A ORGANIZAÇÃO “BEE OR NOT TO BE “ E SUA IMPORTÂNCIA PARA A APICULTURA E A MELIPONICULTURA.
Prof. Dr. Lionel Segui Gonçalves – Professor aposentado da USP e atualmente pesquisador visitante da UFERSA de Mossoró-RN.
A organização “Bee Or Not To Be” foi criada em 2013, por um grupo de idealistas amantes das abelhas, entre eles educadores, pesquisadores, apicultores, meliponicultores, zootecnistas, entomologistas, comerciantes e universitários, em Ribeirão Preto – SP. Ela foi registrada oficialmente em cartório em 20/05/2017, como organização civil brasileira, sem fins lucrativos, de caráter sócio ambientalista, tendo por objetivo primordial a defesa e proteção das abelhas e do meio ambiente no Brasil e na América Latina, por meio de atividades de educação profissional e ambiental bem como de estudos científicos. (fig.01) É a maior iniciativa de proteção às abelhas da América Latina e tem a intenção de conscientizar a sociedade para a importância das abelhas e alertá-la para os riscos do declínio destes importantes polinizadores e em especial para as consequências deste declínio, que é o risco da redução da produção de alimentos. (fig. 02 e 03) A sede da ONG está instalada no Shopping Iguatemi, Av. Luís Eduardo de Toledo Prado, 900, Edifício Iguatemi Empresarial, Sala 1314, 13º. Andar, CEP 14027-250 Ribeirão Preto – SP (E-mail: contato@beeornottobe.com.br).
O Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos (fig. 04 e 05) utilizados no combate a pragas da agricultura, causadores de mortes de abelhas Apis mellifera L., de abelhas sem ferrão e abelhas solitárias e do fenômeno do Desaparecimento das Abelhas (CCD = Colony Collapse Disorder) ou Síndrome do Colapso das Colônias. Este é um assunto bastante discutido atualmente entre os apicultores brasileiros e autoridades ligadas ao setor agrícola, sendo um dos principais temas discutidos nos Congressos Mundiais de Apicultura da Apimondia. Uma das primeiras ações da ONG Bee Or Not To Be foi o lançamento de uma campanha, “Sem abelhas, sem alimento” (No Bee No Food), expressão maior de conscientização sobre a importância das abelhas desenvolvido pela ONG por seu Presidente, Prof. Dr. Lionel Segui Gonçalves, em 2013, concomitantemente no Campus da USP em Ribeirão Preto – SP, no Campus da UFERSA em Mossoró-RN e, neste mesmo ano, no Congresso Internacional da APIMONDIA em Kiev, Ucrânia, em Outubro de 2013, por seu filho Daniel Malusá Gonçalves. Nessa Congresso de Kiev a ONG obteve os apoios da APIMONDIA, FILAPI e FAO. Tão logo após sua fundação, a organização passou a ter inúmeros apoios importantes como os da CBA (Confederação Brasileira de Apicultura) e da ABEMEL (Associação Brasileira dos Exportadores de Mel) e outras. Assim, graças ao importante reconhecimento de suas ações no meio apícola nacional e internacional (fig. 06 e 07), a organização já recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais, entre eles sendo destacados o 2º lugar na categoria Planet da “Organização Act Responsible”, em Cannes, França em 2015, medalha de prata no Congresso da FILAPI na Argentina em 2014, duas medalhas de bronze no Congresso Internacional da Apimondia em Daejeon, na Coreia do Sul, além do Grand Prix 2015 do FestGraf promovido pela APP de Ribeirão Preto – SP. Em 2017, em Istambul, Turquia, graças as atividades da ONG e de seu Presidente, a Federação Internacional de Apicultura APIMONDIA, organização maior da apicultura mundial, concedeu ao Presidente, Prof. Dr. Lionel Segui Gonçalves, o honroso título de membro honorário da APIMONDIA, fato que colocou em destaque internacional as atividades apícolas brasileiras.
Como é de conhecimento público no mundo cientifico, as abelhas são os maiores polinizadores das plantas, sendo responsáveis pela perpetuação de 85% das plantas com flores das matas, florestas, bosques, jardins, campos e demais áreas verdes, garantindo, com seu trabalho de polinização, a preservação da biodiversidade e um importante equilíbrio aos ecossistemas existentes do Planeta. As abelhas garantem não só a produtividade no campo como também a melhoria da qualidade dos frutos e sementes, sendo responsáveis pela grande variedade de alimentos que chegam à nossa mesa.
A segunda ação lançada pela ONG foi a criação do aplicativo “Bee Alert “(fig. 08) em 17/3/2014, o primeiro aplicativo por sistema eletrônico, seguro e de fácil utilização, usado para registrar as ocorrências de mortes de abelhas em geral nos apiários brasileiros, podendo ser acessado em qualquer computador, smartphone ou tablet, estando no momento em revisão.
O aplicativo indica a localização da ocorrência, sua intensidade, possíveis causas e os danos ou prejuízos causados ao apicultor ou meliponicultor. O aplicativo foi adotado em 7 países da América Latina, já tendo sido utilizado inclusive em um projeto de doutorado desenvolvido na UFERSA de Mossoró-RN, pelo pós-graduando Dayson Castilhos, orientado do Prof. Lionel S. Gonçalves. Essa tese foi concluída e defendida em julho de 2018 com o auxílio do Aplicativo Bee Alert. Foram registradas, no Aplicativo, 247 ocorrências e a perda de mais de 20.000 colônias de abelhas, sendo 87% de Apis mellifera e 13% de abelhas sem ferrão, o que representa a morte de mais de um bilhão de abelhas.
Mais de 90% dessas perdas foram provocadas pela ação direta dos pesticidas, segundo apicultores e meliponicultores contactados pelo Sr. Castilhos. Gostaríamos de destacar que essa perda não leva em consideração as abelhas encontradas na natureza, tanto Apis como as abelhas sem ferrão e as solitárias mortas pela ação direta dos pesticidas, devido ao efeito da deriva ou efeito do vento durante os voos dos aviões agrícolas, usados na pulverização dos pesticidas no combate às pragas da lavoura.(fig. 09 e 10) Infelizmente, até o momento, inexistem pesquisas sobre os danos causados pelos pesticidas nas populações de abelhas da natureza, porém, com certeza, os danos devem ser no mínimo tão prejudiciais para as abelhas como os detectados nos apiários e meliponários. Segundo foi possível constatar por Castilhos, as mortes de abelhas ocorreram durante todos os meses ou estações do ano durante as coletas de dados. As análises químicas revelaram maiores frequências dos pesticidas Fipronil e dos pesticidas sistêmicos neonicotinoides (imidaclopride, thiametoxam e clotianidine ). As principais regiões do Brasil que apresentaram perdas de abelhas foram principalmente os Estados de São Paulo (47%), Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. (fig. 11, 12 e 13)
A terceira ação desenvolvida pela ONG Bee Or Not To Be foi um projeto educacional ambiental que teve sua criação motivada por uma pesquisa de opinião pública do Ibope, de 2015, segundo a qual 78% dos brasileiros desconheciam a importância da atividade de polinização realizada pelas abelhas. (fig. 14, 15 e 16)
Assim, preocupados com o lamentável resultado dessa estatística que comprova o desconhecimento do brasileiro pelo maravilhoso trabalho executado pelas abelhas e, entendendo o papel que as crianças podem ter no convívio familiar, a ONG decidiu criar um Caderno Didático, de fácil acesso e dedicado a crianças do ensino fundamental, de 8 a 11 anos. Esse Caderno foi concebido para despertar o interesse das crianças no fascinante mundo das abelhas. Assim, foi criada a obra “Sem Abelha, Sem Alimento: Caderno de Atividades para Educação Ambiental “, de autoria de Rosane Malusá Gonçalves Peruchi e Lionel Segui Gonçalves. (fig. 17)
O Caderno Didático foi programado como um roteiro para auxiliar professores e educadores no ensino e no manuseio do Caderno, permitindo o aprendizado, pelos alunos, dos aspectos da vida das abelhas, suas características, principais atividades e sua relação com os seres humanos, focalizando um tema que é a polinização prestada por elas à natureza.
O texto contém 5 módulos que tratam sobre a vida das abelhas e seu ambiente. Na verdade, a obra pode ser de grande utilidade não apenas para crianças de 8 a 11 anos, podendo atingir crianças um pouco mais longevas, até quem sabe seus 90 anos.
O Caderno de Atividades está disponibilizado no site www.semabelhasemalimento.com.br, que no momento se encontra em revisão. O Projeto já foi aplicado com sucesso em mais de quatro mil crianças do ensino fundamental, por dois anos seguidos, em todas as Escolas Municipais do Município de Ribeirão Preto. O Caderno já foi traduzido para o espanhol e inglês, com o objetivo de atingir alunos de outros países no conhecimento sobre as abelhas.
A mais recente ação da ONG foi a criação do Programa de Adesão “Empresa Amiga das Abelhas”, cujos benefícios podem ser conhecidos mediante contato com a ONG através do e-mail mencionado no início deste artigo.(contato@beeornottobe.com.br).
Dando continuidade sobre um dos principais objetivos da ONG Bee Or Not To Be, que é a defesa e proteção das abelhas algumas considerações se fazem necessárias sobre um comentário a respeito de morte das abelhas por pesticidas, feito pelo Dr. Jeff Pettis, conceituado pesquisador americano especialista em saúde das abelhas e atual Presidente da APIMONDIA. Essa preocupação, em consonância com o Dr. Gilles Ratia, anterior Presidente da APIMONDIA, é um reflexo da repercussão dos frequentes resultados alarmantes apresentados pela mídia sobre o uso indiscriminado dos pesticidas usados na agricultura, em especial dos sistêmicos Neonicotinoides, altamente tóxicos às abelhas.
Duas outras conceituadas pesquisadoras americanas especialistas em abelhas, Dra. Diana Cox-Foster, da Univ. da Pennsylvania e Dra. Marla Spivak, da Univ. de Minnesota, nossas colaboradoras e que já estiveram em nossos laboratórios de Ribeirão Preto, apresentaram também suas preocupações sobre a morte de abelhas devido aos pesticidas. No entanto, lamentavelmente, no Brasil as estatísticas de mortes de abelhas são bem mais alarmantes pois, o uso dos pesticidas na lavoura usados para o combate às pragas, parece não ter controle algum.
Desde 2015 o número de pesticidas liberados pelo Ministério da Agricultura vem aumentando a cada ano. Somente em 2019 foram aprovados 474 novos produtos (Dados obtidos do MAPA em 29/12/2019). Em 2020, apenas durante a pandemia, foram liberados mais 118 novos produtos altamente tóxicos para as abelhas. Esses dados, por si só, já mostram a seriedade do problema, uma vez que o ideal seria a proibição do uso dos pesticidas tóxicos às abelhas, insetos que não são pragas.
Em lugar deles deveria ser incentivado o combate a pragas mediante o uso do controle biológico, o que não ocorre. Já existem projetos de desenvolvimento de vespas, em laboratório, para o combate de lagartas que são pragas da lavoura. Há também o desenvolvimento de algumas linhagens de fungos para o combate de lagartas. No entanto, infelizmente, o uso dos pesticidas na agricultura ainda supera muito o controle biológico, dai a grande frequência de morte de abelhas em nosso país.
Em 17/9/2019 uma reportagem de Aline Torres (O agrotóxico que matou 50 milhões de abelhas em Santa Catarina em um só mês) para a BBC News Brasil, relata a mortandade das abelhas, tendo como principal causa o Fipronil em lavouras de soja, pondo os agricultores e o mercado do mel catarinense em risco. No mesmo período, o bem sucedido apicultor gaúcho, Sr. Aldo Machado dos Santos, de São Gabriel-RS, relatou perdas de milhões de abelhas mortas em 2019 e 2020.
Em 31/5/2020, dados da BBC News, no Estado do Pará, registram centenas de mortes de abelhas sem ferrão no Município de Belterra, segundo informou o meliponicultor João Batista Ferreiro, que há anos mantinha mais de mil colônias e hoje possui apenas cem colônias de abelhas sem ferrão. Outro meliponicultor do Pará, seu irmão, o Pastor José Batista Ferreiro, informou que há vários anos tinha uma alta produção anual de mel de abelhas jatai e jandaira e que em 2019 havia produzido apenas 100 kg. Ambos meliponicultores afirmam que, em virtude do excessivo uso de agrotóxicos na região, a meliponicultura de Belterra no Pará, hoje não tem mais futuro.
Lembro que Belterra foi criada em 1934 por Henry Ford (Projeto Fordlandia) com o objetivo de desmatar e substituir a floresta nativa da região por seringueiras, para implantar a indústria de pneus para carros. O projeto de Ford não deu certo e deu lugar mais tarde a expansão da soja, que necessitava de muito agrotóxico para viabilizar os plantios. Como consequência, o desmatamento da região, a expansão da soja e o alto uso de agrotóxicos passou logo a causar a morte das abelhas sem ferrão e outras espécies de abelhas.
A partir daí a meliponicultura foi decrescendo, conforme comentaram os irmãos Ferreiro. Infelizmente as reportagens sobre a morte de abelhas no Brasil e estatísticas sobre o uso indiscriminado dos pesticidas se somam a cada dia, conforme constatamos há poucos dias (13/8/2021) com uma reportagem publicada em “notícias.ufsc.br”, em Santa Catarina (UFSC na mídia: Uso de agrotóxicos prejudica apicultura em Santa Catarina), não sendo necessários mais casos para se mostrar o verdadeiro massacre das abelhas que vem ocorrendo no país, tanto nos apiários, meliponários como na natureza.
A mortandade de abelhas no Brasil, como já vimos, está muito relacionada a presença de agrotóxicos. A pesquisadora da USP, Dra. Larissa Lombardi, é autora de vários trabalhos sobre agrotóxicos, inclusive uma obra de 2017 onde registra o uso dos agrotóxicos em todo o país.
Ao compararmos o mapa de distribuição de agrotóxicos, no Brasil, indicado por Lombardi, com os registros de morte de abelhas do aplicativo Bee Alert por Castilhos, comprova-se facilmente essa relação. (fig. 18)
Portanto, face ao exposto, sou de opinião que nós pesquisadores e educadores, bem como apicultores e meliponicultores, temos a obrigação de refletir sobre essa situação e nos posicionar a respeito do problema junto a nossas autoridades, no sentido de solicitar o incentivo do controle biológico de pragas e, se possível, uma redução e um melhor controle dos pesticidas aplicados na lavoura.
Com essas atitudes, poderíamos amenizar e até mesmo evitar que essa situação, que já é caótica, não se agrave ainda mais. Assim, se ocorrer o desaparecimento das abelhas, como ocorre hoje na região de Sichuan, na China, também teremos que realizar a polinização das plantas com as mãos.
Concluindo, reforço a opinião de que há, portanto, a necessidade urgente de providências em prol da proteção e defesa das abelhas em geral e do meio ambiente.