Meliponicultura e genômica: como a abelha Jandaíra responderá à redução
do seu habitat e às mudanças climáticas?
Rodolfo Jaffé; Jamille C. Veiga; Nathaniel S. Pope; Éder C.M. Lanes; Carolina S. Carvalho; Ronnie Alves; Sónia C.S. Andrade, Maria C. Arias; Vanessa Bonatti; Airton T. Carvalho, Marina S. de Castro; Felipe A. L. Contrera; Tiago M. Francoy; Breno M. Freitas; Tereza C. Giannini; Michael Hrncir; Celso F. Martins; Guilherme Oliveira; Antonio M. Saraiva, Bruno A. Souza; Vera L. Imperatriz-Fonseca. – rodolfo.jaffe@itv.org
“As áreas hoje predominantemente agrícolas da Federação Brasileira, há algumas dezenas de anos atrás, ou há um século, eram muitas vezes cobertas por extensas matas, cerrados, caatingas e campos naturais. Viviam ali muitas espécies de Meliponíneos que a ação irrefletida e predadora dos seres humanos eliminou completamente ou reduziu consideravelmente. Eram, porém, abelhas adaptadas aos climas locais. Essas espécies devem merecer a preferência, para serem reintroduzidas e criadas nessas regiões.” (Paulo Nogueira-Neto em “Vida e Criação de Abelhas Indígenas Sem Ferrão”)
Os recentes processos de degradação ambiental e mudanças climáticas ameaçam espécies silvestres e manejadas. Polinizadoras por excelência, as abelhas são as mais relevantes prestadoras desse serviço ecológico. Suas populações se encontram em declínio no mundo todo, trazendo riscos à manutenção da diversidade de plantas, a estabilidade ecossistêmica e a produtividade agrícola em escala global.
A abelha Jandaíra (Melipona subnitida Ducke 1910) é uma abelha nativa sem ferrão incrivelmente adaptada a condições extremas de temperatura e longos períodos de seca da Caatinga – o que para elas significa ausência não apenas de água, mas de plantas em floração. A Jandaíra ocorre principalmente no semi-árido brasileiro, também alcançando a mata atlântica na região costeira do Nordeste, e os manguezais da região maranhense. A ampla distribuição da Jandaíra pelos diferentes fitos fisionomias do nordeste brasileiro nos informa sobre sua plasticidade ecológica, indicando também seu importante papel como polinizadora de plantas silvestres e cultivadas na região (Imperatriz-Fonseca et al., 2017). Sua relevância torna-se ainda maior diante das crescentes taxas de desmatamento no Nordeste, e da intensificação dos riscos de desertificação (Marengo et al., 2016).
Estudos recentes mostram que, no futuro, as populações da abelha Jandaíra encontrarão refúgios climáticos nas regiões mais elevadas da sua distribuição (Giannini et al., 2017; Imperatriz-Fonseca et al., 2017). Nessas áreas, as condições climáticas serão favoráveis tanto às abelhas, quanto aos seus recursos alimentares. Portanto, é importante entender como as populações da Jandaíra respondem às alterações ambientais no presente, a fim de traçar estratégias de conservação para o futuro. Esse foi justamente o objetivo principal do nosso trabalho recentemente publicado na revista de livre acesso “Evolutionary Applications” (Jaffé et al., 2019).
Como realizamos esse estudo?
Nesse estudo, avaliamos (i) a estrutura das populações da abelha Jandaíra, ii) como o desmatamento influencia a diversidade genética destas abelhas, iii) como a paisagem afeta a conectividade genética de suas populações, e iv) se existem adaptações locais às condições ambientais e como essas adaptações estão distribuídas ao longo da faixa de ocorrência da espécie. Para tanto, coletamos amostras de 160 ninhos (uma abelha por ninho), em meliponários distribuídos ao longo de toda a sua área de ocorrência geográfica (Figura 1).
No laboratório, extraímos o DNA de cada abelha e, a partir do seu material genético, obtivemos um conjunto de marcadores moleculares denominados SNPs, o qual subdividimos em dois: um conjunto de marcadores neutrais, e um conjunto potencialmente adaptativos. Com o primeiro conjunto, estudamos os processos demográficos contemporâneos, que informam sobre a diversidade genética e como a Jandaíra se dispersa e se estabelece nos diferentes ambientes que ocupa. Com o segundo, avaliamos processos adaptativos, os quais revelam regiões do genoma da abelha fortemente associadas à sua maior sobrevivência em determinados ambientes.
Com base na localização geográfica dos ninhos, obtivemos dados referentes à paisagem de cada local. Para entender os efeitos da paisagem sobre o fluxo gênico das populações de Jandaíra, as principais métricas de paisagem que utilizamos foram: estabilidade térmica, precipitação média anual, cobertura de floresta, elevação e regularidade da topografia do terreno.
O que encontramos como resultado?
Nossos resultados revelam quatro grupos genéticos ou unidades demográficas ao longo da distribuição geográfica da Jandaíra (Figura 2). Mostram ainda que, até uma distância de 300 km, as colônias são geneticamente semelhantes (Figura 3). Fora desse raio, a similaridade é reduzida, indicando transição entre uma população e outra.
Os resultados revelam também que o desmatamento não parece ter influenciado ainda os níveis de diversidade genética, porém sim reduzido o fluxo gênico. Significa que as alterações na paisagem ainda não impactam a variabilidade genética das populações de Jandaíra, mas foram suficientes para desconectá-las. Especificamente, o fluxo gênico foi facilitado pelo aumento da estabilidade térmica, maior cobertura florestal, menores elevações e terrenos de topografia menos irregulares.
Além disso, nossos resultados mostram que o genoma dessa espécie apresenta regiões fortemente associadas a condições locais de temperatura, precipitação e cobertura de floresta. As regiões adaptativas do genoma da Jandaíra apresentaram uma distribuição espacial seguindo um gradiente norte-sul (Figura 4-A) e um gradiente de altitude (Figura 4-B).
Qual a importância desses resultados?
A meliponicultura está intimamente ligada ao trânsito de colônias de abelhas sem ferrão pelos mais diferentes ambientes. Embora seja uma prática essencial para o fortalecimento da atividade, o deslocamento de colônias constitui um agravante à perda de hábitat e mudanças climáticas, uma vez que seu maior impacto é a homogeneização genética das populações manejadas (Jaffé, 2018), podendo levar à diluição ou perda de adaptações em nível genômico, como essas que encontramos na Jandaíra. Por exemplo, deslocar colônias de Jandaíra dos brejos de altitude para regiões ao nível do mar, significa remover esses genes do seu local de origem, e introduzi-los em condições adversas de temperatura, precipitação e estabilidade termal, podendo alterar a susceptibilidade das colônias a doenças e parasitas (Vollet-Neto et al., 2018). Contudo, acreditamos que é possível deslocar colônias respeitando os processos naturais de dispersão e ocupação da paisagem dessa espécie.
Nosso estudo levanta novas informações sobre a história natural da abelha Jandaíra e destaca o papel de regiões com grandes flutuações térmicas, áreas desmatadas e cadeias de montanhas como barreiras de dispersão para essa espécie. Considerando estes resultados, sugerimos três recomendações para a conservação da diversidade genética e contribuição para a sobrevivência futura da espécie:
1) Evitar o deslocamento de ninhos além de 300 kilómetros da sua localização original
2) Conservar separadamente as populações de sertão das populações de chapadas, a fim de conservar adaptações locais
3) Preservar ou restaurar as florestas do sopé dos brejos de altitude, a fim de manter a conectividade entre as populações do sertão e das chapadas.
A finalidade prática do trabalho foi contribuir a preservar a abelha Jandaíra para o futuro com todo seu potencial genético, e incentivar o levantamento dessas informações para outras espécies. Se pretendermos conservar as nossas abelhas nativas sem ferrão, devemos fazê-lo respeitando seus processos naturais, seja para manter suas populações, garantir serviços de polinização ou produzir mel.
Bibliografia consultada
Giannini, T.C., Maia-Silva, C., Acosta, A.L., Jaffé, R., Carvalho, A.T., Martins, C.F., et al. (2017) Protecting a managed bee pollinator against climate change: strategies for an area with extreme climatic conditions and socioeconomic vulnerability. Apidologie, 48, 784–794.
Imperatriz-Fonseca, V., Koedam, D. & Hrncir, M. (2017) A abelha jandaíra.
Jaffé, R. (2018) Influência do transporte de colmeias sobre a estrutura genética das populações de abelhas. Em: Vollet-Neto, A. & Menezes, C. (Eds) Desafios e recomendações para o manejo e o transporte de polinizadores. São Paulo, A.B.E.L.H.A. ISBN 978-85-69982-03-6. URL: http://eepurl.com/dHBhYz
Jaffé, R., Veiga, J.C., Pope, N.S., Lanes, É.C.M., Carvalho, C.S., Alves, R., et al. (2019) Landscape genomics to the rescue of a tropical bee threatened by habitat loss and climate change. Evolutionary Applications, 1–14.
Marengo, J.A., Torres, R.R. & Alves, L.M. (2017) Drought in Northeast Brazil—past, present, and future. Theoretical and Applied Climatology, 129, 1189–1200. Theoretical and Applied Climatology.
NOGUEIRA-NETOo, P. (1997). Vida e Criação de Abelhas Indígenas Sem Ferrão. São Paulo: Editora Nogueirapis.
Vollet-Neto, A., Blochtein, B., Viana, B.F., dos Santos, C.F., Menezes, C., Nunes-Silva, P., et al. (2018) Desafios e recomendações para o manejo e transporte de polinizadores. A.B.E.L.H.A., São Paulo.