganismos. Muitas plantas possuem nos tecidos mais internos vasos resiníferos (Coníferas) vasos lactíferos (Euforbiáceas) que extravasam suas secreções quase de imediato após uma lesão.

Crescimento em espessura do caule: Grandes grupos de plantas como as Dicotiledôneas e Gimnospermas anualmente crescem espessura rompendo os tecidos mais externos do caule e até formar outros de substituição ao mesmo tempo devem secretar substancias que impeçam a contaminação pelos agentes patogênicos do meio ambiente.

O exemplo notável nas matas de Araucárias é o pinheiro do Paraná. Quando cresce em espessura os tecidos mais externos se rompem (ritidoma) e os vasos resiníferos extravasam o seu conteúdo gosmento protegendo a região até a formação dos tecidos de substituição. É o momento oportuno de coleta pelas abelhas forrageiras.

Estruturas vegetais especializadas em secreções: São muitos os exemplos no reino vegetal de estruturas especializadas tais como células secretoras, glândula secretora, pelos secretores, localizados em várias regiões do caule, folhas e flor. Essas substâncias elaboradas são denominadas de metabólicos secundários pelos Botânicos, são muito peculiares a certos grupos de vegetais, (os metabólicos são representados por inúmeras substâncias dos grupos dos fenóis, terpenos, alcalóides e glicosídeos).

Uso das Própolis Pelas Abelhas

No interior da colmeia parte do material coletado pode ser usado diretamente misturado ou não com outro material (cera, argila, pólen) ou ainda sofrer transformação parcial pela ação de substâncias produzidas pelas glândulas das abelhas. Muitas vezes pode ser simplesmente armazenado para utilização futura. As da tribo Trigonini como a exemplo da Plebéia remota armazenam resinas de duas maneiras, em volumosos montículos ou na forma de pequenas bolotas gosmentas, dispostas em locais estratégicos de modo que prontamente podem ser usadas contra possíveis invasores. As marmeladas dispõem as pequenas bolotas em grande quantidade em torno da colmeia à maneira de funcionar como verdadeira pega formiga e outros pequenos predadores.

A cera das abelhas sem ferrão como o das abelhas domésticas quando secretados é de tom esbranquiçado, mas antes ser utilizada nas construções passa a ter aspecto diferente. Na Apis sp, é de cor amarelada (recebe o acréscimo de crisina) nas abelhas sem ferrão é bem mais escura, devido à misturada com muitos terpenóides componentes da própolis que lhe dão esse aspecto. Essa substancia, dão maior consistência nas construções das estruturas interna ao mesmo tempo em que protegem contra os patógenos no interior da colmeia. Essa mistura é também amplamente usada nas construções e revestimento das paredes dos potes de mel e dos alvéolos ou células aonde irão se desenvolver as suas crias.

Essas misturas de componentes da própolis com a cera é uma das razões do decantado poder medicinal do mel das nossas abelhas nativas na cultura popular. E é explicável, a própolis misturada à cera das paredes dos potes no decorrer do tempo se difunde para o mel enriquecendo as suas propriedades. O processo se assemelha a obtenção do rum armazenado em barricas de carvalho, com o decorrer do tempo as substâncias da madeira dão um toque especial a bebida.