Meliponários de Paulo Nogueira-Neto

Marilda Cortopassi-Laurino (mclaurin@usp.br)

PNN e suas alunas Suzete Ceccato e Vera Lúcia Imperatriz numa sala do depto de zoologia da USP na frente de um tablado com colmeias de meliponíneos instaladas para observação do comportamento.
PNN e suas alunas Suzete Ceccato e Vera Lúcia Imperatriz numa sala do depto de zoologia da USP na frente de um tablado com colmeias de meliponíneos instaladas para observação do comportamento.

O percurso de vida de Paulo Nogueira-Neto ao lado das abelhas começou em 1944 quando recebeu do pai da sua noiva, após demonstrar interesse, uma colônia da abelha jataí que ficava pendurada na varanda da fazenda Aretuzina em São Quirino-SP.

Seguiram-se alguns anos de estudo do comportamento e manejo destas abelhas para publicar em 1953 o seu primeiro livro no assunto, seguidos pelos de 1970 e de 1997, todos baseados em observações feitas em seus meliponários experimentais.

Em 1964, contratado como professor do Instituto de Biociências da USP, ele instalou na sua sala um pequeno tablado junto da janela. Neste, as colônias de meliponíneos eram arranjadas em diferentes alturas, e vedadas com vidro e feltro preto na sua parte superior para facilitar a observação. Um tubo de plástico transparente ligava a colônia ao exterior propiciando o movimento externo. Estas duas inovações não alteravam a atividades das abelhas. Neste período foram produzidos vários trabalhos no tema comportamento das abelhas. Em 1979 a mudança deste ambiente para um amplo laboratório, ao lado do viveiro de mudas do campus propiciou uma enorme expansão de locais para as abelhas, de pesquisadores e de alunos. Ao mesmo tempo em que os estudos do comportamento das abelhas se intensificavam, os das relações abelha-flor desabrochavam por conta da proximidade com os jardins.

PNN e a visita ilustre da Dra. Eva Crane ao laboratório de abelhas. a partir da esquerda: Maria Augusta Cabral de Oliveira, Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, Satoko Iwama, dra Eva Crane, Marilda Cortopassi e PNN
PNN e a visita ilustre da Dra. Eva Crane ao laboratório de abelhas. a partir da esquerda: Maria Augusta Cabral de Oliveira, Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, Satoko Iwama, dra Eva Crane, Marilda Cortopassi e PNN

Com o aumento de interesse pelas abelhas sem ferrão, PNN abriu as portas dos seus meliponários em áreas não urbanas. O mais famoso e frequentado foi o da fazenda Aretuzina, situado em região de cerrado onde até um alojamento foi adaptado para os pesquisadores brasileiros e estrangeiros que precisavam de mais tempo para estudar as abelhas. Interessante é que neste local, foram também estudadas formigas, cupins e vespas!

Desde os tempos dos cursos noturnos de insetos sociais ministrados por PNN e suas assessoras, ele organizava no fim do curso, uma excursão para esta fazenda onde as abelhas e as plantas apícolas eram o maior destaque. Num destes dias, mostrando as flores e as abelhas, ele pegou uma mamangava com as mãos. Como era corajoso foi o pensamento geral. Só depois ele contou que reconheceu que aquela mamangava era um macho, porque tinha antenas mais longas, e que macho não tem ferrão! Ao longo dos tempos, elande, famílias de mutuns, tucanos, emas e caitetus compartilhavam o espaço. Famoso e concorrido era o “dia de campo” oferecido aos participantes do Encontro sobre Abelhas que ocorria na cidade próxima de Ribeirão Preto. PNN abria várias colônias e mostrava o que tinha de mais interessante em cada uma delas. E até permitia que se provasse ou testasse o mel.

Mais recente são os estudos da manutenção das colônias em abrigos. Colônias de abelhas dentro de outras caixas ou em pequenas construções de alvenaria e que eram preenchidas com isopor, cortiça e serragem como isolantes térmicos foram testadas. Caixas de diferentes dimensões, alimentadores, e xaropes entraram na sua linha de estudos também neste local, assim como os experimentos de endocruzamento principalmente com as abelhas do gênero Melipona.

Casa e laboratório do meliponário experimental de Xapuri com colmeias ao seu redor.
Casa e laboratório do meliponário experimental de Xapuri com colmeias ao seu redor.

Ele mantinha também nessa e em outras áreas um “arboretum” com varias fileiras de plantas amigas das abelhas para observações. Tive a oportunidade de medir o teor de açúcares no néctar de varias flores como a marianeira (25,9%), coroa de cristo (39,3%) e do néctar extrafloral da flor do Guarujá (43,5%) entre outras. Ao lado da casa, as jabuticabeiras centenárias em flor eu nunca presenciei, mas consegui provar dos seus deliciosos frutos diretamente do pé. Uma festa!

Outros meliponários menos visitados eram os de Campinas-SP, Luziania-GO e o de Xapuri-AC. Destaque para este último, mais distante e com abelhas típicas da região amazônica. A jataí-do-acre e a turuçu ou uruçu-boi eram o destaques, respectivamente, pelos seus ninhos aéreo e tamanho corporal respeitável. Observar as mesmas espécies de abelhas em épocas de seca e chuvosa deu-me a exata dimensão de como elas sobrevivem nestes extremos. Interessante era que nos ninhos de Melipona desta região resinas avermelhadas com sementes foram muito observadas na entrada e dentro dos ninhos. Em ninhos abandonados, algumas destas sementes germinavam e pequenas plântulas surgiam dos seus batumes. Pudemos constatar também que algumas abelhas desidratavam ao lado de fonte açucaradas e outras ainda coletavam a seiva exudada das seringueiras por ocasião da sua extração. As outras abelhas que ele mantinha neste meliponario eram: jandaíra-amarela, uruçu-amarela-da-amazonia, uruçu-roxa, caboclinha, lambe-olhos, mandaguari-da-amazonia e iraí-da-amazonia. Selvagens, vimos algumas abelhas de tataíra negra, mombucao mortas em flores de espatódia e olhos-de-vidro, mas não os seus ninhos.

Abrigos de madeira e de alvenaria com colmeias de abelhas sem ferrão na fazenda de Luziânia.
Abrigos de madeira e de alvenaria com colmeias de abelhas sem ferrão na fazenda de Luziânia.

Na fazenda de Luziânia-GO, a estrela das abelhas eram as colônias de Scaura longula, ou jataí-preta com os seus favos verticais e a sua associação com vespas que vinham coletar gotinhas provavelmente de néctar que as operarias deixavam nos arredores da entrada do ninho. As outras abelhas que ele mantinha em colméias neste local eram: uruçu-do-chão ou mandaçaia-do-chão, uruçu-amarela, jataí, mocinha-branca ou marmelada, mocinha preta, mandaguari, benjoi, e ainda selvagem as borá, xupé e irapua. Durante algum tempo PNN manteve aí um pequeno criadouro de aves da região que recebia excursões de alunos de escolas.

Enfim, ele e seus meliponários sempre nos proporcionavam colônias de abelhas sem ferrão para quem quisesse ter olhos e estudá-las. Agradecidas e favorecidas são as pessoas que puderam compartilhar estes espaços e as suas abelhas locais.

Na primavera de 2000, Angelo Machado escreveu em nome das abelhas para PNN: “gostaríamos de dizer que um homem como você deveria viver eternamente. É esse o nosso desejo. Mas, se isso não for possível, pode contar com todas as abelhas sem ferrão do Brasil para, numa grande revoada, escoltá-lo até lá no alto, onde te espera alguém que você muito amou aqui na Terra e que te ama até hoje. Dos meliponíneos que muito o estimam: aramá, borá, cagafogo, caveca, cupira, guaxupe, guarupu, guira, guiruçu, irai, irapuá, iratim, jataí, jandaíra, lambe-olhos, mandaçaia, mandaguari, marmelada, mirim, mirim-guaçu, mombuca, mombucão, tubiba, tubuna, tujuba, turuçu, uruçu, xupé”