A meliponicultura é um campo fértil para empreendedores brasileiros

Cristiano Menezes – Embrapa Meio Ambiente – cristiano.menezes@embrapa.br

O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo e nos esforçamos muito para não a perder. Agricultores deixam de plantar em determinadas partes das suas propriedades. Empresas investem seu capital em tecnologias para reduzir o impacto de suas atividades. O estado brasileiro investe bilhões anualmente na conservação do meio ambiente. Consumidores pagam mais caro por produtos que são amigos da natureza. É um esforço muito grande para um país em desenvolvimento, com tantas mazelas para resolver. Mas por que fazemos isso?

O primeiro grande benefício é o que chamamos de serviços ambientais ou serviços ecossistêmicos. São os serviços que a natureza oferece ao homem gratuitamente e na maioria das vezes discretamente. Por isso, muitas vezes só o percebemos quando o perdemos. O fornecimento de água potável, a ciclagem de nutrientes no solo, a regularidade no regime de chuvas, a absorção do carbono livre na atmosfera, a prevenção da erosão do solo, a polinização da agricultura, o fornecimento de alimentos e matérias-primas, a purificação do ar, são todos exemplos de benefícios que os ecossistemas fornecem ao homem. Então, preservar a natureza já se justifica porque significa preservar diretamente os serviços que ela nos fornece e dos quais somos altamente dependentes.

Mas tem uma outra boa justificativa para preservar a nossa biodiversidade e que pode ser o grande trunfo para o Brasil se tornar um país de primeiro mundo. É ali que estão as oportunidades para geração de ativos biotecnológicos para o futuro. É ali que estão os remédios e os cosméticos do futuro, os produtos para controle de pragas do futuro, os alimentos funcionais e diferenciados que alimentarão o mundo no futuro. Por isso, o primeiro passo é a preservação da nossa biodiversidade, para em seguida poder estudá-la e finalmente gerar produtos e serviços que beneficiem a sociedade e gerem riquezas para o Brasil.

E o que a meliponicultura tem a ver com tudo isso? A meliponicultura é um exemplo perfeito para mostrar a importância da preservação da natureza e o tesouro que ela representa para o Brasil. Nós temos cerca da metade de toda a diversidade de abelhas sem ferrão conhecida no mundo (cerca de 240 espécies conhecidas), inclusive muitas ainda a serem descritas. Nós temos diversas espécies fantásticas do ponto de vista zootécnico, com grande potencial para serem criadas em larga escala. E muitas são exclusivas, ou seja, só nós as temos. Além disso, cada espécie de abelha possui peculiaridades e gera produtos únicos, de modo que cada uma pode ser aproveitada para finalidades específicas, com forte caráter regional. Enfim, o potencial é enorme e praticamente inexplorado, representando um campo muito promissor para empreendedores.

Isso não significa, contudo, que é um caminho fácil. O universo que envolve a meliponicultura ainda está em formação e o retorno ainda é incerto. A atividade ainda sofre com desafios técnico-científicos que precisam ser superados para atingir escala comercial. Também é preciso muita paciência e resiliência para superar os entraves burocráticos inerentes a uma atividade que até pouco tempo atrás era invisível para os órgãos reguladores. Mas como pode ser observado nos exemplos abaixo, já temos bons exemplos de pessoas bem-sucedidas em suas iniciativas.

Figura 1: Diversidade de méis de abelhas sem ferrão. Cada espécie produz um produto único, com sabor, cor e aromas peculiares.
Figura 1: Diversidade de méis de abelhas sem ferrão. Cada espécie produz um produto único, com sabor, cor e aromas peculiares.

Abaixo listo algumas das potencialidades econômicas da meliponicultura com o objetivo de estimular a pesquisa e o desenvolvimento de produtos e serviços nessas linhas.

Mel

O mel ainda é o principal produto oriundo das abelhas sem ferrão. O fato de ser mais aguado que o mel das abelhas africanizadas já seria suficiente para torná-los diferenciados, mas tem muito mais coisas interessantes envolvidas com a qualidade e excepcionalidade do mel das abelhas sem ferrão. Por exemplo, ao invés de estocar o mel em favos de cera pura, como ocorre nas abelhas africanizadas, ele é estocado em potes feitos de cerume, uma mistura de cera com resinas de plantas. Esse pote funciona como um barril de carvalho na produção de vinhos. Os aromas presentes no cerume são gradativamente transmitidos ao mel, adicionando sabores e propriedades únicas.

Os processos fermentativos que ocorrem naturalmente nos méis de abelhas sem ferrão também são excepcionalidades que adicionam aromas e propriedades peculiares. Esse é um dos campos na meliponicultura completamente desconhecido e com ótimas possibilidades de aplicação e geração de produtos inovadores.

Do ponto de vista do mercado, dificilmente produziremos mel de abelhas sem ferrão em volumes equivalentes ao da apicultura. O caminho é explorar os nichos de mercado mais especializados, valorizando as peculiaridades regionais e agregando valor a esses produtos, pois cada abelha produz um mel único e exclusivo (Figura 1). Esses nichos já estão bem estabelecidos e atualmente falta mel de abelhas sem ferrão no mercado para atender à demanda. Muitos meliponicultores reclamavam que a falta de legislação específica para venda de mel de abelhas sem ferrão era o principal empecilho para atividade. Contudo essa barreira já foi vencida em vários estados e começa a ser resolvida a nível nacional. O problema agora é justamente a falta de produção em escala comercial para colocar no mercado formal, o que representa uma oportunidade para quem está em busca de novas alternativas de renda.

Algumas iniciativas de sucesso já se destacam nesse campo a algum tempo. Um dos exemplos é a startup a Heborá, cujo foco é a qualificação de mão de obra feminina, usando como principal produto o mel das abelhas nativas (www.facebook.com/heboraabelhasdobrasil). Elas formam uma grande rede de colaboradoras para levar saúde, diversidade, inovação e conhecimento por meio das abelhas do Brasil. Seus produtos possuem alto valor agregado e atendem predominantemente o exigente público da metrópole de São Paulo. Outro caso de sucesso é o meliponicultor Paulo Menezes de Mossoró, que foi um dos primeiros a conseguir vencer as barreiras burocráticas e comercializar o mel da abelha jandaíra no mercado formal do Rio Grande do Norte (www.melmenezes.com.br).

Pólen, Própolis e Cera

Ao contrário do mel, o pólen, o própolis e a cera de abelhas sem ferrão ainda não possuem um mercado consumidor definido e há um caminho longo pela frente para serem explorados comercialmente. Esse campo carece ainda de pesquisa científica e de campanhas de divulgação para estimular o consumo desses produtos. Por outro lado, assim como o mel, são produtos com alto nível de especificidade, ou seja, cada espécie produz um produto único e peculiar, e com grande potencial produtivo em algumas espécies.

As abelhas do gênero Frieseomelitta por exemplo, são excelentes para produção de própolis. Além de produzirem em grande quantidade, seu própolis possui aromas incríveis e propriedades exclusivas quando comparado com própolis de abelhas africanizadas produzido no mesmo local. Um dos pioneiros no uso do própolis de abelhas sem ferrão foi o meliponicultor Wilson Melo, de Barra do Corda no interior do Maranhão. Ele produz uma pomada a partir do própolis da abelha Tubi, uma espécie de Scaptotrigona exclusiva da sua região. O senhor Wilson estimulou os médicos da sua região a testarem o seu produto para ajudar na cicatrização de ferimentos na pele e gradativamente criou um mercado consumidor muito interessante em função dos excelentes resultados obtidos por esses médicos. O Wilson Melo é um dos meliponicultores mais relevantes no Brasil graças às suas habilidades de comunicação e por ser um verdadeiro empreendedor. Ficou muito conhecido após ter dado uma excelente contribuição no programa do Globo Rural, que pode ser assistida no seguinte link: www.youtube.com/watch?v=38BfmepjqdQ.

O pólen também já começa a ser explorado com sucesso em alguns lugares. Um dos exemplos é a iniciativa da Cooperativa Tupyguá, do Espírito Santo, que produz e comercializa pólen de uruçu-amarela desidratado (www.tupygua.com.br). Em geral, o pólen das abelhas sem ferrão é bastante ácido, com aroma de vinagre. Por isso tem sido utilizado para temperar saladas ou misturado ao mel. O pólen parece ser muito interessante do ponto de vista nutricional, em função dos altos teores de proteínas e outros elementos benéficos à saúde do homem, como vitaminas, lipídios e sais minerais. Contudo, ainda sabemos muito pouco sobre a real constituição nutricional desse produto e seus benefícios para a alimentação humana. É uma das áreas interessantes para desbravar no mundo da pesquisa.

Educação Ambiental

Por não terem ferrão, essas abelhas são excelentes também para serem usadas em atividades de educação ambiental, especialmente com crianças. O mundo das abelhas está repleto de bons exemplos para trabalhar os conceitos que envolvem a conservação do meio ambiente e a relação do homem com o planeta. Casos de empreendedorismo nessa linha se destacam em todo o Brasil.

Um dos exemplos de maior destaque é o projeto Jardins de Mel da Prefeitura de Curitiba, coordenado pelo agroecólogo Felipe Thiago de Jesus (http://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/jardins-de-mel/2944). Colônias de abelhas sem ferrão têm sido distribuídas em parques, jardins e hortas comunitárias da cidade com o objetivo de disseminar a importância dessas abelhas.

Figura 2: Aulas de educação ambiental da startup KombiLab utilizando abelhas sem ferrão como material didático.
Figura 2: Aulas de educação ambiental da startup KombiLab utilizando abelhas sem ferrão como material didático.

Outro exemplo de sucesso é a iniciativa da startup KombiLab, uma empresa especializada em aulas práticas de ciências. A empresa possui uma Kombi retrô que leva as abelhas e todo o material didático até as escolas e oferece aulas de educação ambiental com o tema das abelhas sem ferrão (Figura 2). Entre todos os temas de ciência que a bióloga Isabela Cardoso Fontoura trabalha, a aula das abelhas é a mais demandada, o que a estimulou a criar um projeto específico para esse tema, o Projeto Kombee (www.facebook.com/projetokombee).

Serviços de Polinização

Uma das possibilidades com maior potencial econômico é a polinização da agricultura. Muitas culturas agrícolas produzem mais frutos e com melhor qualidade por causa da presença das abelhas sem ferrão e por isso demandam colônias dos meliponicultores. Entre elas destaca-se o morango, o café, o açaí, o tomate, a berinjela, a macadâmia, a lichia, o mirtilo, entre outras. E em muitos casos ainda não conhecemos o efeito concreto dessas abelhas no aumento de produtividade. Essa lista deverá aumentar muito com o avanço das pesquisas científicas nessa área. O potencial a ser explorado é enorme. Para se ter uma ideia desse mercado, para atender os 3500 hectares de morango plantados no Brasil, seriam necessárias cerca de 70.000 colônias de jataí.

O serviço de polinização consiste no aluguel de colmeias durante o período de floração ou venda de colônias no caso de culturas com longo tempo de florescimento. É uma realidade na agricultura do mundo todo e é uma estratégia que já começou a ser adotada por algumas culturas no Brasil, como maça e melão, utilizando as abelhas africanizadas para essa finalidade.

Algumas iniciativas utilizando abelhas sem ferrão já começaram a aparecer na prática. Uma delas é a startup AgroBee que está criando uma plataforma digital para conectar meliponicultores que possuem colônias disponíveis para a polinização com agricultores que demandam as abelhas sem ferrão em suas propriedades (www.agrobee.net). A empresa já está alugando colmeias em plantios de café e morango e em breve expandirá suas ações para outros cultivos que também dependem de abelhas.

Animal de Estimação

Outro mercado muito forte para a meliponicultura é a venda de colônias para pessoas que se interessam em criá-las como animal de estimação ou como atividade de lazer. Esse já é um mercado consolidado e muitos meliponicultores de todas as regiões se dedicam exclusivamente à multiplicação de colônias e à sua comercialização.

Um dos exemplos de sucesso nesse setor é o caso do meliponicultor Daniel Marostegan Doro, de Limeira-SP. Ele criou um e-commerce envolvendo a criação de abelhas sem ferrão e por meio do seu site “Loja das Abelhas” comercializa diversos produtos vinculados à atividade, como caixas, utensílios e ferramentas (www.lojadasabelhas.com.br). A maioria dos consumidores são pessoas querendo simplesmente ter uma colmeia em seu jardim; muitos sequer querem colher o mel delas.