Proteção da abelha jandaíra no Nordeste Brasileiro considerando-se as mudanças climáticas

Tereza C. Giannini1, Camila Maia-Silva2, Andre L. Acosta1, Rodolfo Jaffé1, Airton T. Carvalho3, Celso F. Martins4, Fernando C.V. Zanella5, Carlos A.L. Carvalho6, Michael Hrncir2, Antonio M. Saraiva7, Vera L. Imperatriz-Fonseca1 .
– 1.Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IBUSP). Rua do Matão trav. 14, São Paulo, São Paulo. giannini@usp.br
– 2.Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Rua Francisco Mota 572. Mossoró, Rio Grande do Norte.
– 3.Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Av. Gregório Ferraz Nogueira, SN. Caixa Postal 063. Serra Talhada, Pernambuco.
– 4.Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Castelo Branco. João Pessoa, Paraíba.
– 5.Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) Jd. Universitário, Foz do Iguaçu, Paraná.
– 6.Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Rua Rui Barbosa 710. Cruz das Almas, Bahia.
– 7.Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). Av. Prof. Luciano Gualberto 380. São Paulo, São Paulo.

Introdução

Figura 1. Plantas usadas para forrageamento: a) Alternanthera tenella Colla; b) Chamaecrista duckeana (P. Bezerra & Afr. Fern.) H. S. Irwin & Barneby; c) Mimosa quadrivalvis L.; d) Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan; e) Chamaecrista calycioides (DC. ex Collad.) Greene; f) Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir.; g) Borreria verticillata (L.) G. Mey.; h) Croton sonderianus Müll. Arg.; i) Myracrodruon urundeuva Allemão; j) Senna obtusifolia (L.); k) Ipomoea asarifolia (Desr) Roem. & Schult.; l) Pityrocarpa moniliformis (Benth) Luckow & R. W. Jobson; m) Mimosa arenosa (Willd.) Poir.; n) Mimosa caesalpiniifolia Benth.; o) Senna trachypus (Benth.) H. S. Irwin & Barneby; p) Senna uniflora (Mill.) H. S. Irwin & Barneby; and q) Sida cordifolia L.; r) Turnera subulata Sm. Plantas usadas para néctar: s) Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan; t) Aspidosperma pyrifolium Mart.; u) Cnidoscolus quercifolius Pohl; v) Commiphora leptophloeos (Mart.) J. B. Gillett; w) Poincianella pyramidalis (Tul.) L. P. Queiroz; and x) Spondias tuberosa Arruda. Abelha: y) Melipona subnitida Ducke (jandaíra) na Senna obtusifolia. Licania rigida Benth. e Piptadenia gonoacantha (Mart.) J. F. Macbr foram também incluídas como plantas para nidificação mas as fotos não foram apresentadas aqui.
Figura 1. Plantas usadas para forrageamento: a) Alternanthera tenella Colla; b) Chamaecrista
duckeana (P. Bezerra & Afr. Fern.) H. S. Irwin & Barneby; c) Mimosa quadrivalvis L.; d)
Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan; e) Chamaecrista calycioides (DC. ex Collad.) Greene; f)
Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir.; g) Borreria verticillata (L.) G. Mey.; h) Croton sonderianus Müll.
Arg.; i) Myracrodruon urundeuva Allemão; j) Senna obtusifolia (L.); k) Ipomoea asarifolia (Desr)
Roem. & Schult.; l) Pityrocarpa moniliformis (Benth) Luckow & R. W. Jobson; m) Mimosa arenosa
(Willd.) Poir.; n) Mimosa caesalpiniifolia Benth.; o) Senna trachypus (Benth.) H. S. Irwin & Barneby;
p) Senna uniflora (Mill.) H. S. Irwin & Barneby; and q) Sida cordifolia L.; r) Turnera subulata
Sm. Plantas usadas para néctar: s) Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan; t) Aspidosperma
pyrifolium Mart.; u) Cnidoscolus quercifolius Pohl; v) Commiphora leptophloeos (Mart.) J. B.
Gillett; w) Poincianella pyramidalis (Tul.) L. P. Queiroz; and x) Spondias tuberosa Arruda. Abelha:
y) Melipona subnitida Ducke (jandaíra) na Senna obtusifolia. Licania rigida Benth. e Piptadenia
gonoacantha (Mart.) J. F. Macbr foram também incluídas como plantas para nidificação mas as
fotos não foram apresentadas aqui.

O Nordeste do Brasil apresenta uma vasta região semiárida conhecida como “Caatinga” que já foi predominantemente coberta por Florestas Tropicais Secas. As espécies animais e vegetais nessa área podem ter que suportar longos períodos de estresse hídrico, já que o período seco é bem prolongado. As duras condições climáticas associadas a práticas inadequadas de uso do solo têm resultado em processos de desertificação. O desmatamento está avançando em áreas naturais, principalmente devido à pecuária, à agricultura e à exploração de lenha e carvão. A vegetação foi totalmente suprimida em 46% da área original, e tem sido observada uma taxa média de desmatamento igual a 2.700 km2 por ano (MMA 2011). Para agravar esse quadro, os efeitos previstos das mudanças climáticas no futuro para a região da Caatinga são alarmantes. O aumento médio da temperatura na área é estimado entre 3,5-4,5 °C até 2100, e a precipitação pode sofrer reduções médias de até 40-50% (PBMC 2013), o que reforça a tendência à desertificação.

Nós analisamos o impacto da mudança do clima sobre a abelha sem ferrão Melipona subnitida Ducke, espécie que ocorre na Caatinga e é popularmente conhecida como “jandaíra”. Ela apresenta um importante papel na polinização de plantas nativas e culturas comerciais. Estudos anteriores indicaram que essas abelhas são polinizadoras de pimentão e urucum e podem ser utilizadas em estufas. Além disso, a jandaíra é uma espécie de grande relevância na cultura do sertanejo, pois é a espécie nativa mais utilizada para a produção de mel na região, proporcionando renda extra para agricultores e famílias rurais. Assim, a criação dessa abelha nativa é importante para a economia local, e é exemplo de atividade sustentável em prol do desenvolvimento regional e da conservação de espécies nativas.

Material e Métodos

No início deste estudo, a distribuição geográfica da jandaíra era pouco conhecida e poucos registros estavam disponíveis. Para preencher esta lacuna de informação, foi realizada uma extensa pesquisa em campo nos anos 2012-2014 que produziu quase 250 novos registros. Essa pesquisa resultou também em um livro, que estará disponível online muito em breve, com muitos detalhes sobre a jandaíra e a região onde ela ocorre (Imperatriz-Fonseca et al. 2017). Utilizamos esses novos dados e os já existentes (9 registros) para realizar a Modelagem de Distribuição de Espécies, visando identificar e mapear os hábitats climáticos adequados à espécie. Esse tipo de modelagem consiste em uma técnica computacional que utiliza os pontos de ocorrência conhecidos para determinar as áreas climaticamente propícias à ocorrência das espécies. Essas áreas são projetadas na forma de um mapa, que representa a área de distribuição geográfica potencial para a ocorrência das espécies. No caso de análises envolvendo mudanças climáticas, essa projeção mostra as áreas no futuro que serão adequadas para a espécie.

Foi produzido um mapa indicando as áreas climaticamente propícias para a ocorrência da abelha jandaíra em 2050, utilizando cenários de mudança de clima seguindo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). O ano de 2050 foi escolhido por implicar em um período relativamente curto de tempo à frente. Usamos também a projeção de mudança de clima mais pessimista (chamada de RCP 8,5) pois, para propósitos de conservação, nos interessava saber qual seria a melhor área para a espécie ocorrer no futuro, mesmo no pior cenário. Para produzir os mapas utilizamos um algoritmo (uma sequência de comandos de computador) chamado de Maxent, por ser já bem conhecido na literatura científica e por apresentar resultados muito confiáveis. Além de projetar a distribuição geográfica potencial da jandaíra para 2050, nós analisamos também essa mesma projeção considerando as plantas com as quais a jandaíra conhecidamente interage, seja para coletar seus recursos (pólen e néctar), seja para construir seus ninhos (Figura 1). Fizemos isso para avaliar o impacto das mudanças de clima também sobre as espécies de plantas que fornecem recursos para a jandaíra sobreviver. Dessa forma foi possível avaliar em qual região a abelha irá encontrar não só as condições climáticas adequadas, mas também os recursos ecológicos dos quais ela depende.

Para melhor oferecer sugestões de conservação da jandaíra, analisamos também o grau de conservação das áreas da Caatinga, bem como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região. Visamos com isso ter uma ideia mais precisa de diferentes estratégias que poderiam ser sugeridas para proteger a espécie no futuro. Nosso argumento é de que áreas com vegetação nativa deveriam ser preservadas, enquanto que áreas sem essa vegetação poderiam ser restauradas. Áreas com IDH muito baixo poderiam ser alvo de projetos que, além de proteger a abelha (e outras espécies), pudessem também resultar em recursos econômicos suplementares para a população.

Resultados e Discussão

Figura 2. Áreas prioritárias para conservação e restauração da jandaíra, considerando-se as mudanças de clima, o uso da terra e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Figura 2. Áreas prioritárias para conservação e restauração da jandaíra, considerando-se as
mudanças de clima, o uso da terra e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

As áreas mais adequadas à ocorrência de jandaíra na década de 2050 estão indicadas na Figura 2. A área total climaticamente propícia para a espécie em 2050 apresenta um tamanho semelhante à avaliada para as condições climáticas atuais. No entanto, as áreas mais adequadas no futuro estarão potencialmente situadas em locais de maior altitude. Essas áreas se encontram nas bordas da área principal de ocorrência atual, constituindo grande parte dos platôs do Ibiapaba, Araripe e Borborema, presentes na fronteira dos estados do Piauí e Ceará e nas áreas ocidentais do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

O principal corredor central das áreas adequadas detectadas no cenário climático atual provavelmente diminuirá porque a maior parte dessa região central se tornará menos adequada devido à mudança climática. A perda prevista de hábitat adequado na área central da região de estudo provavelmente resultará em uma ruptura das áreas de ocorrência atualmente conectadas. Isso poderá representar um problema considerável para a preservação da espécie, contribuindo para o isolamento de suas populações e reduzindo o fluxo gênico entre elas. A melhor região para, em 2050, reconectar as duas principais áreas de ocorrência da jandaíra estará localizada no cinturão sul, próximo às fronteiras dos estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí, por representar a menor lacuna entre as duas áreas principais. Para prevenir o potencial isolamento das populações, a implementação de um corredor ecológico nessa região pode ser considerada.

A análise do IDH demonstrou também que essa área prioritária localizada no sul é habitada por populações humanas com diferentes perfis socioeconômicos. Como já discutido em outros trabalhos, áreas com níveis mais altos de pobreza precisam de mais atenção, pois as populações são potencialmente mais vulneráveis às mudanças climáticas e também dependem mais dos recursos naturais. Assim, essas áreas ao sul poderiam abrigar diferentes estratégias de conservação e restauração, visando não só proteger a biodiversidade, mas também melhorar o bem estar humano. São indicados sistemas agroflorestais amigáveis à biodiversidade, onde as áreas agrícolas podem ser enriquecidas com plantas nativas usadas por abelhas para forragear e nidificar, formando os chamados “corredores de néctar”, ajudando assim as abelhas a encontrar condições adequadas de sobrevivência, além de fornecer recursos potenciais para o bem estar humano. Outras estratégias viáveis para essa área prioritária poderiam incluir aumentar as práticas de apicultura ou de meliponicultura, que podem ser adotadas como uma alternativa rentável e sustentável, bem como, o ecoturismo, especialmente em áreas bem preservadas com alto valor cênico ou de patrimônio cultural. Ao implementar essas estratégias, pode ser possível restaurar e conservar a biodiversidade local, e assim assegurar os serviços ecossistêmicos prestados pelos polinizadores, bem como aumentar a renda e o bem estar econômico da população local.

Obs.: esse artigo foi publicado na íntegra pela revista internacional Apidologie em 2017 sob o título “Protecting a managed bee pollinator against climate change: strategies for an area with extreme climatic conditions and socioeconomic vulnerability”

Referências

Imperatriz-Fonseca V.L.; Koedam D.; Hrncir M. 2017. A abelha jandaíra no passado, no presente e no futuro. Edufersa, Mossoró.

MMA – Ministério do Meio Ambiente. (2011). Subsídios para a elaboração do plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento da caatinga. MMA, Brasília.

PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. (2013). Sumário Executivo. PBMC, Rio de Janeiro.