MELIPONICULTURA E POLINIZAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

Sidia Witter, Patrícia Nunes-Silva & Betina Blochtein – sidia-witter@seapdr.rs.gov.br

Mourella caerulea em flores de cebola Foto Betina Blochtein
Mourella caerulea em flores de cebola Foto Betina Blochtein

A agricultura é praticada em todas as regiões do território gaúcho, sendo historicamente reconhecida a importância do Rio Grande do Sul para a oferta nacional de alimentos. Atualmente, as lavouras temporárias ocupam mais de nove milhões de hectares no RS e, aproximadamente 90% da área é voltada à produção de grãos (cereais e oleaginosas), principal atividade agrícola do Estado (https://www.fee.rs.gov.br).

O RS é o maior produtor nacional de uva, pêssego, figo, pera, nectarina, kiwi, amora, mirtilo e azeitonas. Tem expressiva participação no mercado de ameixa, maçã, morango, caqui, citros para mesa, banana e abacaxi. A produção gaúcha diferencia-se pela qualidade e pela possibilidade de produção em épocas de entressafra, o que permite a obtenção de bons preços e viabiliza o comércio, para o consumo de mesa, em todo o Brasil. A produção comercial de hortaliças é uma das mais importantes atividades rurais no Estado, concentrando um alto índice de agricultores familiares e contribuindo fortemente para a inclusão social e econômica (http://www.emater.tche.br).

Muitas destas culturas no Rio Grande do Sul, especialmente frutas e legumes apresentam algum grau de dependência de polinizadores para aumentar a produtividade. Para a melancia, o kiwi, a abóbora e o melão a dependência de polinizadores é de 90 a 100%, enquanto para maçã, pêssego, nectarina, ameixa, pera, mirtilo e tomate o percentual é entre 40 a 90%. A soja, por exemplo, de acordo com a cultivar pode ter um acréscimo de até 20% na produção, assim como a laranja e o morango (Giannini et al., 2015).

A meliponicultura desponta atualmente como uma opção ao uso de Apis mellifera nos serviços de polinização e, com potencial de aplicação para o incremento da produção agrícola. Algumas das vantagens da utilização desse grupo de abelhas para polinização de culturas é que possui alta diversidade de espécies, as colônias são perenes, o ferrão é atrofiado e não oferecem perigo às pessoas e animais em áreas agrícolas (Meléndez Ramírez et al., 2018). Os meliponíneos podem ser especialmente importantes quando o assunto é a polinização em estufas, onde a interação com os trabalhadores é mais intensa. Nesse tipo de cultivo, é possível que as abelhas sem ferrão, em especial as espécies de menor tamanho, possam ser mais facilmente direcionadas à planta-alvo devido ao seu raio de voo reduzido (Meléndez Ramírez et al., 2018). No entanto, apesar da potencialidade, não há atualmente produção de colônias visando a polinização, embora haja práticas de manejo, ainda não é possível a multiplicação em larga escala para prover número suficiente de colônias. No Rio Grande do Sul, em 2018, segundo a Emater-RS/ASCAR há registros de 547 meliponicultores assistidos, totalizando 3.248 colmeias.

O cultivo de morango em estufas fechadas proporciona vantagens como a proteção a condições meteorológicas adversas e ataques de pragas e doenças (Antunes et al., 2016). No entanto, esse sistema dificulta o acesso dos polinizadores (Kakutani et al., 1993), além de não haver a contribuição do vento, inviabilizando a produção (Malagodi-Braga, 2018). De acordo com a cultivar, em diferentes graus, os morangos polinizados por insetos são mais pesados, proporcionando também uma redução do percentual de frutos deformados (Witter et al., 2012). Uma dessas espécies de insetos, Plebeia nigriceps é um potencial polinizador da cultura em ambiente protegido e seus ninhos são abundantes no Estado, encontrados em fendas de habitações humanas (Witter et al., 2007). Estudos realizados em São Paulo recomendam para a polinização de morangueiro em ambiente protegido, a introdução de uma colmeia de Tetragonisca angustula para cada 1.350 plantas (Malagodi-Braga, 2018). No RS, estudos indicam a utilização de quatro colmeias de T. angustula para cada 170 m2 de área protegida para as cultivares Oso Grande, Tudla e Chandler (Antunes et al., 2007).

Melipona quadrifasciata em flor de maçã - foto de Cleiton José Geuster.
Melipona quadrifasciata em flor de maçã – foto de Cleiton José Geuster.

A cultura da macieira é altamente dependente de polinização (Giannini et al., 2015) e, dessa forma, a presença de colônias de abelhas sem ferrão nos pomares ou mesmo o seu manejo para esse fim é benéfico para a produção de maçãs (Viana et al., 2014). As abelhas sem ferrão Schwarziana quadripunctata e Trigona spinipes foram observadas visitando flores de macieira no Rio Grande do Sul (Nunes-Silva et al., 2016). Outras espécies foram observadas em Santa Catarina, Mourella caerulea, Plebeia saiqui e Plebeia emerina (Ortolan & Laroca, 1996; Nunes-Silva et al., 2016) e apesar de não terem sido observadas nos pomares do RS, elas ocorrem no Estado. Entre elas, P. emerina poliniza as flores de macieira eficientemente, aumentando a produtividade (Ortolan & Laroca, 1996). Na Bahia, por exemplo, o consórcio de mandaçaia (Melipona quadrifasciata) com Apis mellifera aumentou a produção de frutos em 47% em relação ao uso somente de A. mellifera (Viana et al., 2014).

Na cultura da canola, a autopolinização produz síliquas e sementes, entretanto, a produtividade pode ser aumentada quando as flores são visitadas por abelhas, gerando maior quantidade de síliquas e sementes, inclusive com aumento de peso (Witter et al., 2015). Em estudos realizados no RS, verificou-se que as flores de canola são visitadas por várias espécies de abelhas e, entre elas as abelhas sem ferrão: P. nigriceps, P. emerina, S. quadripunctata, Tetragonisca fiebrigi e T. spinipes (Witter et al., 2014). Pesquisadores testaram a eficiência polinizadora de P. emerina e T. fiebrigi comparado com A. mellifera e, verificaram que as três espécies apresentam eficiência similar quando coletam pólen (Witter et al., 2015). Dessa maneira, as colônias dessas espécies podem ser manejadas visando o aumento da produção de canola, inclusive associadas ao uso de A. mellifera.

A polinização entomófila pode exercer efeitos positivos na produção da laranjeira (Citrus sinensis) promovendo aumentos no número e peso dos frutos e no volume de suco, originando frutos mais doces e com maior quantidade de vitamina C (Malerbo-Souza et al., 2003, 2004; Malerbo-Souza & Halak, 2013). Apesar da dependência moderada (10 a 40%) por polinizadores, dos mais de US$ 2 bilhões ganhos com a produção anual de laranja, ao redor de US$ 500 milhões é atribuído à polinização por insetos (Giannini et al., 2015). Em função da importância da cultura do citros para o Brasil, das diferenças de necessidade de polinização das variedades nas diversas regiões do país e da discussão sobre os efeitos negativos da presença de abelhas em relação à produção de sementes, tornam-se necessários mais estudos sobre o incremento de produtividade da cultura na presença de abelhas (Efrom & Souza, 2018). Em flores de laranjeira no Rio Grande do Sul, foram identificadas sete espécies de Meliponini: M. caerulea, P. droryana, P. emerina, P. remota, S. quadripunctata, T. fiebrigi e T. spinipes (Tonietto et al., 2017). Como as flores de citros ofertam néctar em abundância, constituem uma ótima fonte de recursos alimentares para as abelhas, proporcionando matéria-prima para um mel de sabor e aroma de excelente aceitação comercial (Malerbo-Souza et al., 2003), os meliponíneos a exemplo de A. mellifera apresentam potencial para produção de mel de laranjeira.

A ação de insetos é indispensável para a produção de sementes de cebola em escala comercial (Bohart et al., 1970) e a polinização induzida por espécies domesticadas de abelhas aumentam o rendimento de sementes em 2,5 vezes (Chandel et al., 2004). Um estudo realizado no Bioma Pampa, em Candiota, RS demonstra um aumento superior dea 20% na produção de sementes de cebola na presença de insetos e, apesar de A. mellifera ter sido a mais abundante abelha nas flores, outros insetos também foram presentes, contribuindo para o aumento de produtividade na cultura. Um destaque foi M. caerulea, único meliponíneo encontrado na cultura (Witter et al., 2003), uma abelha que nidifica no solo a mais ou menos 40 cm da superfície (Camargo & Wittmann, 1989) e é associada à áreas de campo. A manutenção e proteção dos ninhos desta e, de outras espécies de abelhas nativas, aliados à manutenção de parcelas de vegetação natural, é importante para a polinização de plantas nativas e cultivadas na região do pampa (Witter et al., 2003).

A criação e manejo de meliponíneos podem gerar muitos benefícios econômicos e ambientais. Incentivar a criação das espécies regionais auxilia na preservação de espécies do bioma onde são nativas, possibilita bons resultados para o meliponicultor (Santos & Blochtein, 2018) e atende as demandas da produção agrícola regional.

Sobre as Autoras

Sidia Witter – Meus estudos com abelhas iniciaram com a leitura dos trabalhos do Dr. Paulo em 1989 e, finalmente o conheci no Encontro de Abelhas em 1998. Pouco tempo depois, quando fiz minha primeira palestra em um evento de meliponicultura no Rio Grande do Sul, ele estava na plateia, e também era um dos palestrantes. Eu estava tão nervosa com ele lá assistindo tudo. No final da minha apresentação “As espécies de abelhas sem ferrão do RS”, sentei ao lado dele e ele me disse: você precisa transformar isso em um livro. Fiquei tão feliz e claro que segui os conselhos do mestre e assim surgiu o livro: As espécies de abelhas sem ferrão de ocorrência no Rio Grande do Sul. Só tenho agradecimentos por todos os ensinamentos desse grande mestre e pelo legado que ele nos deixou. Sidia Witter

Patrícia Nunes-Silva – Conheci o Dr. Paulo em uma visita à fazenda Aretuzina (São Simão, SP) na então tradicional festa que marcava o final do Encontro sobre Abelhas em 2004. Foi uma grande emoção conhecer um dos grandes mestres das abelhas do Brasil. Sempre muito calmo e educado com todos, fazia um tour pelas colônias de abelhas sem ferrão que mantinha no local. Foi uma das primeiras vezes que pude ver a diversidade desse grupo de abelha e de tamanho, formas e arquitetura dos ninhos. Grande oportunidade! Há espécies que nunca mais pude ver! Mas sua contribuição para minha formação foi além: fiz mestrado no Laboratório de Ecologia de Abelhas (IB-USP) fundado por ele, sob orientação de uma de suas orientadas, a Profa. Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, que seguiu me orientando no doutorado na USP-RP. E além de seu legado que tocou diretamente minha carreira, seu trabalho para o desenvolvimento e implementação de leis ambientais foram (e são) essenciais para todos os biólogos e para a sociedade. Patrícia Nunes Silva.

Betina Blochtein – Meu primeiro contato com a obra do Dr. Paulo Nogueira Neto foi em 1985, com a leitura da sua obra, publicada em 1970, “A criação de abelhas indígenas sem ferrão”. Naquele período como estudante de mestrado dedicada ao estudo de abelhas fiquei encantada com a possibilidade de manejar racionalmente abelhas sem ferrão. Anos depois o encontrei pessoalmente em eventos científicos e conheci sua notável trajetória de engajamento com a causa ambiental, e protagonismo para a proteção ambiental no Brasil. O Dr. Paulo é uma referência inspiradora que me aproximou dos meliponíneos e do desejo de estuda-los e de protegê-los. Muitas outras pessoas também seguiram este caminho e assim seu legado se perpetua em prol da meliponicultura sustentável no Brasil. Betina Blochtein.

REFERÊNCIAS

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