ENCANTADA PELAS ABELHAS DESDE CRIANÇA!
Márcia Raad -Tecnóloga e Especialista em Apicultura e Meliponicultura – UNITAU
Meu primeiro encantamento com as abelhas foi aos 6 anos: ao acordar pela manhã senti um perfume adocicado vindo da cozinha e me deparei com meus pais manuseando pedaços de favo com mel. Foi o doce mais doce que já provei. Meu pai disse que as abelhas produziam o mel e minha mãe o usava para fazer remédios. Ao ver algumas abelhas sobre os favos fiquei imaginando como uma abelhinha, tão pequenina, conseguia fazer tudo aquilo. Desde então comecei a observar as abelhas nas flores do jardim.
Muitos anos mais tarde, em 1982, tive o primeiro contato direto com um enxame. Foi junto com meu futuro esposo, que já trabalhava com algumas colmeias junto com seus colegas. Fiz minha primeira captura em um cupim e fiquei apaixonada de ver tantas abelhas juntas em um espaço tão pequeno. Logo percebi que era com elas que queria trabalhar. No início, por curiosidade, e depois pela oportunidade de ter uma renda.
Montei meu primeiro apiário, com ajuda do meu esposo, para produção de mel. Como quase todos os iniciantes, ficava preocupada se elas estavam bem e ia no apiário quase todos os dias observá-las. Li alguns livros sobre o assunto e tentei colocar o conhecimento em prática. Começamos trabalhando com mel, depois tentamos própolis, seguido de pólen e uma breve experiência com apitoxina.
No início, aprendemos a trabalhar com as abelhas em um apiário fixo, com muitos erros e alguns acertos. Nesta época, já casada e com filhos, as abelhas ficavam na fazenda de um primo distante. A única forma de ir ao apiário era a pé ou de carona, já que não tínhamos um veículo. Foram várias viagens carregando açúcar, macacão, fumegador e as crianças pelas estradas de chão. Os meninos ficavam esperando longe do apiário, enquanto trabalhávamos, e depois nos ajudavam a voltar com o material. Na época de colheita de mel, era preciso alugar um carro para transportar até a cidade.
A situação foi melhorando e depois de alguns anos já estávamos com três apiários. Em vez de ir a pé, já tínhamos bicicletas. Foi nesta etapa que começamos também a produzir alguns materiais apícolas que eram difíceis de conseguir, como cavaletes e telas excluidoras. A associação de apicultores já funcionava e não era mais preciso trazer material de cidades distantes, como a cera alveolada que vinha do Rio de Janeiro, a 400km.
Com as anotações que mantinha das colmeias e sua produção, percebemos que algumas não davam resultados satisfatórios. Estudando, concluímos que era necessário trocar as rainhas para conseguir produzir mais. Porém, não haviam produtores de rainhas na região, e tivemos que começar a produzir para nós mesmos. Selecionamos as melhores matrizes, separamos em um apiário e fizemos os testes de higiene. Comecei a fazer as enxertias, com cúpulas de cera e bobes de cabelo como gaiolas. Produzimos princesas e colocamos nos primeiros 10 núcleos de fecundação experimentais. As rainhas fecundaram e substituíram as rainhas indesejáveis nas colônias de produção. O resultado foi excelente.
Devido à demanda por rainhas, comecei a atender apicultores amigos da região. As rainhas tinham que ser entregues em pessoa e o volume era muito pequeno. Não havia demanda por princesas nesta época. Com a experiência, o trabalho foi aprimorando e passei a gostar cada vez mais. O primeiro grande contratempo que sofremos foi nesta época, quando todo o apiário de matrizes foi roubado em uma noite. Anos de trabalho foram perdidos e as colônias nunca foram encontradas. Contudo, depois desta tragédia foi que nasceu uma parceria maior com os demais apicultores e que dura até hoje: os apicultores enviam suas matrizes, escolhidas de acordo com suas anotações, que são submetidas aos testes de higiene, e a partir delas produzimos novas princesas/rainhas.
Depois de mais de 20 anos trabalhando com as abelhas, finalmente conseguimos comprar uma caminhonete. Foi neste momento que realmente conseguimos ampliar o negócio. Montamos apiários em regiões mais distantes, começamos a fazer migração e tivemos bons resultados na produção de mel e própolis. Foi nesta época que aprimoramos as técnicas de alimentação artificial, já que não era mais possível ir semanalmente nos apiários sem o custo de combustível ser muito alto. A alimentação com açúcar seco e as rações para substituir o pólen (tanto seca quanto em pasta) serviram para resolver este problema e o da mortandade de enxames intoxicados com pólen de barbatimão.
Enquanto a produção de mel se distanciava da cidade onde moramos, a produção de rainhas se manteve aqui. Os apiários de produção foram substituídos pelos de fecundação, com o principal chegando a ter 150 núcleos, sob alimentação artificial constante. Nesta época as crianças, que me ajudavam no trabalho, começaram a ir embora para completar os estudos na universidade. Encontrar pessoas dispostas a ajudar no trabalho com abelhas se tornou difícil e a manutenção das colmeias de produção em cidades distantes foi ficando cada vez mais inviável. Lentamente, durante anos, a produção de mel e própolis foi perdendo espaço para a produção de rainhas, que se tornou a principal atividade apícola da família.
Com cada vez mais tempo dedicado exclusivamente para as rainhas, foi possível ampliar o plantel e atender a mais clientes. Começamos a enviar rainhas pelos Correios, um processo que demorou anos (e muitas abelhas mortas) para aperfeiçoarmos e fazer com segurança. As cúpulas de cera e os bobes de cabelo deram lugar às cúpulas de acrílico, estufas e gaiolas de nascimento. Com o aumento da demanda começamos também a oferecer não somente rainhas, mas também princesas para os apicultores.
São 32 anos produzindo rainhas e, neste tempo, já atendemos apicultores de grande parte do Brasil. É sempre gratificante ter o retorno dos apicultores e saber como as minhas meninas estão se saindo em cada região diferente, assim como a satisfação dos produtores quando conseguem o aumento de produção que procuravam. As dificuldades permanecem grandes, já que o processo de produção de rainhas é muito dependente do clima e da condição das abelhas, com épocas em que a produção é abaixo do esperado ou muito acima do necessário.
Agora, com o retorno dos filhos para a apicultura, o trabalho de campo tem ficado cada dia mais sob a responsabilidade deles. Mas as enxertias, quando precisam ser feitas com rapidez e precisão, ainda tem que ser com minha ajuda. Meu foco tem mudado para cuidar da loja de materiais apícolas que abrimos, após a associação de apicultores da região fechar as portas.
Participei de vários encontros de apicultores, seminários e congressos, sempre aprendendo e ensinando. Não importa o que faça, fazendo com amor, dedicação e responsabilidade o sucesso, com certeza, triunfa.