Todas as abelhas produzem mel?

Fonte: https://academicamente.wordpress.com/todas-as-abelhas-produzem-mel/
Felipe Walter.

Colmeia de abelhas melíferas da espécie Apis mellifera
Colmeia de abelhas melíferas da espécie Apis mellifera

Leio o título desse texto, noto a palavra “abelhas” e logo faço algumas associações: pequenos insetos listrados de amarelo e preto que são frequentemente vistos no cotidiano voando de flor em flor ou em volta de barraquinhas de caldo de cana. Ameaça aos alérgicos, representam certo perigo devido ao seu ferrão afiado – que vez ou outra causam algum dano. Mas apesar do ferrão, são vistas como muito importantes para a humanidade e são representadas como nossas amigas até mesmo em filmes de animação (Bee Movie – A História de uma Abelha). Não raramente estampam manchetes de jornais, que alertam: se esses organismos desaparecerem a vida humana no planeta corre perigo, pois dependemos delas para termos boa parte da variedade de alimentos nas gôndolas dos mercados e, consequentemente, em nossas mesas. Dentro dessa variedade está o mel, produto de sabor adocicado, com propriedades muitas vezes consideradas medicinais e que é uma das primeiras coisas que nos remete ao pensar em abelhas, as quais o produzem.

Muito embora a generalização acima descreva de fato uma abelha, ela cabe a apenas uma única espécie – a mais famosa. A “abelha modelo” citada no primeiro parágrafo – e que provavelmente você pensou ao ler a palavra “abelhas” no título desse texto – é pertencente à espécie Apis mellifera, a qual é de grande interesse econômico e que estamos muito familiarizados devido à domesticação dessa para a produção de mel.

Mas, afinal, será que todas as abelhas são parecidas e produzem mel?

Apesar da rápida associação entre abelhas e mel, nem todas o produzem. Quer dizer, dentro da variedade e diversidade do grupo das abelhas, pouquíssimas o fazem. As espécies que fazem mel representam apenas uma pequena fração das, aproximadamente, 20 mil espécies descritas de abelhas. Apenas as do gênero Apis, com 11 espécies descritas (uma delas a A. mellifera), e as do grupo das abelhas sem ferrão, com cerca de 500 espécies conhecidas, são produtoras de mel; e ainda, boa parte dessas não produz mel palatável ao ser humano ou o produz em pouquíssimas quantidades (1). Outras abelhas fazem um composto semelhante a um “mel”, como as mamangavas do gênero Bombus, entretanto pouco se sabe sobre as qualidades desse mel e se sua produção para consumo humano é viável.

Abelha da espécie Thyreus nitidulus. Foto: Michael Doe (https://www.flickr.com/ photos/mickdoe/40016641441/)
Abelha da espécie Thyreus nitidulus. Foto: Michael Doe (https://www.flickr.com/
photos/mickdoe/40016641441/)

Então, se todas as outras abelhas não fazem mel, o que elas fazem? Para que servem?

As abelhas, em geral, são animais que compartilham um hábito em comum: se alimentam de – e alimentam suas crias com – pólen (2), néctar (3) ou algum outro produto floral (ex. óleos florais). A fim de prover o ninho, precisam carregar o máximo de alimento possível em uma única viagem. Para otimizar esse processo, evolutivamente as abelhas desenvolveram pelos ramificados – onde o pólen é comumente carregado – em diferentes regiões do corpo. Durante o processo de coleta do pólen, para conseguir mais alimento, uma mesma abelha visita várias flores de plantas diferentes e preferencialmente da mesma espécie. De uma flor a outra, acidentalmente, alguns grãos de pólen presos ao corpo da abelha acabam por cair em outras flores, muitas das vezes nas estruturas reprodutivas femininas dessas, fazendo com que ocorra fertilização cruzada. Esse processo é muito famoso, chama-se polinização e é de extrema importância na reprodução de angiospermas (plantas que possuem flores e frutos). A polinização, embora possa também ocorrer por ação do vento e por pássaros, ocorre predominantemente pela ação de insetos, e a maior parte dos insetos que realizam polinização são abelhas.

Dentro das plantas que são polinizadas por abelhas, há numerosos exemplos de plantas de importância econômica. Estima-se que quase 90% das espécies de plantas com flores dependem em algum momento de polinizadores e que cerca de 75% da alimentação humana depende, direta ou indiretamente, de plantas que são polinizadas. Embora algumas plantas possam fazer autofecundação na ausência de polinizadores, esse processo resulta em problemas genéticos e perdas econômicas. Plantações com polinizadores produzem mais sementes e frutos maiores do que plantações sem esses organismos. Um exemplo é o maracujá comercial, que é polinizado de forma mais eficiente por abelhas carpinteiras (ou mamangavas) do gênero Xylocopa. Abelhas da espécie Megachile rotundata são polinizadoras em muitas plantações de alfafa. Plantações de tomate dependem de espécies de Bombus. Avalia-se que, mundialmente, o valor dos serviços ecossistêmicos da polinização é de cerca de 153 milhões de euros ao ano (o que equivale a mais de 692 bilhões de reais).

Abelha da espécie Agapostemon melliventris. Foto: Ron Hemberger
Abelha da espécie Agapostemon melliventris. Foto: Ron Hemberger

E as espécies que não polinizam plantas de interesse econômico? Por que devemos nos preocupar em preservá-las?

Muito mais do que o valor econômico desses organismos, as funções ecossistêmicas das abelhas são imprescindíveis para a manutenção de áreas naturais.  A maioria das árvores de florestas tropicais é polinizada por insetos, predominantemente abelhas. Em climas temperados, pequenas árvores e plantas herbáceas (4) são também polinizadas por abelhas. Ecossistemas xéricos, ou semidesérticos, (ambientes naturais muito secos e quentes, como o Cerrado e a Caatinga) são riquíssimos em plantas polinizadas por abelhas. Plantas essas que a preservação e reprodução são essenciais para evitar a erosão do solo e prover alimento e refúgio para outros organismos silvestres.

Embora existam espécies de abelhas generalistas, isto é, que visitam um grande número de espécies diferentes de plantas, a maioria das relações inseto-planta é extremamente específica, em outras palavras, uma espécie de abelha visita apenas algumas espécies semelhantes de plantas; ou então, uma espécie de planta só é polinizada por uma ou algumas espécies de abelhas semelhantes. Portanto, a conservação desses ecossistemas depende da preservação das populações de abelhas de todas as espécies nativas, independentemente se são espécies de valor econômico ou não.

Outro fator a ser levado em conta é o conhecimento científico que depende de áreas preservadas para o seu desenvolvimento. Além do mais, os insetos formam o grupo de animais com maior diversidade biológica, isto é, maior número de espécies diferentes. Entretanto, estima-se que apenas cerca de 10% de todas as espécies de insetos foram descritas. Das espécies descritas, pouquíssimas foram estudadas a fundo. Ou seja, conhecemos muito pouco sobre a nossa diversidade de insetos. Esses bichinhos desconhecidos habitam ambientes naturais preservados. Conforme a espécie humana for destruindo esses ambientes – o que já vem fazendo há bastante tempo – espécies vão sendo extintas sem ao menos serem conhecidas. Inclusive espécies que poderiam ter alguma importância econômica. Muito além de destruirmos ambientes únicos, como o Cerrado e a Mata Atlântica, perdemos também a chance de descobrir muitas coisas vantajosas para a humanidade.

Outro argumento é que gostamos da diversidade biológica, gostamos de ver animais e plantas diferentes e isso faz muito bem para a saúde mental humana. Mesmo que você não ache as abelhas os seres vivos mais bonitos já conhecidos, muito provavelmente deve gostar de algum mamífero fofinho, certo? Então imagine uma situação hipotética: existe uma espécie de macaco que ocorre naturalmente na Mata Atlântica e se alimenta de frutos nativos desse bioma. Lembra-se que para a existência de frutos é imprescindível a polinização? E que a polinização ocorre majoritariamente por abelhas? Então, dessa forma, o nosso macaquinho hipotético depende de abelhas para que tenha seu alimento favorito disponível. Pode pensar em outro animal, seja ele outro mamífero ou ave, que se alimente de frutos ou de alguma outra parte de uma planta que dependa de polinização, muitas vezes feita apenas por uma ou algumas poucas espécies de abelhas.  Pensou em um carnívoro? Muito provavelmente esse carnívoro que você gosta, e que é importante para o ecossistema, se alimenta de um animal que come frutos ou alguma outra parte de uma planta que depende de polinização. Embora seja apenas um exemplo didático, podemos entender o quanto um ser vivo depende de outro e o quanto nós, assim como ecossistemas como um todo, dependemos das abelhas.

E como fazemos para preservar as abelhas?

Para a preservação, não só das abelhas, são necessárias grandes áreas de preservação natural. Parques urbanos também podem ajudar, além de serem extremamente benéficos para a qualidade de vida e saúde humana, que vem sofrendo muito em centros urbanos e grandes cidades. Embora ao primeiro olhar a preservação da natureza pareça ser um atraso na economia, essas áreas de preservação podem ainda trazer retornos econômicos diretos (5). Ou seja, mais do que necessária para a vida no planeta como um todo, preservar ambientes naturais é preservar a nós mesmos.

Referências:

Para o texto como um todo foram utilizados os livros “The Bees of the World” do Charles D. Michener e o “Abelhas Brasileiras: sistemática e identificação” como referências.

Quadro_todas-abelhas