MELIPONICULTURA E CIÊNCIA CIDADÃ: O QUE ELAS TÊM EM COMUM?
Blandina Felipe Viana – Professora Titular do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do Instituto Nacional em Ciência e Tecnologia em Estudos Inter e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (INCT IN-TREE): blandefv@ufba.br
A meliponicultura é uma das atividades onde a ciência e a prática mais se aproximam, sem precisar da ajuda de intermediários, sendo, portanto, um terreno fértil para troca e integração de saberes entre cientistas e praticantes, interessados em ampliar os seus conhecimentos e buscar soluções para os problemas relacionados à atividade, ambos fazendo o que mais gostam, pesquisar e cuidar das abelhas.
Eu me dei conta desse potencial da Meliponicultura, nos idos dos anos 80, quando, jovem estudante dos cursos de graduação em Ciências Biológicas e Engenharia Agronômica, na Universidade de Brasília, tive a oportunidade de conhecer Dr. Paulo Nogueira Neto – cientista renomado, amante das abelhas e da natureza, na ocasião também exercendo o cargo de Secretário do Meio Ambiente – que despertou em mim o interesse pelas abelhas nativas sem ferrão.
Inicialmente, o meu interesse estava restrito à criação dessas abelhas. Como eu já tinha algumas colmeias de jatai e moça branca, no quintal de casa, queria conhecer as técnicas para manejá-las adequadamente. Posteriormente, a curiosidade levou-me para o caminho da investigação científica. Passei a me interessar pela biologia, comportamento, ecologia das abelhas, e a interagir com especialistas que as estudavam, tais como as professoras doutoras Vera Lucia Imperatriz Fonseca e Astrid Matos Peixoto Kleinert, minhas orientadoras de mestrado e doutorado, e com os saudosos professores doutores Warwick Estevam Kerr e Padre Jesus Santiago Moure. Ao final desse percurso, acabei me profissionalizando como cientista e seguindo a carreira acadêmica, como pesquisadora e professora na Universidade Federal da Bahia, onde ainda exerço minhas funções como professora titular.
Saliento, contudo, que para envolver-se em investigações científicas, colaborar com pesquisadores profissionais e produzir conhecimentos sobre algo do seu interesse, não é preciso trilhar o mesmo caminho que eu trilhei. Você pode, igualmente, se engajar em um projeto de Ciência Cidadã, tornando-se um Cidadão Cientista.
A prática da Ciência Cidadã difere dos projetos de pesquisa tradicionais. Trata-se de um tipo de pesquisa participativa e colaborativa, onde cidadãos voluntários e pesquisadores profissionais interagem, estabelecendo parcerias para responderem questões científicas de interesse comum. Nessa modalidade de pesquisa, os cidadãos voluntários podem participar de diversas formas, como por exemplo, coletando dados, colaborando nas análises, nas publicações, na definição do problema a ser investigado, no levantamento das hipóteses ou, até mesmo, na proposição de novos projetos.
A Ciência Cidadã não é uma prática nova, existe desde os séculos XVIII e XIX, quando os “cientistas” faziam das suas pesquisas uma atividade alternativa às suas profissões. Essa atividade, porém, era restrita a uma elite. Hoje, essa realidade mudou. O avanço das tecnologias de baixo custo e as facilidades de acesso aos meios de comunicação pública, do conhecimento científico, tornou a Ciência Cidadã acessível a todos aqueles que apreciam as ciências e estão dispostos a delas participarem.
A importância da Ciência Cidadã, para ampliar a base de dados de conhecimentos sobre determinado tema, para gerar novas informações científicas, e para contribuir para educação cientifica dos cidadãos, é amplamente reconhecida em todo o mundo. O engajamento de voluntários em um projeto de Ciência Cidadã fortalece a capacidade do uso eficiente do conhecimento científico na formulação de políticas públicas, na tomada de decisão, além de favorecer a participação de cidadãos na gestão de recursos naturais e na proteção ambiental.
Atualmente, existem milhares de projetos de Ciência Cidadã nas mais diversas áreas do conhecimento. Dezenas deles têm como foco os polinizadores, gerando informações valiosas sobre a perda da diversidade e o declínio das populações desses animais, dentre outras, as quais têm orientado políticas de conservação da biodiversidade, nos países onde estão sendo conduzidos, principalmente no hemisfério norte
No Brasil, a Ciência Cidadã ainda é pouco difundida, e o número de projetos conduzidos na área da biodiversidade é ainda incipiente, apesar de alguns deles serem conhecidos do público, a exemplo dos projetos de observação de aves, que nos inspiraram na criação dos “Guardiões”, destinados à observação dos polinizadores, contando, atualmente, com três projetos: “Guardiões da Chapada”, na Bahia, “Guardiões dos Sertões”, em Sergipe, e “Guardiões do Rio Grande do Sul”.
Embora tenha nascido dentro da Universidade, por inciativa de estudantes e professores, os projetos “Guardiões” já foram abraçados por várias comunidades locais onde vêm atuando, e têm feito a diferença, ao promover ações que visam ampliar o número de pessoas informadas sobre a importância dos polinizadores e engajar cidadãos em questões socioambientais, por meio do monitoramento da interação entre plantas e visitantes florais em áreas naturais, agrícolas e ambientes urbanos.
Nas localidades onde estão sendo conduzidos, qualquer cidadão pode deles participar” tirando fotos das interações entre plantas e visitantes e fazendo upload dessas imagens para o sistema “Guardiões da Biodiversidade”. Há, no entanto, outras formas de ser um guardião, criando novos projetos “Guardiões” nas suas localidades, identificando os espécimes fotografados, criando habitat para os polinizadores (jardins para os polinizadores), ajudando a recuperar áreas degradadas (plante árvores no seu quintal ou na sua roça), ou mesmo disseminando e compartilhando conhecimentos sobre os polinizadores e o seu papel na manutenção da vida no planeta.
Se você deseja começar um novo projeto de Ciência Cidadã, recomendo iniciar pela identificação dos seus potenciais parceiros (que os cientistas busquem os praticantes que estes busquem os cientistas), escolher uma questão de pesquisa (começar por uma mais simples e, com o tempo, acrescentar outras), desenhar os experimentos, desenvolver protocolos acessíveis para guiar a coleta de informações, procurar engajar mais voluntários capacitando-os, se necessário, coletar, analisar e discutir os dados, assegurando-se que esses ficarão disponíveis para todos os interessados e, finalmente, promover, ou participar, de eventos para disseminar os resultados e compartilhar experiências.
Estou convicta da inegável vocação da meliponicultura para promoção da Ciência Cidadã. Meliponicultores e cientistas podem trabalhar juntos desenvolvendo pesquisas colaborativas em diversas áreas da ciência, tecnologia e inovação, como por exemplo, no melhoramento e produção de rainhas, no controle da qualidade dos produtos das abelhas, no controle de doenças e pragas que atacam as colônias, na determinação da origem floral dos méis, na elaboração de calendários apícolas regionais, na identificação das causas de declínio das colônias, no monitoramento dos efeitos dos agrotóxicos sobre as colônias, dentre outras. Os valiosos conhecimentos dos meliponicultores integrados aos dos cientistas conduzirão a soluções consensuais que certamente em muito irão contribuir para o uso e manejo sustentável das nossas abelhas sem ferrão e para a conservação da nossa biodiversidade.
Para participar da coleta de dados do Guardiões:
Guardiões da Biodiversidade: https://guardioes.cria.org.br
Para nos acompanhar pelas redes sociais:
Facebook: Guardiões da Chapada
Instagran: @guardioesdachapada
Twitter: @guardioesdachap
Para conhecer outros projetos de Ciência Cidadã:
SiBBr Ciência Cidadã: http://sibbr.gov.br/cienciacidada/#/portfolio.
Bumblee Bee Watch: http://bumblebeewatch.org/.
Great Pollinator Project: http://greatpollinatorproject.org.
UK Pollinator Monitoring and Research Partnership: https://www.ceh.ac.uk/our-science/projects/pollinator-monitoring.
Depoimento sobre Dr. Paulo Nogueira-Neto:
Dr. Paulo Nogueira-Neto é um grande exemplo de cientista e cidadão, a ser seguido por todas as gerações. Foi um ser humano ético, conciliador, solidário e generoso, a quem devemos a Politica Nacional do Meio Ambiente e a maioria das Unidades de Conservação que hoje temos no Brasil, para proteção da nossa biodiversidade. A Ciência e o Meio ambiente brasileiros ficaram mais pobres com a sua partida. Pra mim, ele foi, e sempre será, uma fonte de inspiração para as minhas pesquisas com as abelhas e para minha conduta profissional. Ser-lhe-ei sempre grata pelas conversas, lições e conselhos.