RESGATE DE NINHOS DE ABELHAS SEM FERRÃO EM POSTES UTILIZADOS NA ILUMINAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DO AMAZONAS

Layon Oreste Demarchi1 – Eduardo Magalhães Borges Prata2 – Diego Ken Osoegawa3 – Maurício Adu Schwade4 – Dalton Freitas do Valle5 – Patrick Santana Alves Fernandes6.
1Meliponicultor, ecólogo, doutorando em Botânica pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA
2Meliponicultor, biólogo, doutor em Botânica pelo INPA
3Meliponicultor, ecólogo, mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia e doutorando em Biotecnologia pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM
4Meliponicultor, cientista econômico, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM
5Meliponicultor, engenheiro florestal, mestre em Ciências Florestais pelo INPA
6Meliponicultor, graduado em Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Universidade Estadual do Amazonas – UEA.

CONTEXTUALIZAÇÃO

As abelhas, além de usarem as plantas como fonte de alimento, utilizam troncos e galhos de diferentes espécies vegetais para construírem seus ninhos, onde buscam preferencialmente ocos de árvores ou reentrâncias naturais que permitam a instalação dos enxames e forneçam proteção contra predadores e intempéries (Cortopassi-Laurino, 2009; Mesquita et al., 2017). Dentre as espécies que fornecem condições adequadas para a nidificação das abelhas, destaca-se a acariquara (Minquartia guianensis Aubl. ver Tabela 1), apontada por moradores tradicionais e indígenas como uma das espécies preferidas pelas abelhas devido ao tronco ser acanalado com diversas reentrâncias naturais que podem fornecer condições ideais para a nidificação (Coletto-Silva, 2006).

A acariquara, também conhecida no Brasil por acapu, acari, arariúba ou acariquara-roxa é uma espécie arbórea pertencente à família Olacaceae, geralmente alcançando de 10 a 20 m de altura e média de 60 a 80 cm de DAP (diâmetro a altura do peito) (CRUZ, 2017). Distribuída ao longo de toda a bacia Amazônica e também em países da América Central, ocupa preferencialmente formações florestais de terra-firme, mas também pode ocupar áreas alagáveis de várzea e áreas de transição com outras formações vegetais (CAMARGO & FERRAZ, 2004; CRUZ, 2017). A espécie apresenta madeira durável, de alta densidade (0,75 g/cm³ a 0,98 g/cm³), resistente ao ataque de patógenos, por este motivo é amplamente utilizada no mercado madeireiro na região amazônica, alcançando alto valor comercial. Devido a tais características a espécie sofre pressão de exploração, sendo considerada ameaçada de extinção (IUCN, 2020), e em muitas localidades já apresenta acentuada queda de suas populações (Nebel, 2001).

Um dos principais usos históricos da acariquara na região amazônica foi como poste na iluminação pública, porém, ao longo dos últimos anos, devido a legislação ambiental vigente, a dificuldade de encontrar madeira de alta qualidade e o preço alcançado, tem tornado a aquisição de postes de madeira cada vez mais difícil e inviável economicamente (Araújo, 2010). Assim, as empresas responsáveis pela iluminação pública ao longo das últimas décadas têm substituído os postes de madeira por postes de concreto e fibra, com uma média de 2.000 postes deteriorados substituídos por ano no interior do estado do Amazonas, perfazendo uma média de 181 postes por mês (Araújo, 2010).

Neste Contexto, tendo em vista que os postes de iluminação pública de acariquara são utilizados por diversas espécies de abelhas para a nidificação (Tabela 1) (com registros de mais de 10 enxames em um mesmo poste), e que estes postes estão sendo substituídos sem levar em conta a presença destes enxames (o que acarreta na mortalidade das abelhas), surge o grupo Natora de resgate de abelhas sem ferrão. O grupo consiste em meliponicultores que se organizam espontaneamente com o propósito de realizarem excursões de campo para o resgate de abelhas sem ferrão, além de outras iniciativas, como a destinação de enxames a moradores locais, ministrar oficinas de resgate e transferência de enxames e a produção de cartilhas e outros materiais relativos à meliponicultura.

RESGATE DE ABELHAS SEM FERRÃO

Primeiramente, antes da realização dos resgates, o grupo submeteu pedidos de autorização individual de resgate e transporte de fauna para o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão estadual responsável. Após as autorizações emitidas, foram organizadas diversas saídas de campo para realizar o resgate de abelhas sem ferrão ao longo de ramais de comunidades rurais no município de Presidente Figueiredo (Figura 1). Participaram das operações mais de vinte meliponicultores dos municípios de Manaus, Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo, além de moradores locais.

Uma vez, após os postes trocados e depositados ao longo dos ramais, foi elaborada uma metodologia rápida para o resgate. Primeiramente, a partir da identificação da entrada do ninho e de calafetos de resina feitos pelas abelhas para vedar frestas na madeira, foi possível delimitar a extensão de cada ninho nas toras de acariquara. Com isso, foram feitos cortes nos postes de acariquara utilizando motosserra, tentando causar o mínimo de danos possível aos enxames. Após a separação das toras em segmentos, foram aparafusadas ou pregadas placas de madeira em cada extremidade cortada para vedação das colmeias, quando necessário. Durante e algum tempo depois do procedimento do corte, as entradas dos enxames foram mantidas abertas para a entrada da maior quantidade possível de abelhas campeiras. Com a finalização de todos os cortes em cada ponto de resgate, vedamos as entradas, acondicionando os segmentos de acariquara cuidadosamente nos carros para o transporte. Todo o procedimento foi fotografado e filmado tendo a equipe amplo material visual disponível (Figura 2).

Ao todo, as ações proporcionaram o resgate de aproximadamente 70 ninhos pertencentes a quatro espécies de abelhas sem ferrão em postes de acariquara em situação de vulnerabilidade. E também foram realizadas pelo menos duas oficinas de transferências de enxames, onde estes foram transferidos dos postes para caixas racionais adequadas ao manejo (Figura 3). Estes resgates, provavelmente evitaram a morte de muitos destes ninhos durante o inverno (estação chuvosa), devido à baixa disponibilidade de recursos para as abelhas nesta época do ano associada à elevada umidade e ataques de inimigos naturais, principalmente pelo fato dos postes estarem tombados. De fato, encontramos ninhos com populações fracas ou mesmo mortas. Também registramos uma situação de poste com ninhos danificados por ação de pessoas em busca de mel sem o manejo adequado.

Tabela 1: Lista de espécies com nome científico e popular registradas utilizando os postes de acariquara para nidificação. *registros realizados durante atividade de resgate no município de Presidente Figueiredo; ** registros realizados através de relatos de meliponicultores do município de Presidente Figueiredo e Manaus; *** registros de literatura (Oliveira et al. 1995; Oliveira et al. 2013; Nogueira 2016).
Tabela 1: Lista de espécies com nome científico e popular registradas utilizando os postes de acariquara para nidificação.
*registros realizados durante atividade de resgate no município de Presidente Figueiredo; ** registros realizados através de relatos de meliponicultores do município
de Presidente Figueiredo e Manaus; *** registros de literatura (Oliveira et al. 1995; Oliveira et al. 2013; Nogueira 2016).

RECOMENDAÇÕES

Levando em conta as informações disponíveis por Araújo (2010) em que cerca de 2.000 postes de acariquara são trocados por ano no Estado, concluímos que centenas ou mesmo milhares de enxames estão sendo descartados todos os anos. Nesse sentido, considerando o papel social e ambiental da empresa responsável pela iluminação pública, os benefícios que as abelhas trazem ao meio ambiente e a qualidade de vida humana em geral, a potencial geração de renda e complemento na alimentação humana que a meliponicultura pode trazer a pequenos agricultores, o grupo Natora entende que medidas que garantam a segurança e destinação dos enxames presentes em postes de acariquara devem ser tomadas pela empresa responsável como forma de se adequar a legislação ambiental, incluindo medidas de compensação ambiental. Neste sentido recomendamos:

1. Criar protocolo de resgate e plano de destinação dos postes de acariquara que contenham ninhos de abelhas sem ferrão;

2. Promover, como medida de compensação ambiental e social, a realização de oficinas de criação de abelhas sem ferrão (meliponicultura) nas comunidades locais, preferencialmente antes da substituição dos postes, de modo que os moradores locais se tornem aptos a receber os enxames logo após for realizada a substituição, dando bases ao fortalecimento e estímulo da cadeia produtiva relacionada à meliponicultura no Amazonas;

3. Destinar os enxames às associações de criadores de abelhas sem ferrão, bem como moradores das comunidades locais interessados na criação.

As ações de resgate e a constatação da dimensão do impacto resultante da substituição indiscriminada dos postes de acariquara sem a promoção de ações de mitigação e compensação ambiental foi um dos motivadores para que o Grupo Natora, juntamente com a Associação dos Criadores de Abelhas do Amazonas (ACAM) e a Rede de Meliponicultura do Estado do Amazonas (REDEMEL) propusessem alterações na resolução estadual que regulamenta a Meliponicultura no Amazonas, que agora apresenta expressamente que empreendimentos que necessitam o licenciamento ambiental devem facilitar o resgate de colônias quando ocorra a supressão de sítios de nidificação (CEMAAM, 2021).

Figura 1: Localização do Estado do Amazonas e do município de Presidente Figueiredo. Em destaque foto aérea da área e os pontos em vermelho de onde foram realizados os resgates de abelhas sem ferrão ao longo dos ramais da comunidade Canoas.
Figura 1: Localização do Estado do Amazonas e do município de Presidente Figueiredo. Em destaque foto aérea da área e os
pontos em vermelho de onde foram realizados os resgates de abelhas sem ferrão ao longo dos ramais da comunidade Canoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências relatadas reforçam a importância das ações de resgate no sentido de evitar a perda de inúmeras populações de espécies de abelhas sem ferrão em situação de vulnerabilidade. Além disso, estimulamos a prática deste tipo de ação e da meliponicultura dentre alguns moradores do ramal. Por fim, elaboramos um documento destinado ao IPAAM e à concessionária Amazonas Energia com algumas diretrizes e apontamentos para este tipo de ação de maneira prévia à substituição dos postes de acariquara. Considerando a elevada diversidade de abelhas, abundância de recursos e potencial enorme da meliponicultura como atividade econômica no estado do Amazonas, este tipo de ação de resgate e oficinas de criação de abelhas tem muito a contribuir no fortalecimento da cadeia produtiva do mel, própolis e demais produtos da meliponicultura, principalmente se incorporado como política pública por parte dos prestadores de serviço e dos órgãos ambientais do estado.

Figura 2: Exemplo de uma oficina de resgate de abelhas sem ferrão realizada em setembro de 2020 na comunidade Canoas no município de Presidente Figueiredo. A: Poste de acariquara ao chão recém substituído por um poste de concreto. B: Postes de acariquara empilhados em frente a comunidade Canoas contendo dezenas de ninhos de abelhas sem ferrão. C: O mesmo poste após ser dividido em pedaços que continham os ninhos das abelhas sem ferrão. D: Postes divididos com as extremidades tampadas para a proteção dos ninhos das abelhas sem ferrão. E: Segmentos dos postes acomodados nos carros para transporte. F: Ninhos acomodados em meliponários para aclimatação antes da transferência para caixas de manejo. Fotos: A-E por Eduardo Prata; F por Layon O. Demarchi.
Figura 2: Exemplo de uma oficina de resgate de abelhas sem ferrão realizada em setembro de 2020 na comunidade Canoas no
município de Presidente Figueiredo.
A: Poste de acariquara ao chão recém substituído por um poste de concreto. B: Postes de acariquara empilhados em frente a
comunidade Canoas contendo dezenas de ninhos de abelhas sem ferrão. C: O mesmo poste após ser dividido em pedaços que
continham os ninhos das abelhas sem ferrão. D: Postes divididos com as extremidades tampadas para a proteção dos ninhos das
abelhas sem ferrão. E: Segmentos dos postes acomodados nos carros para transporte. F: Ninhos acomodados em meliponários
para aclimatação antes da transferência para caixas de manejo. Fotos: A-E por Eduardo Prata; F por Layon O. Demarchi.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a todos os integrantes do grupo Natora, a Associação dos Criadores de Abelha do Amazonas (ACAM), a Rede de Meliponicultura do Estado do Amazonas (REDEMEL), a Secretaria de Meio Ambiente de Presidente Figueiredo, ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), e aos gestores da Área de Proteção Ambiental Caverna do Maroaga.

Figura 3: Exemplo de enxames encontrados nos postes de acariquara e de uma oficina de transferência de abelhas sem ferrão. A: Entrada do enxame de moça-branca (Frieseomelitta trichocerata). B: Entrada do enxame de jataí-preta (Scaura latitarsis). C: Entrada do enxame de boca-de-sapo (Partamona sp.). D: Segmento de poste sendo aberto para a transferência de enxames de moça-branca. E: Enxame recém transferido do poste de acariquara para modelo de caixa adequada ao manejo (modelo caminhão-do-Adu). F: Exemplo de meliponário com enxames provenientes de resgate. Fotos: A-C por Eduardo Prata; D e E por Anderson Reis; F por Dalton Freitas do Valle.
Figura 3: Exemplo de enxames encontrados nos postes de acariquara e de uma oficina de transferência de abelhas sem ferrão.
A: Entrada do enxame de moça-branca (Frieseomelitta trichocerata). B: Entrada do enxame de jataí-preta (Scaura latitarsis).
C: Entrada do enxame de boca-de-sapo (Partamona sp.). D: Segmento de poste sendo aberto para a transferência de enxames
de moça-branca. E: Enxame recém transferido do poste de acariquara para modelo de caixa adequada ao manejo (modelo
caminhão-do-Adu). F: Exemplo de meliponário com enxames provenientes de resgate. Fotos: A-C por Eduardo Prata; D e E
por Anderson Reis; F por Dalton Freitas do Valle.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

Matéria exibida em televisão aberta sobre as oficinas de resgate, disponível em: https://globoplay.globo.com/v/8944701/

REFERÊNCIAS

Araujo, W.C.S. 2010. Substituição dos postes de madeira e concreto por Postes de Poliéster Reforçado com Fibra de Vidro – PRFV. Em: Eletrobras Amazonas Energia, XIX Seminário Nacional de Distribuição de Energia Elétrica, São Paulo – SP, 9p.

Camargo, J.L.C. & Ferraz, I.D.K. 2004. Manual de Sementes da Amazônia 2004 (Fascículo 4) Minquartia guianensis Aubl. Editora INPA, INPA, Manaus – AM, 8p.

CEMAAM. Resolução CEMAAM N.º 34, de 27 de dezembro de 2021 – Estabelece normas para a criação, manejo, transporte e comercialização de abelhas sem ferrão (meliponíneos) e seus produtos e subprodutos no Estado do Amazonas e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Amazonas de 27 de dezembro de 2021, p7, 2021.

Cortopassi-Laurino, M., Alves, D.A. & Imperatriz-Fonseca, V.L. 2009. Árvores neotropicais, recursos importantes para a nidificação de abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini). Apacame, 100: 22-28.

Coletto-Silva, A. 2006. Implantação da meliponicultura e etnobiologia de abelhas sem ferrão (Melipona) em comunidades indígenas no estado do Amazonas. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Amazonas, Manaus – AM, 196p.

Cruz, E.D. 2017. Germinação de sementes de espécies amazônicas: acariquara (Minquartia guianensis Aubl.). Comunicado Técnico, 296, Embrapa Amazônia Oriental, Belém – PA, 5p.

IUCN Red List of Threatened Species 2020 – Minquartia guianensis Aubl. Disponível em: (https://www.iucnredlist.org/species/32956/9737660) Acesso em: 16 Setembro de 2020.

Mesquita, N.S., Santos, G.C., Mesquita, N.S., Mesquita, R.S., Mesquita, F.S., Rafael Rode, R., Ribeiro, R.S. & Silva, A.S.L. 2017. Diagnóstico da relação entre a arborização e a diversidade de abelhas sem ferrão (Apidae: Meliponini) no campus Tapajós e no bosque Mekdece localizados em Santarém, PA. Agroecossistemas, 9(2): 130 – 147.

Nebel, G. 2001. Minquartia guianensis Aubl.: use, ecology and management in forestry and agroforestry. Forest Ecology and Management, 150: 115-124.

Nogueira, D.S. 2016. Sistemática de Scaura Schwarz, 1938 (Hymenoptera: Apidae: Meliponini), com notas biológicas. Dissertação de Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, Manaus – AM, 210p.

Oliveira, F.F., Richers, B.T.T., Silva, J.R., Farias, R.C. & Matos, T.A.L. 2013. Guia Ilustrado das Abelhas “Sem-Ferrão” das Reservas Amanã e Mamirauá, Brasil (Hymenoptera, Apidae, Meliponini). Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Tefé – AM, 267p.

Oliveira, M.L., Morato, E.F. & Garcia, M.V.B. 1995. Diversidade de espécies e densidade de ninhos de abelhas sociais sem ferrão (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae) em floresta de terra firme na Amazônia Central. Revista Brasileira de Zoologia, 12(1): 13–24.