Você sabe o que é poncha?

Clau Gavioli (ou Maria Cláudia Gavioli) é jornalista, mestre em hospitalidade e pesquisadora de comida. Ela é editora do site e apresentadora do podcast Minestrone (www.minestrone.com.br).

Foto_1_GastronomiaTalvez você já tenha ouvido falar sobre ponche, que é uma bebida parecida com a sangria, feita com vinho e frutas, mas poncha? Será que lhe causa a mesma estranheza que eu senti quando li essa palavra a primeira vez?

Como a gastronomia é vasta… Além de todas as comidas, tem também as bebidas, os drinques e coquetéis, as harmonizações… quanta riqueza! Lembrando disso me veio a ideia de escrever sobre uma bebida.

A poncha é uma bebida que se acredita seja originária da Ilha da Madeira, local que a reconhece como identitária ou, como costumamos falar, típica de lá. Dizem que “quem vai à Madeira e não toma poncha, não pode dizer que foi”. Ela é feita de rum e limão e é adoçada com açúcar de cana e mel.

O mito fundador da poncha remete à honrosa labuta dos pescadores que para se aquecer na ida para o mar bebiam uma mistura feita com aguardente de cana, casca de limão, água e açúcar ou mel.

Há muitas histórias que versam sobre a criação de bebidas como meio de sobrevivência para marinheiros. Talvez a poncha possa ter sido uma dessas, quem sabe? Existe uma lenda para as bebidas que origina das necessidades reais que tinham os marinheiros para preservar o limão em longas viagens, uma vez que a fruta era o remédio mais eficaz contra o escorbuto, doença impiedosa e frequente entre os que passavam meses nas embarcações durante as grandes navegações, isso nos idos do fim da Idade Média ou do início do século XV em diante. Hoje se sabe que essa doença se deve à carência de vitamina C no organismo humano e, como naquela época não havia refrigeradores, para aumentar a durabilidade dos limões durante as viagens, uma forma de conservá-los era misturando-os a bebidas alcoólicas, como o rum e, mais tarde, a cachaça de cana, além de açúcar, mel ou melado.

Há semelhanças entre a poncha da Madeira, o grogue de Cabo Verde e a nossa caipirinha, uma vez que qualquer delas é feita de uma bebida destilada, limão e açúcar de cana – que as três colônias portuguesas citadas produziam. Apesar disso, a Associação Internacional de Bartenders (IBA – International Bartenders Association), que sistematizou oficialmente uma lista de bebidas a partir de suas origens, ingredientes essenciais e modos de preparo, não as trata como parentes. A receita de caipirinha reconhecida pela IBA leva cachaça, pinga ou aguardente de cana-de-açúcar, limão taiti, açúcar refinado, também de cana, e gelo. A poncha da Madeira é inflexível no que se refere ao destilado: ela só pode ser feita com rum da Madeira. No mais leva limão de qualquer tipo, açúcar, mascavado ou branco, e melaço ou mel. Não se sabe se esses dois últimos ingredientes estavam na receita original, mas, agora, são parte a composição do coquetel.

Sem demasiado apego à rigidez da originalidade, da poncha, como da caipirinha, surgiram outras bebidas, numa espécie de “gourmetização” a fim de agradar paladares diversos multiplicando as opções. É o caso da caipirosca, feita com vodca e da “saquerinha” cuja bebida alcoólica é o saquê, ou das caipirinhas de frutas diversas como morango, maracujá, lichia, tangerina e tantas outras que entram no lugar do limão ou que, junto com ele, podem compor um novo sabor.

Uma característica marcante da poncha da Madeira é, no entanto, a presença do mel ou do mel de cana (melaço). Pesquisando a respeito do uso desses ingredientes na bebida, fiquei com a impressão que, especialmente no passado, o mel, mesmo sendo o preferido, acabava, muitas vezes, preterido em relação ao melaço de cana no preparo da poncha devido à escassez no mercado que tornava alto o preço do produto.

Para quem nunca tinha ouvido falar da poncha, já há lugares, até fora da Ilha da Madeira, que contam com bares especializados nesse drinque. Uma vez que o preparo contenha rum produzido na Ilha e, portanto, envelhecido em barril de madeira que lhe confere uma coloração de amarelo a âmbar, não há restrições quanto a substituir o limão por outras frutas, nem quanto ao tipo de açúcar ou se o melaço ou o mel é usado.

Entre o mel e o melaço há diferenças fundamentais. O primeiro é feito pelas abelhas, tende a ser mais leve e claro, ao passo que o outro é um derivado do suco da cana de açúcar cozido em alta temperatura, mais viscoso e escuro e com retrogosto que chega a ser amargo.

O mel é um ingrediente que pode ser suave, mas que impõe seu sabor característico. Nas bebidas, vem se tornando cada vez mais apreciado por bartenders em todo o planeta. Resta-nos experimentar. Então, que tal uma poncha? Ah, pode ser com mel, por favor?