O AUMENTO DAS EXPORTAÇÕES E A CONSEQUÊNCIA IMEDIATA NO MERCADO INTERNO.

Daniel Augusto Cavalcante. – CEO BALDONI.
Doutor em Engenharia de Alimentos UNICAMP.
Diretor da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (ABELHA).
Conselheiro do Conselho Superior do Agronegócio.
Associado da ABEMEL.

A apicultura é uma atividade conservadora e se apresenta como uma das únicas atividades da agropecuária brasileira que concentra e permite a coexistência, de forma harmônica e interativa, dos três pilares essenciais da sustentabilidade (Elkington, 2014):

1, – econômico, uma vez que é capaz de produzir, distribuir e oferecer os produtos das abelhas estabelecendo uma relação de competitividade justa em relação ao mercado;

2. – o social, tendo em vista a utilização da mão-de-obra familiar no campo, proporcionando um ambiente que estimula a criação de relações de trabalho legítimas e saudáveis, além de favorecer o desenvolvimento pessoal com a consequente redução do êxodo rural; e

3. – o ambiental, pois auxilia consideravelmente na redução do desmatamento, das queimadas, além da atuação das abelhas como polinizadores gerando a preservação da flora local.

Apesar das características sustentáveis e do movimento apícola estar presente em todas as regiões brasileiras com a possibilidade da produção de mel e demais produtos apícolas durante todos os meses do ano, a atividade é exercida em apiários familiares relativamente pequenos e sua participação na propriedade, muitas vezes é vista como complementar das demais culturas, sendo a quarta ou quinta importância econômica do produtor.

O efeito desta reduzida profissionalização do setor apícola, mesmo levando em consideração todo o potencial da biodiversidade brasileira e dos benefícios sustentáveis advindos com a atividade, é uma produção pífia que vem trazendo transtornos significativos e irreparáveis para o mercado interno de mel no Brasil

De acordo com o apresentado na figura 1 observa-se que o Brasil se encontra em décimo lugar no que diz respeito a produção anual.

Segundo o Censo Agropecuário, 2017 temos 2,2 milhões de colmeias, sendo que praticamente a metade (1,045 milhões de colmeias) estão locadas no Rio Grande do Sul.

Ressaltando a produção 41,6 toneladas de mel em 2017, conforme o demonstrado na figura 2 e relacionando com o número de colmeias no período, concluímos que a produtividade brasileira é de 19,30 Kg de mel por colmeia/ano. Dado este que corrobora com a baixa produção nacional e a necessidade de profissionalização do setor.

Conforme Cavalcante, 2021, na Argentina, esse índice de produtividade é de 35kg por colmeia/ano, nos EUA é de 30kg, na Austrália de 105kg e na China, 100kg. Isso significa que, com número semelhante de colmeias, na ordem de 2 milhões, os vizinhos Brasil e Argentina têm uma disparidade acentuada na produção anual de mel (Fig.1).

As exportações vêm crescendo a uma taxa de 14,29% a.a., saindo de 24.201 toneladas em 2016 para 47.190 toneladas em 2021, conforme apresentado na Figura 2.

Em contrapartida, a produção de mel teve um crescimento médio de 6,74% a.a. com variação de 39,6 mil toneladas em 2016 para 51,5 mil toneladas em 2020. Ainda não estão disponíveis os valores da produção de 2022.

Quando avaliamos esta relação entre a produção de mel brasileira frente ao significativo aumento nos volumes exportados, é imperativo entender que o Brasil está sofrendo com a falta de mel no mercado interno.

Ao aprofundar a análise demonstrada na Fig. 2, é perceptível, segundo os dados governamentais utilizados, a perda na quantidade consumida de mel por habitante, chegando ao valor emblemático de 27 gramas para cada um dos 212,6 milhões de habitantes do Brasil.

Interessante ressaltar, que este volume de 27 gramas não é, em sua totalidade, destinado ao consumo de mesa e comercializado nos varejos alimentar ou farmacêutico.

Deve-se levar em consideração que o mel ainda é utilizado no canal institucional, sendo amplamente aplicado como ingrediente na indústria de alimentos (laticínios, cereais e biscoitos) e na indústria de cosméticos, ração animal e tabaco, além de ser uma matéria-prima bem procurada pelos microempreendedores que utilizam o produto para a produção de bolos, molhos, em formulações voltadas para uma gastronomia especializada, dentre outros estabelecimento como restaurantes, pizzarias, bares e cantinas.

É notório que os dados governamentais de produção estão em desacordo com o consumo de mel pela população brasileira, principalmente ao se trazer em pauta a busca, nos últimos dois anos, por saudabilidade e aumento na imunidade pessoal devido o COVID 19.

Já a Figura 3 apresenta didaticamente os prejuízos para o mercado interno com o aumento das exportações efetivamente maiores que o incremento da produção como discutido anteriormente.

Os preços de aquisição do mel junto aos apicultores aumentaram em 142% no período de janeiro de 2020 até dezembro de 2022, passando dos R$ 6,60 para R$ 16,00 o quilo. Este aumento foi alavancado em virtude do aumento pela procura do mel brasileiro pelo mercado externo, conforme apresentado na Tabela 1.

Notório observar que o preço pago pelo mel brasileiro apresentou no biênio 2020/2021, um incremento de 170%, em virtude não somente pela desvalorização do real frente ao dólar que teve sua cotação, de acordo com o BCB, 2022, no valor de R$4,02 em jan/20 contra R$5,63 em janeiro de 2022, mas também pelo ganho financeiro, em moeda brasileira, na comercialização do produto para o mercado internacional.

Os dados do MDIC, 2022 demonstram um no aumento no valor da exportação de mel em dólar de US$1,95 para US$3,76, no período avaliado. Assim, a informação objetiva é o mel ter alavancado de R$ 7,83 em janeiro de 2020 para R$ 21,16 em janeiro de 2022.

O principal cliente brasileiro, de acordo com o MDIC,2022, são os Estados Unidos que apesar de terem reduzido o volume adquirido em 2021 quando comparado com 2020, é nítido o ganho em faturamento neste período. Temos um incremento superior a 43 milhões de dólares.

Observa-se, ainda, que os demais países importadores do mel brasileiro, receberam volumes crescentes no período apresentado na Tabela 1, destacando a Alemanha e o Canada que juntos trouxeram um faturamento de US$ 31,8 milhões de dólares em 2021 com um incremento de 1,7 mil toneladas de mel, em relação a 2020.

Ressalta-se, neste momento, um aumento nas exportações na ordem de 17.000 ton. de 2019 em relação a 2021, representando, basicamente, o que se estima ser o consumo do Brasil.

Deve se destacar que este comportamento de aumento de preços em virtude do desbalanceamento entre a oferta do produto e a demanda/procura apresentada é completamente normal e sempre observada para os produtos considerados commodities.

A questão chave deste trabalho é que apesar de o mel ser uma commodities clássica, o produto não tem seus preços cotados em bolsa o que acarreta sérios problemas com a correção do rumo no mercado interno.

Enquanto produtos derivados de petróleo, soja, milho, trigo e outros tem seus preços ajustados no dia seguinte a interferência do mercado externo, o mel é tratado como um produto industrializado, onde os ajustes de preço para recomposição de inflação do produto são tratados caso a caso e na velocidade e interesse dos grandes varejistas.

Assim, ainda em análise na Fig.3, diferentemente do aumento de 170% nos preços de vendas para os clientes no mercado externo, o mercado interno praticou aumentos médios na ordem de 51% no período avaliado, levando a perdas em margem de contribuição em cerca de 23%.

Notoriamente e neste diapasão é transparente e certo que a transferência desta perda de margem irá restar para o consumidor final, uma vez que os baixos volumes que estão disponíveis para o mercado nacional atrelados a guerra de preços dos entrepostos junto aos apicultores em busca de maiores volumes exportados, irão, cada vez mais, afetar os preços no mercado brasileiro, além da possibilidade e a abertura que se oferece para o surgimento de fraudes e contrabando do produto

Como dificilmente o Brasil vai passar de exportador para importador de mel, é mandatório que ações para o aumento da produtividade das colmeias brasileiras iniciem-se de imediato com o objetivo de elevarmos nossos números de produção, no mínimo para patamares que nos permitam sermos o segundo maior produtor mundial das comodities mel.

CONCLUSÃO

Em virtude da baixa produção de mel no Brasil e a demanda cada vez mais acentuada pelo mercado nacional é nítida a questão de perda de volume no mercado interno e, desta forma, procedente necessidade de aumentos de preços, sendo substancial, para a solução imediata deste problema, o incremento na produtividade e consequente aumento na disponibilidade de mel no país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Baldoni Produtos Naturais. Dados contábeis e financeiros do ERP Sankhiya, 2022.

Banco Central Do Brasil (BCB). Cotações e Boletins, 2022. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/historicocotacoes. Acesso em 03mar2022

Cavalcante, D.A. O salto do mel brasileiro passa pela ampliação da produtividade das colmeias. Revista Globo Rural, 2021. Disponível em: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Opiniao/Vozes-do-Agro/noticia/2021/06/o-salto-do-mel-brasileiro-passa-pela-ampliacao-da-produtividade-das-colmeias.html. Acesso em 03 abr 2022.

Elkington, J. et al. Making Sustainability Work: Best Practices in Managing and Measuring Corporate Social, Environmental, and Economic Impacts. United States: Berrett-Koehler Publishers, 2014.

Food And Agriculture Organization (FAO), FAOSTAT; 2020. Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#rankings/major_partners_imports. Acesso em: 03 mar2022.

Instituto Brasileiro de Geografia E Estatística – IBGE. Censo Agropecuário 2017. Disponível em: www.sidra.ibge.gov.br. Acesso em: 23 mar. 2022.

Ministério da Industria, Comercio Exterior E Serviços (MDIC) – COMEX STAT, 2022. Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral. Acesso em 23 mar. 2022.