Espaço ASA “Onde podemos voar juntos às abelhas”
Camila Maia-Silva1, Vera Lucia Imperatriz-Fonseca2, Michael Hrncir3 – (maia-silva@gmail.com)
1Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Ceará, Av. Mister Hull – s/n Campu do Pici, CE 60440-900, Brasil
2Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável, Rua Boaventura da Silva, 955, Belém, PA 66055‑090, Brasil
3Departamento de Biociências, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Avenida Francisco Mota, 572, Mossoró, RN 59625‑900, Brasil.
A construção do Espaço ASA:o Meliponário Imperatriz
O Espaço ASA (Abelhas Semiárido), instalado no campus oeste da UFERSA em Mossoró/RN, abriga um meliponário (local para a criação de abelhas sem ferrão), um hotel para abelhas solitárias (abelhas que não vivem em colônias) e um jardim com plantas importantes para as abelhas do bioma Caatinga. Esse espaço foi restaurado com plantas nativas visando incrementar as populações de insetos polinizadores para contribuir com a conservação da biodiversidade local. A área cedida pela UFERSA possui cerca de 0,7 hectare e estava completamente desocupada, apresentava apenas algumas espécies herbáceas em crescimento espontâneo, além de algumas plantas invasoras (Figura 1). Em homenagem a Profa. Dra. Vera Lucia Imperatriz-Fonseca o meliponário, inaugurado no dia 24 de março de 2018, recebeu o nome de Meliponário Imperatriz.
A obra contempla uma ampla área coberta com duas prateleiras, as quais possuem capacidade para 48 caixas de abelhas sem ferrão (Figura 1). Atualmente o meliponário abriga colônias de seis espécies de abelhas sociais, Melipona subnitida (jandaíra), Melipona asilvai (munduri, rajada), Scaptotrigona sp. (canudo), Plebeia aff. flavocincta (mirim, mosquito), Partamona seridoenses (cupira), Frieseomelitta doederleini (moça-branca), Frieseomelitta varia (abelha amarela). Todas as caixas do meliponário foram numeradas e possuem dimensões e espessuras padronizadas. A espessura é um fator fundamental para a sobrevivência das abelhas sociais nativas da Caatinga, pois confere isolamento térmico para amenizar os efeitos das variações de temperaturas ambientais sobre o desenvolvimento do ninho.
Dentro do meliponário foram construídas duas salas de apoio a projetos científicos, desenvolvidos pelo grupo de pesquisa (Grupo ASA – Abelhas Semiárido), sendo uma sala utilizada exclusivamente para microscopia e para as coleções biológicas. O acervo é composto por armários entomológicos para acondicionar a coleção de abelhas (cerca de 2200 espécimes de abelhas) e um laminário da palinoteca, contendo amostras de grãos de pólen das principais plantas da Caatinga (coleção de referência com 487 amostras de plantas coletadas no Rio Grande do Norte). A coleção de grãos de pólen foi recentemente incluída na base de dados on-line da RCPol. O jardim do Espaço ASA foi projetado utilizando dados obtidos a partir de estudos que investigaram a origem botânica dos recursos coletados pelas abelhas, utilizando para isso os grãos de pólen armazenados nas colônias.
Além das pesquisas desenvolvidas no Espaço ASA, também são oferecidas aulas de educação ambiental e cursos de extensão. Temas relacionados com polinização, organização social, cooperação, criação de abelhas, conservação e sustentabilidade são exemplos a serem trabalhados em aulas extraclasses com crianças, jovens e adultos. Principalmente em ambientes semiáridos como a Caatinga, os ambientes verdes e sombreados são capazes de demonstrar a importância da conservação ambiental.
A construção do Espaço ASA: o Jardim
Para atrair maior diversidade de abelhas é fundamental disponibilizar flores com cores, formas e tamanhos variados e também com floração em diferentes épocas do ano, principalmente na estação seca, período de escassez de recursos florais nesse bioma. O jardim foi projetado para conter exclusivamente plantas melitófilas, importantes para as abelhas tanto para a coleta de recursos florais como também utilizadas como local de nidificação.
Na primeira etapa de plantio de mudas foram priorizadas mudas com porte médio, com cerca de 2 m de altura, plantamos 131 mudas de plantas nativas arbóreo-arbustivas (mudas de 13 espécies). Essas mudas foram produzidas em viveiro através do plantio de sementes em sacos plástico e antes do transplante para o local definitivo, foi realizada a transferência para recipientes maiores que favoreceram o crescimento e desenvolvimento das mudas. As plantas com porte médio são mais resistentes às adversidades climáticas facilitando o manejo e incrementando a área com flores mais rapidamente e, portanto, disponibilizando recursos florais para os insetos polinizadores.
Na segunda etapa foram plantadas 141 mudas de 20 espécies de plantas. Além das espécies nativas, nessa etapa foi construído um setor com plantas frutíferas, composto por mudas de caju, goiaba, pitanga, acerola e romã. A última etapa de plantio priorizou espécies com flores tubulares, ipê-branco (Tabebuia roseoalba), ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus) e craibeira (Tabebuia aurea) todas com porte acima de 2,5 metros de altura. Nessa etapa também foram plantadas 5 cajaranas (Spondias sp.) e uma timbaúba (Enterolobium sp.), também com porte grande, totalizando 68 mudas.
Além do plantio de espécies fontes de pólen e néctar, para aumentar a disponibilidade de cavidades naturais utilizadas pelas abelhas para nidificação foram plantadas algumas espécies como, por exemplo, a imburana (Commiphora leptophloeos), a qual é utilizada pela abelha jandaíra e também por abelhas solitárias dos gêneros Centris (abelhas da acerola) e Xylocopa (mamangava) como principal substrato de nidificação.
No total foram plantadas 341 mudas de 38 espécies arbóreo-arbustiva e para facilitar o monitoramento das mudas, todas foram numeradas e georreferenciadas. Mensalmente são registrados parâmetros relacionados ao crescimento e desenvolvimento das mudas, sendo estes a circunferência do caule à altura do solo (CAS) e a presença ou ausência de flores e frutos. Em longo prazo, esse levantamento de dados será fundamental para avaliar o desenvolvimento das plantas após o processo de restauração. Espera-se que o aumento de espécies com flores na área influencie positivamente a riqueza e diversidade das populações de polinizadores.
Um arbusto que rapidamente se destacou florindo logo após o seu plantio foi o cambará (Lantana camara). O cambará atrai principalmente borboletas e mariposas, contudo registramos visitas de abelhas (Apis mellifera) e também beija-flores. Foram plantadas cerca de 70 mudas de cambará. Outra planta que apresentou um florescimento rápido foi a jurema-branca (Mimosa sp.), atraindo abelhas de todos os tamanhos, principalmente os meliponíneos, e disponibilizando grandes quantidades de pólen como recurso floral, no total foram plantadas 48 mudas de jurema. Outro destaque do jardim foram as flores do feijão-bravo uma espécie arbórea que cresceu espontaneamente na área (cerca de 50 indivíduos de feijão-bravo), trata-se de um grande atrativo para as abelhas, principalmente para as mamangavas (Xylocopa sp.).
Em pontos estratégicos do jardim localizam algumas manchas com espécies herbáceas e subarbustivas que possuem crescimento espontâneo. Essas plantas possuem um grande potencial em áreas de restauração, visto que elas possuem crescimento rápido e, consequentemente, têm o potencial de fornecer em curto prazo alimento para as abelhas. Essas espécies, conhecidas como plantas ruderais, disponibilizem grandes quantidades de recursos florais para as abelhas. Nesses pontos (manchas naturais de flores) a atratividade de cada espécie de planta está sendo avaliada através da estimativa do número de visitantes florais.
Para incrementar ainda mais a área e diversificar as cores e formas das flores, algumas espécies ornamentais também foram utilizadas no entorno do meliponário e para a construção de cercas-viva, para essa finalidade também priorizamos as espécies mais resistentes e tolerantes as condições do semiárido. No total foram plantadas 785 mudas de plantas ornamentais, dentre elas, mudas de casuarina, ixoria, alamanda-trepadeira, alamanda-amarela, mini-jasmin, grama-amendoim, e palmeira areca. Poucos meses após a finalização do jardim foi possível notar o incremento nas populações de polinizadores incluindo abelhas, vespas, moscas, borboletas e beija-flores.
Além das plantas, no jardim foi construído um hotel para abelhas solitárias. O hotel é uma estrutura simples que permite a nidificação natural de várias espécies de abelhas solitárias. Trata-se de orifícios produzidos em diferentes substratos como colmos de bambu, pedaços de madeira perfurada e troncos de madeira apodrecida, os quais servem como local de nidificação para as abelhas do jardim (Figura 2). Logo após a instalação do hotel no Espaço ASA foi possível observar a construção de muitos ninhos da abelha Centris analis (abelhas da acerola) e também de algumas espécies de vespas. Normalmente as abelhas solitárias escolhem nidificar próximo ao seu local de origem, sendo por isto chamado de reutilização do ninho parental, esse comportamento intensifica a formação de grandes agregações de ninhos.
Ao longo do jardim foram construídas passarelas de acesso ao bosque de plantas, ao hotel de abelha solitária e ao caramanchão em formato hexagonal. Ao longo desse percurso foram distribuídas placas ilustrativas e educativas, onde os visitantes e alunos podem visualizar a biodiversidade nativa e ter acesso a textos informativos sobre as plantas e seus polinizadores. Em pontos estratégicos desses caminhos foram instaladas algumas casinhas para abelhas solitárias, visando incrementar as populações dessas abelhas, e também demonstrar a beleza de seus ninhos para os visitantes (Figura 3).
Outras atrações do jardim são os dois caramanchões, ambos foram ornamentados com mudas de maracujá, cujas flores atraem as abelhas mamangavas, o principal polinizador dessa espécie (Xylocopa spp.). Para complementar a ornamentação desses espaços foram instalados bancos, mesas, placas ilustrativas e casinhas para abelhas solitárias (Figura 3).
Trata-se de uma excelente oportunidade para contemplar a fauna e a flora natural do bioma Caatinga, além de permitir o resgate da conveniência com o semiárido. Projetos como o Espaço ASA que visam à mitigação dos impactos ambientais, causados pela perda de hábitat nativo, a fim de desacelerar o declínio das abelhas são de suma importância para conservação desses polinizadores, essenciais para a manutenção dos ecossistemas naturais e agrícolas. Através do serviço de polinização é possível incrementar a produção de frutos e sementes e consequentemente restabelecer o processo natural de restauração ambiental de áreas degradadas. A longo prazo, áreas restauradas são capazes de promover a locomoção de polinizadores entre as áreas naturais, agrícolas e urbanas.
Homenagem ao Dr. Paulo Nogueira Neto
O Espaço ASA é fruto da paixão que o Dr. Paulo Nogueira Neto tinha pelas abelhas, em especial as abelhas nativas sem ferrão. O Dr. Paulo foi responsável por inúmeras inciativas em prol da conservação de abelhas. Ainda me lembro do dia em que visitei a fazenda dele em São Simão/SP pela primeira vez. Visitar lugares como essa fazenda muda completamente nossas vidas. E o amor pelas abelhas que eu compartilhei naquele dia, eu singelamente trouxe para o Espaço ASA. Um espaço que cresceu feito semente, plantada lá atrás em 2006 na cidade de São Simão. O nome do nosso meliponário homenageia a minha querida orientadora Dra. Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, orientada pelo Dr. Paulo. Ela, assim como ele, tem o dom de nos transmitir esse sentimento de dedicação e amor pela conservação das abelhas.
A eles minha eterna gratidão.
Agradecimentos
Os autores agradecem especialmente à Syngenta pelo apoio financeiro ao projeto; à UFERSA pelo apoio na execução do projeto e aos alunos do Grupo ASA, Antonio Gustavo Medeiros da Silva, João Batista P. Filho, Eva Sara Santiago, Eduardo Alves de Souza e Vinício H. S. T. de Souza, os quais contribuíram imensamente para a realização do Espaço ASA.
Leitura recomendada
Maia-Silva C, Silva CI, Hrncir M, Queiroz RT, Imperatriz-Fonseca VL (2012) Guia de plantas visitadas por abelhas na Caatinga. Editora Fundação Brasil Cidadão, Fortaleza.
Maia-Silva C, Gonçalves LS, Hrncir M, Imperatriz-Fonseca VL. (2014) Trilha dos polinizadores UFERSA: um passeio ecológico na Caatinga. Mensagem Doce, v. 126, p. 2-5.
Maia-Silva C, Hrncir M, Imperatriz-Fonseca VL. (2017) Estratégias para a conservação da abelha jandaíra na Caatinga. In: Imperatriz-Fonseca VL, Koedam D, Hrncir M (eds) A abelha jandaíra: no passado, no presente e no futuro. Editora Universitária da UFERSA, Mossoró, p. 227-235.
Maia-Silva C, Limão AAC, Hrncir M, Pereira JS, Imperatriz-FonsecaVL (2018) The contribution of palynological surveys to stinglessbee conservation: A case study with Melipona subnitida. In: VitP, Pedro SRM, Roubik DW (eds) Pot-pollen stingless bee melittology.Springer, Cham, pp 89–101.