O que determina o consumo do mel no Brasil
Rafaela da Rosa Quaglia1;Lídia Maria Ruv Carelli Barreto1*
Fabiola Figueiredo Nejar1;Denise de Lima Belisario1; João Carlos Nordi1.
1*Universidade de Taubaté, Pós-graduação em Tecnologia Apicultura e Meliponicultura “Unitau”, Departamento de Ciências Agrárias, CEP 12020-010, Taubaté, SP, Brasil. Autor para correspondência – E-mail: lidiaunitau@gmail.com
Resumo
O sistema alimentar moderno e os fatores específicos culturais são condicionantes onde eles ocorrem e a este ambiente o consumo obedece. Num contexto mais amplo, a transformação do consumo por habitante dada a oferta e demanda ditada pelos ciclos econômicos capitalistas sugere uma intensificação da oferta de produtos. Com o objetivo de entender o que determina o consumo do mel no Brasil, o presente trabalho realizou um estudo transversal e a coleta dados por meio de questionário eletrônico categorizado em 13 questões, das quais somaram 357 respostas, no período de 21/03/2021 a 21/05/2021. A compilação dos dados não coincide com a percepção do uso do mel enquanto um produto terapêutico, mas principalmente de um alimento com finalidade alimentar e promotor da saúde, ou seja, usado não apenas para tratar doenças. Contudo, mesmo a expressiva produção de mel no Brasil não contribui proporcionalmente para o aumento do consumo por habitante se comparado a outros Países do Continente Norte-Americano. Depreende-se a necessidade da formação de hábitos a partir da maneira como o mel é consumido para aproximarmo-nos desses indicadores internacionais, ainda que a literatura científica enfatize os interesses e significados socioculturais antes dos econômicos.
Palavras-chave: Mel, Comportamento alimentar, Terapia nutricional
Introdução
A apicultura é um ramo de atividade desenvolvida fundamentalmente com viés de preservação ambiental, sendo concomitante ao tripé: econômico por garantir a ocupação das famílias, em grande parte, no contexto da agricultura familiar; cultural por promover práticas e seleções alimentares nutricionalmente adequadas; e ecológica por estimular boas práticas de produção sustentável e por contribuir com o processo de polinização (JÚNIOR, 2018). Sustentabilidade em um sentido mais amplo estende-se as relações humanas, sociais, econômicas e as etapas do sistema alimentar (Brasil, 2012). A apicultura para a produção do mel no Brasil é dada como uma das principais atividades das famílias e representa importante fatia da renda desses produtores (Assad, 2018).
Em se tratando das características físico-químicas, o mel é produzido por abelhas a partir do néctar das flores ou das secreções ou excreções provenientes das plantas ou insetos sugadores, o que lhe confere peculiaridade para sabores, aromas e propriedades nutricionais, dada a florada proposta (Campos, 2003).
O mercado de varejo brasileiro foi avaliado em 796 milhões de reais. Já a produção de mel no ano de 2016 foi contabilizada em 39.588 mil toneladas e o consumo por habitante em 60 gramas/ano, relativamente baixa comparado às 910 gramas por habitante Norte-Americano, ainda que na data consultada o Brasil figurasse na 9° posição em termos de volume de exportação (ASSAD, 2018).
Entretanto os aspectos que reconhecem as preferências alimentares, a acessibilidade e produção, contrastados com a persistência da desigualdade social denotam condicionamento para certos estilos alimentares e, consequentemente, para variabilidade e oferta desses produtos (ARNAIZ, 2005). A alimentação não é um ato apenas biológico, que garante a sobrevivência humana, ela vai além disso, a alimentação acontece a partir das escolhas sobre o que se come e está atrelada às questões socioculturais (CANESQUI & GARCIA, 2005). Ações de Segurança Alimentar e Nutricional embasam a discussão de assuntos que permeiam as escolhas alimentares, garantindo mudanças de hábitos que favorecem a promoção da saúde (Brasil, 2014). Para Canesqui (2005, p. 9 e 10),apesar das pressões forjadas pelo setor produtivo, como um dos mecanismos que interferem nas decisões dos consumidores, a cultura, em um sentido mais amplo, molda a seleção alimentar, impondo as normas que prescrevem, proíbem ou permitem o que comer.
Um dos exemplos é o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que em sua atuação visa oferecer alimentos de elevada qualidade nutricional e estimular o consumo de produtos regionais (Bezerra, 2018). No que se refere à promoção alimentar saudável para a população, a EAN (Educação Alimentar Nutricional) além de fazer-se necessária a satisfação alimentar das pessoas, relativa ao curto e longo prazo, preconiza ações que não sacrifiquem aspectos sociais, recursos renováveis ou não assim como os parâmetros da ética e justiça (Brasil, 2012). Da mesma forma, é importante que as experiências alimentares educativas expressem autocuidado, para então constituir possibilidades ampliadas no processo de aprendizado sobre as escolhas alimentares (Brasil, 2018).
Para tanto, este artigo divulga uma pesquisa quantitativa e bibliográfica acerca do consumo de mel de tal modo a contribuir com o entendimento dos aspectos objetivos do consumo deste produto.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram categorizadas 13 questões considerando o: mel, seus aspectos funcionais, mercado e consumo. A pesquisa fundamentou-se em um questionário feito na plataforma Google Forms® e respondido por 357 pessoas baseando-se por: maior de 18 anos, definição de gênero, faixa etária, nível de escolaridade, renda familiar, se já comeu mel, frequência de consumo, razão para consumi-lo, local de compra, critério de compra, envase preferido, embalagem que geralmente encontra o mel e o que significa embalagem com selo de inspeção.
A pesquisa foi realizada no período 21/03/2021 11:24 AM à 21/05/2021 11:02 AM horário de Brasília. A amostragem foi tabulada no Microsoft Excel 365 MSO 32 bits e os resultados foram apresentados em tabelas e gráficos calculados por meio da média aritmética simples e desvio padrão. Vale ressaltar que, para análise do dado da idade, foram considerados 304 participantes (85% da amostra) devido a falha no preenchimento da data de nascimento do participante da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base no que foi apresentado na literatura consultada, pôde-se perceber que independentemente das técnicas apresentadas pelo mercado para indução do consumo, tais ações não prevalecem na decisão de compra, já que esta é necessariamente modelada pela cultura (Canesqui & Garcia, 2005).
Dentre os desafios para que se permita a generalização do consumo de mel há o reconhecimento dos aspectos culturais e a necessidade de naturalizar programas educativos a fim de estreitar as recomendações culturais implícitas. Segundo BRASIL (2014, p. 103), “Ainda assim, a adoção integral de todas as recomendações nem sempre será fácil ou imediata para todos. Esses obstáculos são identificados como: informação, oferta, custo, habilidades culinárias, tempo e publicidade”.
Do total de 357 questões respondidas, 304 se declararam maior de 18 anos 47,62% pertenciam ao sexo masculino e 52,38% ao sexo feminino. A idade média de ambos os sexos é de 47,24 anos e desvio padrão de 10,19 anos. A escolaridade da maioria dos respondentes 58,26% é nível superior, seguido por ensino médio 20,17%, mestrado 12,61%, doutorado 6,72% e ensino fundamental 2,24%.
A faixa de renda familiar contabilizou 4,76% para até 1 salário-mínimo, seguido por 14,29% de 1 a 3 salários, 25,49% para 3 a 5 salários, 32,21% de 5 a 10 salários e 23,25% para 10 ou mais salários.
Pessoas que já comeram mel correspondem a 99,16% e os que nunca comeram, 0,84%. Sobre a frequência com que consomem mel, 27,68% disseram que o consumo é diário, 27,12% semanalmente, 24,01% mensalmente, 15,82% anualmente e 5,37% deixaram de consumir o mel.
O canal de compra destaca por 52,54% para aquisição direto do produtor, 1,41% compram em farmácias, 0,85% via internet, 15,54% através de lojas especializadas, 18,36% em redes de supermercados e 8,47% obtêm de vendedor ambulante. Relataram dificuldade em encontrar mel 2,82% dos respondentes.
Programas, como de identificação geográfica (IG), aplicados à cadeia apícola viabilizariam a regionalização, comercialização, organização da cadeia local, redução dos custos de produção, ou seja, validaria o protagonismo dos produtores locais quanto às dificuldades mercadológicas. (Pellin, 2019).
Os critérios para compra mel revelou que 38,42% levam em consideração cor e densidade, 27,40% optam pela florada, 8,19% marca, 11,58% preço e 14,41% compram por conta do selo de inspeção.
Os entrevistados preferem comprar o mel embalado em vidro 82,20% e 17,80% em bisnaga plástica. Corroborando o hábito de consumo, a embalagem mais encontrada é de vidro 57,91%, seguido por bisnaga plástica 40,68%, blíster 1,13% e sachê 0,28%.
Foi perguntado o que significaria a embalagem do mel com selo de inspeção e 78,25% disseram ter procedência, 10,45% que o mel era industrializado e 11,30% não souberam informar.
A embalagem com carimbo dos serviços de inspeção é um atributo que dá confiabilidade ao produto e influencia a decisão de compra (Jacob, 2020), corroborando os dados analisados.
Embora estudos acerca do comportamento do consumo alimentar apresentem diferentes razões para aqueles o consomem, ficou evidenciado que o mel é um produto com finalidade alimentar para 48,02% dos participantes. O consumo do mel com finalidade terapêutica contabilizou 25,99% das respostas, seguida por 20,34% para consumo por hábito ou cultura alimentar. 5,65% das pessoas disseram não saber a razão para consumir o mel. (Figura 1).
Os trabalhos que apresentam a mesma linha de pesquisa citam que o mel é considerado alimento e também medicamento para combate de infecções virais, tal como a gripe, ou seja, seu consumo é feito por indivíduos doentes (Gomes & Santos, 2016).
As tendências de consumo por possuírem também carácter cultural, social e econômico e este ser um poder simbólico, extremo oculto, não se mostram, aparentam ou não são apercebidas quanto às relações de dominação estabelecidas no ato aquisitivo. (Bourdieu apud Souza, 1989).
Conclusão
No consumo de mel o papel do mercado é frágil por haver um embate entre as questões culturais e mercadológicas. Embora essas estruturas comerciais procurem legitimar suas estratégias com mecanismos para que seus produtos sejam intensivamente ofertados e se mostrem aparentemente acessíveis, dando “a falsa” sensação de cultura inclusiva, há um vão, implícito, velado, que inibe o desenvolvimento para a formação de novos hábitos alimentares. Entendendo esse panorama cabe o resgate da nossa cultura alimentar.
RECONHECIMENTOS
A pesquisa teve financiamento do próprio autor.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
Todos os autores contribuíram igualmente para a concepção e escrita do manuscrito. Todos os autores revisaram criticamente o manuscrito e aprovaram a versão final.
APROVAÇÃO DO COMITÊ DE BIOÉTICA E BIOSSEGURANÇA
A pesquisa não foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) por não coletar dados pessoais e sensíveis ou que possibilitem identificar o examinado. A coleta de dados foi realizada virtualmente, na rede de internet mundial de computadores por meio de formulário eletrônico da plataforma Google Forms®, conforme Carta Circular nº 1/2021-CONEP/SECNS/MS, de 03 de março de 2021.
Referências
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DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.