Abelhas das orquídeas nos jardins de meliponíneos de Paulo Nogueira-Neto

Sergio Dias Hilário¹; Marilda Cortopassi-Laurino¹; Márcia de Fátima Ribeiro2; Paulo Nogueira-Neto¹

¹Laboratório de Abelhas da USP-SP; rua do Matão, travessa 14, nº 321 CEP 05508-900 São Paulo, SP
2EMBRAPA-SEMI ÁRIDO, BR 428 km 152, Zona Rural, CEP 56302-970 Petrolina, PE
sedilar@alumni.usp.br.

abelha das orquídeas Euglossa annectans coletando em flores da bromélia Aechmea lindenii. - foto de Marilda Cortopassi-Laurino.
abelha das orquídeas Euglossa annectans
coletando em flores da bromélia Aechmea
lindenii. – foto de Marilda Cortopassi-Laurino.

Dentre as abelhas mais belas, se destacam as abelhas de orquídea (Euglossini), assim conhecidas por serem visitantes e polinizadoras das orquídeas. Euglossini compreende cinco gêneros de abelhas corbiculadas: Aglae, Exaerete, Eulaema, Eufriesea e Euglossa (Roubik & Hanson, 2004). A corbícula é uma concavidade no terceiro par de pernas posteriores das fêmeas na qual o principal material coletado é o pólen. O status de ser corbiculado é compartilhado somente com Apini, Bombini e Meliponini, todas abelhas sociais. O néctar é coletado com o auxílio da longa probóscide (língua) (Darrault et al., 2006). Os machos das abelhas de orquídeas possuem uma estrutura que permite a coleta de fragrâncias no terceiro par de pernas posteriores (Darrault et al., 2006). Acredita-se que estas fragrâncias sejam precursoras de outras fragrâncias que são oferecidas às fêmeas durante a corte (Dressler, 1982). Embora haja intensa relação com as orquídeas, os membros da tribo Euglossini visitam e polinizam flores de outras famílias botânicas (Darrault et al., 2006). Um interesse especial no estudo das abelhas de orquídea diz respeito à evolução da socialidade, já que embora Euglossini tenha predominância de espécies solitárias, outros níveis de socialidade são encontrados (Michener, 2007).

O gênero Euglossa é o mais numeroso em espécies dentro de Euglossini, sendo distribuídas por toda a América do Sul e Central (Michener, 2007), uma espécie chegando à Flórida (Estados Unidos). Há espécies azuis, verdes, amarelas, vermelhas, púrpura, roxas, sempre com coloração metálica e brilhante (Roubik & Hanson, 2004; Darrault et al., 2006). Euglossa annectans distribui-se no Paraguai, Argentina (Misiones) e no Brasil (Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espirito Santo) e é uma das espécies mais estudadas do gênero (Moure et al., 2012). Euglossa annectans pode apresentar um ninho multifêmeas (comunal), isto é, seu ninho pode ter várias fêmeas irmãs ou não aparentadas da mesma geração. Não há rainha, pois todas as fêmeas ovipositam e há reuso das células pelas gerações seguintes (Garófalo, 1998; Augusto & Garófalo, 2004).

abelha das orquídeas Euglossa annectans coletando néctar em flores da bromélia Neoregelia laevis. - foto de Marilda Cortopassi- Laurino
abelha das orquídeas Euglossa annectans
coletando néctar em flores da bromélia
Neoregelia laevis. – foto de Marilda Cortopassi-
Laurino

Nós obtemos dados sobre a longevidade e o tamanho de um ninho natural comunal de Euglossa annectans e a sua termorregulação. Além disso, analisamos a morfometria, a massa corpórea, a longevidade e a termorregulação individual de machos e de fêmeas de E. annectans mantidos em cativeiro e verificaremos possíveis relações entre estes elementos e o comportamento.

Nossas observações iniciais de um ninho gregário foram realizadas nos jardins da casa de Paulo Nogueira-Neto em bairro arborizado na cidade de São Paulo. O ninho estava alojado em uma caixa de madeira previamente ocupada por um ninho de abelhas sem ferrão.

No verão de 2003, o ninho com pelo menos 27 abelhas se distribuía em duas gavetas com 108 células na parte inferior, junto da entrada, e 31 na parte superior. Destas células, 10 continham alimento larval. As células estavam primariamente apoiadas num pequeno bloco de madeira estando algumas células na posição horizontal. Havia muitos ácaros no ninho. Em março de 2003, a parte inferior foi removida e restaram 35 células sendo 4 com alimento larval. Um mês depois, sem construção, somente três abelhas foram encontradas dentro do ninho e uma fina camada de resina vedava a entrada da porta. Nesta época fria, as células estavam mais resinosas. Quatro anos depois, no inverno de 2007, o ninho continha cerca de 120 células sendo 6 com alimento larval e pelo menos 17 abelhas. A quantidade do número de abelhas dentro do ninho sempre maior que o número de células em construção sugere que algumas abelhas podiam ser machos, ou que varias abelhas eram recém-nascidas e não realizavam atividades ou que havia colaboração de várias abelhas para esta atividade de construção de células como ocorre em E. towsendi (Augusto & Garófalo 2004). No verão de 2007, o ninho com 259 células, foi atacado por formigas Camponotus sp. e em março de 2008 ele continuava sem abelhas adultas, mas mostrava sinais de eclosão em quase todas as células. Portanto o ninho foi ativo em todas as estações e existiu por pelo menos cinco anos, através do reuso de células. Ninhos comparáveis em tamanho foram o de E. imperialis, com 275 células e 8 indivíduos trabalhando (Roberts & Dodson, 1967) e E. nigropilosa com 22 indivíduos trabalhando (Otero et al., 2008). Com relação à longevidade do ninho, foi observado um ninho de E. ignita com pelo menos 10 meses de idade (Roberts & Dodson, 1967).

Durante as observações iniciais no local original, vespas Melittobia sp. emergiram sincronicamente do ninho e muitos ácaros foram observados. No laboratório, houve uma diminuição no número de ácaros e eles eram frequentemente encontrados juntos aos machos durante o processo de pesagens. A dispersão dos ácaros ocorre via machos e, durante o acasalamento, prosseguem com as fêmeas até chegarem aos novos ninhos (Roubik & Hanson, 2004). Outro provável parasita encontrado foi o diptero Cyphomyia sp. (Stratiomyidae), cuja coloração é similar à da Euglossa.

Garófalo e colaboradores (1998) que também estudaram Euglossa annectans encontraram o díptero Anthrax oedipus, abelha Coelioxys sp. e vespa Melittobia. Similarmente, foram encontrados em ninhos de outras espécies de Euglossa: vespas (Dodson, 1966), abelhas (Cocom-Pech et al., 2008; Ramírez-Arriaga et al., 1996) e dípteros (Cocom-Pech et al., 2008).

A termorregulação do ninho ou colonial é o controle de temperaturas na área de cria. Assim, a temperatura do ninho é maior do que a temperatura ambiente, acelerando e permitindo um desenvolvimento adequado da cria (Heinrich, 1996). A fim de obter dados sobre a temperatura interna do ninho foi colocado um registrador de temperaturas dentro da parte superior da caixa no dia 24/01/2003 e retirado em 20/02/2003. Dados de temperatura ambiente foram obtidos de uma estação meteorológica instalada no Instituto de Biociências, aproximadamente a 2,9 Km do local do ninho. A temperatura média no ninho foi muito próxima à temperatura ambiente, isto é, não houve termorregulação do ninho. Isto é o esperado e contrasta com as sociais Apini, Bombini e alguns Meliponini onde há termorregulação colonial. (Heinrich, 1996).

A parte inferior do ninho foi removida, como dito anteriormente, e levada ao laboratório. O ninho foi mantido dentro de um filó e eram anotados o sexo das abelhas que nasciam, seus dados morfométricos e a massa individual. Este ninho tinha 108 células, das quais 30 estavam abertas, isto é, o indivíduo já tinha nascido anteriormente à remoção; 16 células estavam com conteúdo, mas somente uma tinha uma abelha formada que não emergiu. Portanto, acompanhamos o nascimento de 62 abelhas, sendo 20 fêmeas e 42 machos. Inicialmente liberamos a saída das abelhas para o exterior, mas desde que não houve retorno das primeiras fêmeas, passamos a mantê-las em cativeiro. Machos e fêmeas foram colocados no interior de caixas de plástico e de madeira, geralmente um indivíduo ou um macho e uma fêmea por caixa. Oferecemos alimento (pólen e xarope de água e mel) trocado diariamente, por toda a vida das abelhas e assim obtivemos dados de longevidade.

A razão sexual de Euglossa annectans foi de 1:2 (fêmeas:machos), dentro do esperado para Euglossini que varia de 1:4 a 5:1 (Roubik & Hanson, 2004).

Para obter os dados morfométricos, os indivíduos foram colocados previamente no freezer para diminuir sua mobilidade e, em seguida, colocados em um pequeno aparato para medição, sob microscópio estereoscópico com ocular graduada. As medidas obtidas foram: largura da cabeça, distância interorbital, distância intertegular, comprimento do tórax anterior e comprimento do tórax posterior. A largura dos olhos foi calculada subtraindo-se a distância interorbital da largura da cabeça. Os machos (n=41) e fêmeas (n=20) apresentaram médias semelhantes para todas as variáveis analisadas, exceto que machos apresentaram uma distância interorbital significativamente maior do que as fêmeas. Pode haver um significado biológico para isso, uma vez que os machos usam a visão para localizar as fêmeas para o acasalamento e olhos separados poderiam fornecer um maior campo visual, favorecendo sua acuidade visual. Em E. hyacinthina fêmeas foram consideradas maiores do que os machos baseados na sua maior distância intertegular (Capaldi et al., 2007); medidas da largura da cabeça e comprimento da asa foram semelhantes.

Dados da massa corpórea dos indivíduos foram obtidos com balança de em diferentes situações: logo após o nascimento e por algumas vezes ao longo de suas vidas. Ao nascerem machos e fêmeas apresentaram massas corpóreas similares. Contudo, em cativeiro, a massa corpórea dos machos diminuiu com o aumento da idade, enquanto a massa corpórea das fêmeas foi quase constante. A longevidade dos machos (17,9±12,1 dias, n=32) diferiu significativamente e foi bem menor do que a das fêmeas (54,3±43,8 dias, n=15). No estudo de Garófalo e colaboradores (1998) em E. annectans, a longevidade de fêmeas mantidas em liberdade foi de 79,0±36,3 dias (n=4), acima da longevidade em cativeiro. Dodson (1966) também estudou abelhas criadas em cativeiro com extensa área de voo e observou fêmeas de E. ignita vivendo de 30 a 60 dias e machos de 13 a 14 dias de idade; quando orquídeas foram oferecidas aos machos, eles viveram até 31 dias.

Para voar, todas as abelhas elevam a temperatura do tórax acima da temperatura do abdômen. Isto é denominado termorregulação individual. Para verificar isto em E. annectans, um indivíduo por vez foi colocado no interior de um tubo vedado em ambos os lados. Neste tubo havia um orifício pelo qual a extremidade de um registrador de temperaturas entrava em contato com o tórax deste indivíduo. Antes e depois de um voo de duração de cinco minutos, foram mensuradas a temperatura e a massa das abelhas. Nós obtivemos a temperatura ambiental por meio de um registrador de temperaturas. Embora o método de medição de temperatura do tórax não tenha alcançado a eficiência de um termômetro infravermelho, sempre houve acréscimos na temperatura corpórea e gasto de massa dos indivíduos. E estes valores foram semelhantes em machos e fêmeas (16 comparações).

Alguns aspectos estudados por nós ocorreram em ambiente natural (longevidade, tamanho, termorregulação do ninho e interações com parasitas), mas outros foram observados em laboratório (razão sexual, morfometria, massa corpórea, longevidade e termorregulação individual de machos e de fêmeas). No laboratório, o cativeiro não altera a razão sexual, nem a morfometria de indivíduos gerados na natureza. Por outro lado, o cativeiro modifica a massa corpórea, a longevidade e a termorregulação individual, já que neste ambiente não há predadores, nem busca ativa de alimento, fragrâncias ou materiais de construção. Os machos deixam o ninho e abrigam-se nas folhas, as fêmeas voltam ao ninho. Portanto, a manutenção em cativeiro é muito artificial e uma motivação (p.ex. as orquídeas usadas por Dodson, 1966 ou possibilidade de oviposição) poderia fazer com que os machos e as fêmeas vivessem mais.

E aqui houve um claro antagonismo entre a boa adaptação para viver em ambientes urbanos e o estresse de manutenção em cativeiro.

Agradecimentos

S.D. Hilário agradece pelo apoio financeiro provido pelo CNPq (#140169/2000; Zoologia IBUSP).

O Dr. Paulo Nogueira-Neto deixou um legado muito importante para as pessoas que o conheceram. Extremamente preparado, com formação em Direito e Ciências Naturais, ambas na USP, foi secretário do Meio-Ambiente no Governo Federal por 12 anos e é considerado o primeiro ministro do Meio-Ambiente. Graças ao seu preparo fez parte da Comissão Brundtland, onde foi cunhado o termo sustentabilidade, participou de reuniões sobre as Mudanças Climáticas, quando o assunto só engatinhava. Criou diversas reservas naturais no país, sempre se prevalecendo do seu conhecimento, da sua moral. Sério, crítico, bem humorado, simples, mostrou que o árduo trabalho traz frutos e reconhecimento. Se o seu legado ambiental encontra-se em perigo na atual conjuntura política, por certo o seu legado humano e moral prevalecerá entre as pessoas que tiveram a honra de conhecê-lo.

Referências Bibliográficas

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Capaldi, E.A.; Flynn, C.J., & Wcislo, W.T. 2007. Sex ratio and nest observations of Euglossa hyacinthina (Hymenoptera: Apidae: Euglossini). Journal of the Kansas Entomological Society, 80(4):395-399.

Cocom-Pech, M.E.; May-Itzá, W. de J.; Medina-Medina, L.A. & Quezada-Euán, J.J.G. 2008.

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Darrault, R.O.; Medeiros, P.C.R.; Locatelli, E.; Lopes, A.V.; Machado, I.C. & Schlindwein, C. 2006. Abelhas Euglossini. In Pôrto, K.C.; Almeida-Cortez, J.S. & Tabarelli, M. (eds.) Diversidade biológica e conservação da Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, pp. 239-253.

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Dressler, R.L. 1982. Biology of the orchid bees (Euglossini). Annual Review of Ecology and Systematics, 13:373-394.

Garófalo, C.A.; Camillo, E.; Augusto, S.C.; Jesus, B.M.V. & Serrano, J.C. 1998. Nest structure and communal nesting in Euglossa (Glossura) annectans Dressler (Hymenoptera, Apidae, Euglossini). Revista Brasileira de Zoologia, 15(3):589-596.

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Roberts, R.B. & Dodson, C.H. 1967. Nesting biology of two communal bees, Euglossa imperialis and Euglossa ignita (Hymenoptera: Apidae) including description of larvae. Annals of the Entomological Society of America, 60:1007-1014.

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