Polinizadores, Polinização e Produção de Alimentos no Brasil

Vera Lucia Imperatriz Fonseca (vlifonse@ib.usp.br) – Denise de Araujo Alves – Ana Lúcia Assad, Betina Blochtein – Bruno Freitas e Braulio S. F. Dias.

Os polinizadores têm um papel importante na conservação da diversidade biológica, nos ecossistemas, na produção de alimentos e na economia global. A grande maioria das plantas com flores (87,5%) depende ou se beneficia da polinização cruzada1. Os visitantes florais podem ser polinizadores importantes, destacando-se entre eles as abelhas, as moscas, os besouros, mariposas, borboletas, trips, etc.; e algumas espécies de vertebrados como as aves, pequenos mamíferos e répteis (no Brasil foram registradas 370 espécies de vertebrados polinizadores efetivos ou potenciais)2.

As abelhas são os principais polinizadores de plantas silvestres e cultivadas. No Brasil foram descritas até o momento 1866 espécies de abelhas3.

As abelhas estão ameaçadas de desaparecimento, por ações humanas, em várias partes do mundo. A avaliação global da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES 20164), estudou os Polinizadores, Polinização e a Produção de Alimento com uma equipe de especialistas das 5 regiões das Nações Unidas que reviu a extensa literatura disponível, disponibilizou a análise feita por especialistas a todos interessados e ofereceu exemplos das possibilidades de soluções que podem ser aplicadas ao uso e conservação de polinizadores locais.

O resultado desta avaliação foi amplamente divulgado pela mídia internacional, em vários idiomas e em veículos variados, de modo que há uma conscientização popular da ameaça que paira sobre os polinizadores, entre eles as abelhas manejadas pelo homem.

Os benefícios trazidos pelos polinizadores no mundo transcendem os benefícios monetários, estes com a estimativa de um valor global de até meio trilhão de dólares por ano. O valor cultural dos polinizadores tem sido celebrado há milênios em várias civilizações, são os valores bioculturais. Neste caso, as abelhas e outros polinizadores fazem parte da cosmologia dos povos que os cultuam5. No Brasil, um exemplo é o uso das abelhas pelos índios Kayapós6.

A avaliação sobre os polinizadores também foi submetida à aprovação na Convenção da Diversidade Biológica, aprovada em 2016. Nesta reunião global, a avaliação foi aprovada por 194 países que assumiram o compromisso de tratar de seus polinizadores. Uma vez reconhecido o importante papel dos polinizadores para a manutenção dos serviços de ecossistemas na natureza e incremento na produção de alimentos, uma nova agenda norteadora polinizadores foi proposta pela CBD. É um excelente documento norteador de ações, e esta nova agenda global foi aprovada e serve para a inclusão deste tema transversal a vários setores da sociedade; é muito detalhada e aplicável também às nossas condições7.

Uma das consequências da divulgação dos benefícios dos polinizadores para a economia, produção de alimento, conservação ambiental e bem-estar das populações humanas foi a união espontânea de 13 países que participam da Convenção da Diversidade Biológica, em 2016, para a formação de uma Coalizão de Países em prol dos Polinizadores. Esses países que formam a coalizão (www.promotepollinators.org ) têm como objetivo comum a implementação de políticas públicas de relevância local, que tenham o apoio das populações de seus países, com finalidade de recuperação de ambientes e que permitam o uso e a conservação dos polinizadores.

Até maio de 2019, 30 países aderiram à Coalizão, e por princípio demonstraram a intenção de inserir o tema Polinizadores e Segurança Alimentar nas políticas públicas, na legislação, na ciência, na vida das pequenas propriedades rurais, nas boas práticas do agronegócio.

Na América Latina são signatários da Coalizão o Peru, Uruguai, Colômbia, México e República Dominicana.

O Brasil, apesar de ter sido o líder do programa internacional dos polinizadores em 1998, e um dos coordenadores do programa Global da IPBES em 2016, não assinou ainda a Coalizão. Apresentaremos abaixo alguns dados que mostram a importância para o Brasil da polinização e dos polinizadores, considerando que somos um país megadiverso, líder nos agronegócios, e com possibilidades de geração de renda em vários segmentos se implementadas políticas de incentivo ao uso e conservação dos polinizadores, como ocorre em outros países.

Em ambientes naturais, a abundância de abelhas polinizadoras é regulada principalmente pela diversidade local e temporal de flores. Em ambientes agrícolas, a oferta e ausência de flores é extrema e polinizadores nativos (abelhas) normalmente não têm sido suficientes para maximizar a produção.

Há a necessidade de políticas que favoreçam a conservação dos polinizadores nativos no entorno das áreas agrícolas, bem como o uso de polinizadores manejados complementares.

A importância das abelhas como polinizadores agrícolas no Brasil: um tema transversal que une a conservação à agricultura.

Uma avaliação do status dos polinizadores e polinização no Brasil foi apresentada em 2019 no Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimento (BPBES) (https://www.bpbes.net.br).

Os serviços de polinização no Brasil possuem um valor de US$13 bilhões anuais, considerando as espécies de plantas cultivadas nos relatórios do IBGE avaliadas até o momento8.

Quadro-PolinizadoresA polinização por abelhas (diversas espécies) contribui para a produção e a qualidade dos produtos agrícolas de várias formas, dependendo da espécie cultivada:

1. Torna possível a produção de frutos e sementes: algumas espécies vegetais importantes cultivadas no Brasil são extremamente dependentes de polinização realizada por abelhas. Sem a polinização que elas propiciam, não há produção ou esta é tão baixa que torna o cultivo inviável. Alguns exemplos são o melão, melancia e maçã (perdas de até 80% sem a presença de abelhas), castanha do brasil, acerola e maracujá (perdas de 100%). Somente no caso do maracujá é possível fazer polinização manual, mas com aumento de custos de produção em torno de 16%.

2. Torna viável economicamente o cultivo: certas culturas agrícolas conseguem produzir cerca de 40 a 50% do seu potencial produtivo sem a presença de abelhas. No entanto, essa baixa produtividade normalmente torna o cultivo inviável economicamente por não cobrir os custos de produção. As abelhas conseguem aumentar a produtividade dessas plantas viabilizando a sua exploração econômica. Ex: tomate, caju

3. Traz aumento de produtividade: algumas culturas conseguem produzir economicamente sem a necessidade da polinização realizada pelas abelhas. No entanto, nessas espécies vegetais a polinização propiciada pelas abelhas aumenta ainda mais o percentual de frutos e/ou sementes vingadas, dando aumentos de produtividade que representam lucros maiores, como são os casos do café (30%) canola (20%), coco (17%), soja (18%), laranja (até 30%), algodão (25%) e feijões (15%).

4. Melhoria da qualidade dos frutos: espécies vegetais cujos frutos possuem várias sementes, quando não são polinizadas adequadamente, normalmente produzem frutos mal formados. Portanto, as abelhas aumentam a qualidade dos mesmos e seu valor de mercado como ocorre nos frutos de morango, vagens, pepino, melão, pera, maçã, etc.,

5. Aumento no percentual de substâncias extraídas dos frutos: espécies vegetais cultivadas para extração de certas substâncias de seus frutos, como óleo nas oleaginosas (girassol, mamona, canola, soja) ou o suco nos Citrus, aumentam o teor dessas substâncias quando seus frutos são oriundos da polinização cruzada realizada pelas abelhas, o que também aumenta o rendimento do cultivo e valor comercial dos seus produtos.

6. Uniformização do cultivo: para espécies de ciclo indeterminado, cujo fator limitante ao crescimento é a capacidade de vingar frutos, a polinização das flores emitidas no início e/ou meio do florescimento faz com que a planta passe a investir no desenvolvimento dos frutos ao invés do crescimento. Assim, há o encurtamento do ciclo (melão, melancia) e uniformização do tamanho das plantas de crescimento vertical (gergelim, soja, canola), facilitando e reduzindo os custos do cultivo, reduzindo as perdas e aumentando a rentabilidade.

A situação atual dos Polinizadores no Brasil

Os polinizadores desempenham um papel fundamental na regulação dos serviços ecossistêmicos para conservação da biodiversidade e no aumento da produção de alimentos. Em um contexto mais amplo podemos ressaltar o vínculo entre as atividades agrícolas e produção florestal, com a diversidade biológica, com a saúde e com a segurança alimentar, com a inocuidade e a nutrição dos alimentos;

O numero de cultivos agrícolas dependentes de polinizadores aumentou 3 vezes nos últimos 50 anos e nossa agricultura ficou mais dependente dos polinizadores e da polinização animal; aqui estão frutas e legumes essenciais para a segurança alimentar;

Tanto a abundância, a diversidade e a saúde dos polinizadores estão ameaçadas, e consequentemente o serviço da polinização. A redução do hábitat natural dos polinizadores silvestres, da paisagem natural, do modo de uso da terra, a poluição ambiental, os defensivos agrícolas impactam a oferta de recursos alimentares e de nidificação de polinizadores;

A criação em massa e o transporte em larga escala das abelhas manejadas contribuem para maior transmissão de patógenos e parasitas, aumentando as doenças em toda comunidade de polinizadores, tanto os silvestres como os manejados. Destaca-se a necessidade contínua de monitoramentos e estudos para melhor entender as doenças e patógenos e melhor combatê-los, e de regras claras para o transporte de polinizadores no país.