Mel é alimento físico e simbólico.

Clau Gavioli (ou Maria Cláudia Gavioli) é jornalista, mestre em hospitalidade e pesquisadora de comida. Ela é editora do site e apresentadora do podcast Minestrone (http://www.minestrone.com.br).

imagem-abertura-mel-alimentoNem tudo o que parece obvio é simples ou fácil. A comida, por exemplo, parece simples entendê-la, já que todo mundo come. No entanto, quando vista como um objeto de estudo abandona sua qualidade meramente prática de servir como elemento fundamental para a sobrevivência das espécies para abrir uma porta em que, sendo transpassada oferece uma vasta rede de possibilidades de entendimentos.

Há quem estude a comida do ponto de vista nutricional levando em conta os ingredientes e suas reações físico-químicas; também há quem trabalhe com a comida pensando nos meios de produção para obtê-la, enquanto outros pensam em ingredientes ou produtos, preparos, receitas, harmonizações e outros ainda em suas representações simbólicas e seu caráter social. Arrisco mencionar, sem receio de parecer presunção que, com apenas um pouco de reflexão podemos elencar dezenas de recortes para pesquisas, tanto as cientificas quanto aos meros experimentos da curiosidade, para a comida.

O que, no entanto, parece ter atingido o senso comum é que comida é mais que meramente alimento, uma vez que o ato de comer está irrevogavelmente alicerçado na cultura. Basta nos lembrarmos que, cães e gatos são alimento da mesma forma que um coelho ou uma galinha, mas não os comemos. Qualquer alimento ao ser tomado como algo comestível parte de uma escolha resultante de um aprendizado que indica o que pode ou não ser comido, em que condição ou situação, por quais pessoas, preparado de que modo etc.

Então, tomemos o mel e seus aparentados como nosso objeto de estudo e teremos a oportunidade de abordá-lo sob diversos aspectos: características físicas e organolépticas de acordo com os tipos; os modos de produção, colheita ou extração; usos culinários, gastronômicos, medicinais, estéticos e outros tantos que dizem respeito ao mercado consumidor, os negócios e a economia, além de seus significados sociais e as atribuições simbólicas a ele imputadas há séculos.

A Lua de Mel

Gunlodd oferecendo a Odin o Hidromel. - Gravura de Emil Doepler - Domínio público
Gunlodd oferecendo a Odin o Hidromel. – Gravura de Emil Doepler – Domínio público

A criação de mitos, segundo os antropólogos, foi um jeito que o ser humano achou para representar o seu entendimento do mundo e da natureza em dado momento. Os mitos, as lendas e os causos são maneiras de expressar ao grupo social de um modo lúdico e memorável os valores que importam e merecem ser perpetuados.

Parece complicado, mas uma lenda como a que, possivelmente, deu origem à expressão “lua de mel”, pode ser uma boa chave para o entendimento do conceito mencionado sobre os mitos. E ela se refere ao mel, ou melhor, ao hidromel.

Conta-se que na Idade Média, nos países nórdicos, (há quem diga que foi na Irlanda), aos recém-casados era sugerido beber hidromel no período da primeira lua cheia mais próxima ao casamento para que o casal tivesse fertilidade. O hidromel, para quem não conhece, é uma bebida alcoólica derivada da fermentação do mel diluído em água que tem uma grande variedade de estilos. Pode até ser que suas propriedades aumentem a disposição física dos casais, uma vez que é álcool é inebriante e o sabor do mel é doce e aconchegante, mas é a crença, isto é, a questão simbólica, mítica, da lua cheia e o do mel, que transcendeu o tempo e se traduziu em lua de mel.

Há ainda o mito por trás do mito. Encontrei num site de casamentos* outras histórias sobre o hidromel e a lua para os recém-casados. Diz uma lenda que essa bebida era o único alimento de Odin, pai de todos os deuses nórdicos e que ela lhe deu poderes sobrenaturais. “Por isso, era uma poção mágica que ele também oferecia aos druidas e para as tribos celtas antes de enfrentar os romanos na antiga Gália”

Outra lenda fala do casamento na Babilônia, há cerca de 3.500 anos, quando era comum que o pai da noiva presenteasse o noivo com cerveja de mel. O período do consumo: de uma lua cheia até a seguinte, para dar sorte e fertilidade. Em Roma, era a mãe da noiva que, por um mês, punha mel no quarto do casal e isso era simbólico para a fertilidade, assim como era usado como tônico revigorante e creme de beleza para a noiva.

Entre tantas outras, essas são explicações míticas sobre o hidromel ser uma fonte de bênçãos dos deuses da fertilidade para a concepção de filhos. Um mito que deu origem ao termo “lua de mel”. Percebemos, portanto, que não se trata apenas do hidromel como um alimento para o físico, mas também sua representação simbólica como elixir da fertilidade.box