IDENTIFICANDO OS NINHOS DAS ABELHAS SEM FERRÃO EM CENTROS URBANOS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Marilda Cortopassi-Laurino

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Os vários locais dos ninhos urbanos da abelha Jataí.

O interessante de uma grande cidade como São Paulo com 12 milhões de habitantes, é a certeza de que ela sempre guarda grandes surpresas, ou seja, algo que sempre esteve entre nós e em que nunca prestamos muita ou nenhuma atenção. Alguns destes locais são considerados patrimônio ambiental urbano, e num destes, com aproximadamente 2km² e com índice de cobertura vegetal de 43,30%, fizemos observações diretas contemplando as espécies de abelhas sem ferrão e o seus locais de nidificação.

Foram identificados 11 gêneros representados por pelo menos 12 espécies e eles foram marcados quanto ao local de nidificação: natural ou em construções urbanas.

Num bairro arborizado da região urbana de São Paulo, a abelha mais conhecida e frequente é a jataí (Tetragonisca angustula) seguida pelas jataí-da-terra (Paratrigona subnuda), mirins (Plebeia spp.), tubuna (Scaptotrigona bipunctata), guiruçu (Schwarziana quadripunctata), irapuá (Trigona spinipes), boca de sapo (Partamona helleri) e iraí (Nannotrigona testaceicornis). Raríssimas são as borá (Tetragona clavipes) e a xupé (Trigona hyalinata). Entretanto, a partir de 2015, na região oeste de São Paulo, tem sido observada uma expansão do numero de ninhos da abelha iratim ou limão (Lestrimelitta limao).

Um modo fácil e rápido para identificar as abelhas sem ferrão é observar a estrutura da entrada do ninho. Eles são facilmente encontrados quando presenciamos varias abelhas voando na mesma direção nas proximidades de troncos de árvore, de construções urbanas ou ainda no chão. Estas entradas são construídas principalmente com cerume, resinas e ou barro e onde podem ser adicionados outros materiais.

A espécie de abelha jataí (Tetragonisca angustula) é a mais adaptada e conhecida dos centros urbanos. A entrada do seu ninho, mesmo que às vezes mimética, é bem visível aos olhos humanos porque tem sempre operarias-guarda voando nas proximidades. Em relação ao local de nidificação esta espécie é bem versátil e utiliza espaços de muros e paredes, caixas de campainhas e entrada de energia, ocos de árvores e até mesmo do chão, neste caso, talvez em antigos ninhos de formigas.

Os ocos de árvores onde nidifica com mais frequentes, no bairro do Sumaré, são os da sibipiruna (Caesalpinia pluviosa peltophoroides) muito comum na arborização urbana de São Paulo. Entretanto, foram também encontrados ninhos em ocos de árvores de tulipeira do Gabão (Spathodea campanulata) seringueira (Ficus elástica) alfeneiro (Ligustrum lucidus), alecrim de Campinas (Holocalix glaxiowi) e tipuana (Tipuana tipu). A altura onde se encontram estes ninhos é desde o nível do chão até aproximadamente os 2,5m. Alguns ninhos fecham a entrada do ninho a noite ou em períodos invernais abaixo de 16º C. Aglomerados de machos, significando época de enxameagem, foram observados entre os meses de setembro a janeiro na região. Neste período os ninhos podem apresentar entrada duplicada.

Na natureza a menor distancia entre dois ninhos foi de 6 m. Curiosamente, um ninho de jataí sobrevive há anos numa distancia de 1,6 m de um fortíssimo ninho da abelha iratim ou limão. E outro está há mais de 20 anos na mesma parede de pedra de uma construção urbana.

A abelha jataí-da-terra (Paratrigona subnuda) também são abelhas pouco observadas provavelmente porque são pequenas, nidificam sempre no solo e apresentam a entrada do ninho muito pequena, às vezes com menos de um centímetro de diâmetro, e sempre camuflada com a vegetação ou com o próprio solo e também pelo discreto movimento externo. Os ninhos foram encontrados em barrancos, mas também em solo com inclinação muito pequena. Na entrada do ninho constroem apenas uma auréola circular de cerume cinzento onde 3-5 abelhas guarda estão sempre presentes. No mesmo barranco, ocorrem agregados e dois ninhos tinham sua entrada a 1,7 m de distancia. Também constroem dupla entrada em algumas épocas do ano.

Esta espécie substituiu ou invadiu um antigo ninho de guiruçu (Schwarziana quadripunctata) nos meses quentes do ano. Machos foram vistos desidratando em folhas de manacá da serra na altura de um metro e meio. E aglomerados de machos foram observados nos meses de setembro e dezembro, e nestas ocasiões, algumas vespas participavam do aglomerado caçando estas abelhas.

Como curiosidade um ninho que foi retirado de uma calçada do bairro estava numa profundidade de aproximadamente um metro e tinha menos de 20 cm de diâmetro. Colocado num pote de barro com paredes duplas sobrevive muito bem. No mesmo local, dois anos depois, um novo ninho se instalou naturalmente. Teria ficado algum resquício do antigo ninho que atraiu o novo?

Dos 10 ninhos encontrados, 4 deles estavam próximos, com distância entre 2,0 e 0,30m entre eles. Podem construir duas entradas em algumas épocas do ano.

As abelhas mirins ou mosquito (Plebeia spp), que podem ser várias espécies, também são das mais comuns, entretanto seu menor tamanho e entrada com pouco mais de um centímetro de diâmetro faz com que passem despercebidas da maioria das pessoas exceto quando ocorre intenso movimento de operárias ou aglomerado de machos. Na região urbana foram observadas nidificando principalmente em construções como muros e postes e só um ninho numa árvore de quaresmeira (Tibouchina granulosa) apresentam amplitude de altura para nidificação entre 20-30 centímetros do solo até perto de 3,0 m em postes de iluminação. Estes só foram descobertos pelo intenso movimento dos aglomerados de machos nas proximidades da entrada do ninho nas horas quentes do dia e que ocorreu entre os meses de outubro a março. Alongam o tubo externo da entrada em alguns centímetros e multiplicam o número de entradas em determinadas épocas do ano (janeiro). Entretanto esta expansão no comprimento ainda não pode ser associada com enxameagem porque perduraram por vários meses.

Outras mirins como a mirim-guaçu (Plebeia remota), com entrada que permite a passagem de uma só abelha, a mirim-saiqui (Plebeia saiqui), com entrada com tubo curtíssimo, muito resinosa e com passagem para várias abelhas e a mirim droryana (Plebeia droryana), com entrada dupla sendo uma bem menor e com passagem para algumas poucas abelhas também são encontradas e identificadas no ambiente urbano de São Paulo. Um único aglomerado de machos de Plebeia remota foi observado no mês de novembro.

Curiosamente, alguns ninhos encontrados em paredes apresentavam uma enorme trilha resinada escorrida de até 0,50m na sua parte inferior. Território?

A abelha Guiruçu ou mombuca mirim (Schwarziana quadripunctata) também é pouco visível pelo discreto movimento externo. Nidifica no solo preferencialmente inclinado, entretanto, curiosamente, vários ninhos têm sido encontrados em muros ou nas suas saídas de umidade que possuem barranco de terra na sua parte posterior. Nesta situação a entrada do ninho estava a até 1,8 m de altura.

A entrada do ninho é uma torre de barro com até 4cm de altura e diâmetro externo e interno respectivamente de 2,0 e 1,6 cm, que atinge seu maior tamanho em altura na época do verão quando chove mais e também quando mais rapidamente cresce a vegetação no seu entorno. E quando em tubos de saída de umidade, pode apresentar na sua parte inferior, uma plataforma triangular direcionada para baixo de até 5cm também construída com barro. Às vezes apresenta entrada dupla. A menor distância entre dois ninhos foi de 12 metros de distancia, um em cada lado da rua. Um único aglomerado de machos foi observado no final do mês de outubro na região.

Como curiosidade, na temperatura de 16º C já havia abelhas coletoras voltando para o ninho. E um dos ninhos situados em barranco foi substituído por ninho de jataí-da-terra.

A abelha Iraí (Nannotrigona testaceicornis) é pouco frequente na região urbana de São Paulo. A entrada do ninho, de cerume escuro, que pode medir até 3,5cm de diâmetro e ao longo de todo ano é fechada a noite com uma linda rede de cerume. São abelhas tímidas que se escondem quando nos aproximamos da entrada do ninho. Durante vários anos sós quatro ninhos foram observados na região sendo em oco de árvore na altura de 0,20 e 2,8m e a 1,5m num poste de cimento para iluminação. As árvores onde foram observados os ninhos eram em duas sibipiruna (Caesalpinia pluviosa peltophoroides), uma unha de vaca (Bahuinia variegata) e um alfineiro (Ligustrum lucidus). Aglomerados de machos foram observados nos meses de agosto e novembro.

Nas abelhas Tubuna (Scaptotrigona bipunctata) os ninhos observados desta espécie estavam sempre em troncos de árvores. São abelhas algo agressivas se importunadas na entrada do ninho. São colônias populosas e apresentam ativo movimento externo. A entrada do ninho é um tubo de cerume escuro com formato de trombeta, com até 5-6cm de comprimento e 3,5 cm de diâmetro na porção mais externa. Entretanto ao longo do ano ele pode ser um pouco maior e até com uma membrana interna dividindo o espaço ao meio.

Os troncos de árvores onde foram observadas nidificando, desde 0,15-2,1m de altura, são de alfineiro (Ligustrum lucidus), seringueira (Ficus elástica), alecrim de Campinas (Holocalix glaxiowi) e pitangueira (Eugenia uniflora). A menor distancia entre dois ninhos foi de aproximadamente 6 metros. Aglomerados de machos foram observados entre os meses de Junho e Novembro. Um destes ninhos foi temporariamente invadido pela abelha iratim ou limão, porém se recuperou. Esta espécie parece estar em processo de expansão na região urbana porque seus ninhos eram pouco observados há alguns anos atrás.

A abelha Irapuá (Trigona spinipes) apresenta ninhos aéreos grandes com até 30-40cm de diâmetro construídos em forquilhas de árvores entre 2-7m de altura e são abelhas bem agressivas. Além de perseguirem o intruso por vários metros, entram na roupa, cabelo e ouvidos, ficam vibrando e mordendo com as mandíbulas provocando enorme desconforto. Com frequência constroem em árvores que perdem suas folhas no inverno como paineira e tulipeira do Gabão. Já foram observados também em árvores do pinheiro bunya (Araucaria sp), da eritrina (Erythrina speciosa), magnólia amarela (Michelia champaca), ficus (Ficus benjamina) e eucalipto (Eucalyptus sp). A menor distancia entre dois destes ninhos foi de aproximadamente 15-20 metros na mesma altura de 7-10m.

Aglomerados de machos foram observados entre os meses de junho e setembro.

Em duas ocasiões parte do ninho caiu no chão e varias destas abelhas mais Apis coletavam o conteúdo dos potes de pólen. Excesso de peso ou apodrecimento do tronco são sugestões para esta ocorrência. Ambos estavam instalado bem alto na árvore sugerindo que não tenham sido perturbados por humanos.

Viveram melhores em áreas urbanas porque há alguns anos havia um ninho num pinheiro atrás do MASP da Avenida Paulista e outro no canteiro central da Avenida Faria Lima. Atualmente não existem mais e poucos ninhos são conhecidos na região.

A abelha Boca de sapo (Partamona helleri) são abelhas que também já foram mais comuns na região tendo sido observados seus ninhos parcialmente expostos em telhados, touceiras e forquilhas de troncos de árvores, caixas de ar condicionado, paredes de casas ou ramos como os de Cyca. Atualmente nos arredores do bairro dois ninhos em árvores foram encontrados abandonados. Os habitados estavam em uma quaresmeira (Tibouchina granulosa), outro em tipuana (Tipuana tipu) e dois nas paredes laterais de uma mesma casa, mas voltados para lados opostos. Um recém-instalado em forquilha de eucalipto de uma praça foi retirado do local. Constroem ninhos em até 7-8m de altura.

A abelha Iratim ou limão (Lestrimelitta limao) cujo nome popular vem do fato de exalarem um odor citral quando pressionadas ou quando invadem ninhos de outros meliponineos. Conhecidas como abelhas ladras, estas abelhas de cor preta brilhante não coletam nas flores e roubam o alimento e cerume dos ninhos de outras abelhas. Curiosamente são abelhas tímidas quando permanecemos na entrada do ninho.

A característica da entrada do ninho, que pode ser em construções ou em ocos de árvores, são as muitas falsas entradas em formato de dedos, mas com apenas uma ou poucas verdadeiras formando um conjunto de até 30 cm de comprimento e 20 cm de largura. Quando ocorre só uma entrada ela possui cerca de 4 cm de diâmetro medido num dia de verão intenso. Entretanto, num dia de outono as duas entradas tinham formato oval e foram fechadas a noite. Esta espécie também apresenta grupos de abelhas-guarda que ficam voando com movimentos circulares verticais na frente da entrada do ninho.

O ninho observado numa árvore sibipiruna (Caesalpinia pluviosa peltophoroides) substituiu um ninho de irai numa altura de 1,8m e diâmetro de 0,50cm. Entretanto, outro ninho foi observado no tronco de uma antiga tulipeira do gabão (Spathodea campanulata) cujo diâmetro tinha mais de metro. Os outros dois ninhos estavam em paredes numa altura de 2,3 e 3,2m.

Curiosamente, num mês de setembro, um destes ninhos esteve muito fraco e com pouco movimento de abelhas, e nesta ocasião, abelhas Apis, Euglossa, Melipona quadrifasciata e Eulaema cingulata coletavam o cerume maleável das pontas das falsas entradas sem serem perturbadas. Pouco tempo depois ocorreu um aglomerado de machos na região da entrada e o ninho se recuperou. Este único aglomerado ocorreu num mês de outubro.

Outra curiosidade é sobre os dois tipos de ataques destas abelhas: um que ocorreu durante alguns dias contra um ninho de jataí com extermínio destas e com muitas abelhas mortas grudadas umas nas outras pelo chão das redondezas. O outro ataque foi tipo “arrastão” (rápido e de duração de pouco mais de duas horas) e que ocorreu três vezes ao mesmo ninho de mirim num intervalo de cada dois meses. Nesta ocasião, a entrada foi remodelada pelas iratins para duas entradas maiores com cerume marrom claro e sem deposito de grumos de resina nas imediações. Não ocorreu confronto físico e após este tempo deixam o ninho, cuja porta, em questão de duas horas, foi desmanchada e remodelada ao seu formato original pelas mirins. O movimento externo e a coleta de pólen, interrompida durante o ataque também voltou a ser observada neste ultimo período.

Alguns ninhos de borá ocorreram naturalmente na região da cidade universitária no bairro do Butantã-SP em árvores de eucalipto e de sibipiruna em alturas abaixo de um metro e, nem sempre, apresentavam uma entrada característica talvez associada com a condição da população da colônia.

Ninhos da abelha xupé são raros nos arredores do bairro, só um ninho foi observado fixado em construção embora também já tenham sido vistos nidificando externamente em troncos de árvores em alturas de vários metros.

Este artigo é em homenagem ao centenário de Paulo Nogueira-Neto, grande pesquisador e incentivador dos estudos destas abelhas sem ferrão.