“Polinização como Estratégia para Sustentabilidade Ambiental, Social e Econômica”
Dra. Andresa A. Berretta1,2,3 & Daniel Malusá Gonçalves2,4,5
1Farmacêutica Responsável, Apis Flora Indl. Coml. Ltda., Ribeirão Preto/SP;
2Sócios da Startup AgroBee, Ribeirão Preto/SP;
3Presidente da ABEMEL, Gestão 2020/2021;
4Vice-Presidente e Co-Fundador da ONG Bee or not to Be, Ribeirão Preto/SP;
5CEO da Agência de Publicidade e Propaganda 6P, Ribeirão Preto/SP;
6Cônsul Honorário da Alemanha, Interior de São Paulo, Ribeirão Preto/SP.
A importância das abelhas para o planeta já não é mais segredo para ninguém. Do ponto de vista ambiental e na produção de alimentos, sem abelhas, já sabemos que muitas espécies vegetais não se reproduziriam e muitos alimentos não existiriam. Além desse aspecto imprescindível e essencial para a vida na Terra, que dispensa adjetivos para falar sobre a importância desses polinizadores, temos ainda como benefícios complementares os produtos das abelhas, como o mel, a própolis, a geleia real, pólen apícola, etc. que são produtos consumidos já há milhares de anos, e que mais recentemente tem sido amplamente estudados cientificamente.
A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) é uma agência especializada das Nações Unidas que lidera os esforços internacionais para erradicar a fome no mundo. Alcançar a segurança alimentar é um grande desafio, uma vez que as alterações climáticas são susceptíveis de reduzir a produtividade agrícola, e o crescimento populacional exigirá um aumento da produção agrícola de, pelo menos, 70% até 2050 (Food and Agriculture Organization of United Nations [FAO] 2010, ONU), sendo que a soja, a canola e o girassol integram a categoria das oleaginosas, que deve ter aumento de produção de até 76% nesse período. Além disso, a agricultura precisa aumentar os rendimentos das lavouras e produzir mais alimentos, protegendo simultaneamente a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, sem mais ameaças para o meio ambiente (United Nations Environment Programme [UNEP] 2011).
Giannini et al. (2015) revisou a dependência das culturas por polinizadores no Brasil e fez uma estimativa do valor econômico anual da polinização para cada cultura. Ao todo, foram avaliados 141 culturas e destas, 85 mostraram dependência dos polinizadores, sendo que quase 1/3 com dependência grande ou essencial. No cenário apresentado por Giannini, a contribuição econômica dos polinizadores totalizou quase 30% (aproximadamente US$12 bilhões) do valor total da produção agrícola anual das culturas dependentes (totalizando quase US$ 45 bilhões).
A atividade das abelhas tem um efeito positivo em todo o ecossistema e os seus serviços garantem a conservação da biodiversidade e meio ambiente, além disso, funcionam como um importante bioindicador de condições ambientais. A polinização é um dos serviços ecossistêmicos mais valiosos para a humanidade e a atividade da apicultura direcionada para o agronegócio, é imprescindível nesse sentido.
A polinização é parte do processo reprodutivo das flores. Cada espécie tem suas particularidades e especificidades. Flores maiores, menores, órgãos masculinos e femininos na mesma flor, em flores diferentes, em exemplares de plantas diferentes, e cada qual, requerendo um polinizador mais adequado. Nesse sentido, há um campo de trabalho imenso tanto para apicultores, quanto para os criadores de abelhas sem ferrão. Há espaço para a diversificação de atuação, para o aumento de rendimentos para os apicultores, e há oportunidade de abertura de um novo e gigante mercado para os demais criadores de abelhas.
No Brasil quando se fala em aumento de produtividade agrícola, a ênfase sempre é dada à engenharia genética, ao uso de agroquímicos enquanto fertilizantes, herbicidas ou inseticidas, às técnicas de cultivo, à gestão hídrica, e mais recentemente ao uso da inteligência artificial e recursos de automação no campo. Entretanto, ainda pouco se fala sobre a gestão sistêmica do equilíbrio ecológico, e, menos ainda, sobre os vários aspectos da gestão dos serviços de polinização.
No Brasil, assim, apesar de a polinização agrícola ser de grande importância, o mercado de polinização é ainda incipiente, tendo marginalmente se desenvolvido nas culturas de melão no Nordeste e maçã em Santa Catarina. A contratação dos serviços é feita de forma informal facilitada sob demanda por associações de apicultores da região. Gerenciar a disponibilidade das colmeias a partir dos ciclos de produção de cada cultura agrícola, otimizando os ganhos de produtividade tanto para o produtor agrícola quanto para o criador de abelhas é um desafio a ser enfrentado para a expansão do uso das abelhas na polinização agrícola.
Alguns países já estão bastante adiantados no uso da polinização como ferramenta para aumento da produtividade das culturas agrícolas e aumento da qualidade dos frutos e sementes. A Austrália é um bom exemplo nesse processo. Nesse país, os produtores investem no manejo de paisagens procurando tornar as propriedades mais adequadas para atrair e desenvolver populações de polinizadores naturais (Wratten et al. 2012) e o aluguel das colmeias já é uma prática comum. Os serviços de polinização no Brasil já estão sendo bastante utilizados em algumas culturas com alta dependência da polinização, como são os casos citados da maçã e do melão. Dada a diversidade de espécies de abelhas existentes, seus diferentes tamanhos, hábitos e preferências, a polinização por abelhas é uma das melhores alternativas para o aumento da produtividade das culturas, além de contribuir para a preservação de áreas com vegetação nativa. A carência de polinizadores nativos, inclusive, já é um dos fatores que impede o aumento da qualidade e produtividade em grande parte das culturas agrícolas (Klein et al. 2007, Westcott & Nelson, 2001; D’Avila & Marchini, 2005). Para o trabalho de polinização apresentar bons resultados, é necessário que o mesmo seja conduzido de forma técnica, observando-se fatores como a quantidade de colmeias para cada cultura, a disposição das colmeias no campo agrícola, as condições da vegetação dos arredores, períodos de floração, atratividade e morfologia das flores, e, claro, as espécies de abelhas mais apropriadas para cada cultivo agrícola.
A polinização comercial surge, portanto, como uma importante alternativa sustentável de aumento da produtividade agrícola no Brasil, proporcionalmente reduzindo o consumo de água e agroquímicos por tonelada produzida, e diminuindo a pressão por mais desmatamentos para incremento da área plantada. A polinização tem, ainda, baixo impacto ambiental e gera, como contrapartida, renda para pequenos agricultores/apicultores familiares (Rehder, 2012).
A apicultura é uma atividade chave para a produção de alimentos no Brasil, e pode-se dizer que seu potencial, em um país com a vocação agrícola e de biodiversidade singular, é ainda subaproveitado. Atualmente, grande parte desta atividade é realizada como segunda atividade ou um hobby – apenas uma parcela pequena dos apicultores atua de forma profissionalizada, e estão focados na produção de mel e própolis, um mercado em alta na país. O interesse pelos serviços de polinização está crescendo e as oportunidades para ter uma nova renda com as abelhas já começam a se tornar uma realidade. Mais do que a atividade financeira por si, abre-se uma oportunidade de trazer tecnologia para a atividade apícola. A atividade de criação de abelhas requer dedicação, é um trabalho pesado e que demanda esforços. Tem muitos desafios para serem superados, porém, é uma atividade rentável, e que pode ser ainda mais, com o aumento de escala.
Dentre os desafios da atividade, além do manejo propriamente dito que envolve a necessidade de atenção, cuidados e busca constante por atualização, nos deparamos com a burocracia envolvida para o cadastro e transporte de abelhas, que não é algo tão simples ou trivial quanto parece. Vemos diferenças importantes no processo e na tecnologia de diferentes cidades e estados, e fatalmente, isso ainda é uma barreira. Não menos importante é o custo logístico, os riscos de roubo e morte de abelhas, além da dificuldade para formalização de contratos, em todas as frentes, seja para a comercialização de mel, própolis, e principalmente para o serviço de polinização. Mas, apesar dos desafios, as oportunidades são crescentes, e quem se profissionalizar e investir na multiplicação de suas colônias, poderá prosperar ainda mais nesta atividade.
Para promover o incremento de alimentos no mundo em escala, com sustentabilidade ambiental, econômica e social, a Startup AgroBee, propõe um sistema que conecta o criador de abelhas ao produtor rural, no momento em que sua cultura agrícola esteja em floração e necessita maior presença de polinizadores para o incremento da produção. Este modelo é capaz de automatizar o gerenciamento dos processos de contratação e manejo das colmeias, assim como o acompanhamento do processo de polinização e a análise dos resultados obtidos na colheita, através de uma plataforma que ficou conhecida na imprensa como “Uber das Abelhas”. Baseado nos conceitos de economia compartilhada, o software aproxima criadores de abelhas e agricultores, oferecendo orientação técnica para a execução da polinização assistida, organização logística para transporte e instalação apropriada das colmeias e, posteriormente, serviços de coleta de dados, acompanhamento da produção e análise de resultados.
Oferecendo assim uma solução fim-a-fim para apicultores e agricultores, levando em conta as particularidades de cada cultura e os ciclos de produção de mel.
Nos últimos 3 anos a Agrobee conduziu suas atividades notadamente nas culturas de café, morango, girassol e, mais recentemente, na soja. Os anos iniciais têm sido focados no desenvolvimento de mercado, introduzindo a polinização na gestão da cadeia produtiva agrícola, e focando na demonstração deste potencial por meio de testes e apresentação de resultados; por outro lado, um grande esforço tem sido feito no sentido de criar parcerias estratégicas com apicultores, e formatos de remuneração que garantam a rentabilidade justa pelo serviço. Os resultados deste aprendizado começam a aparecer de forma expressiva, e abrem um horizonte promissor e de sucesso do modelo.
Entre os vários pontos de atenção das atividades dos sócios da empresa, Andresa Berretta, Guilherme Sousa, Carlos Rehder e Daniel Malusá Gonçalves, destacamos alguns relacionados aos criadores de abelhas, como a legalização da atividade, a segurança com as colmeias, o estímulo à capacitação e profissionalização, e a remuneração rentável para os criadores de abelhas. Os contratos entre as partes são de responsabilidade da AgroBee que inclusive dá suporte para o criador de abelhas emitir as GTAs (guias de transporte de abelhas); o time técnico dá apoio e faz a intermediação técnica adequada para que a quantidade de colônias e espécies adequadas sejam colocadas na propriedade; há auditoria das colônias para que o serviço aconteça de forma eficiente, e treinamentos estão sendo preparados para a profissionalização da atividade e estímulo à multiplicação de abelhas. Atualmente, o aplicativo está funcionando em sua versão original, ainda com diversas restrições. Mas será lançado já em meados do primeiro Semestre de 2021 uma nova versão do App, com mais funcionalidades, e automatizadas para um processo gradual de escalonamento.
Além de um rico mapeamento de áreas agrícolas polinizáveis e o potencial dos criadores de abelhas por região, a nova versão do software deverá disponibilizar, entre outros, sistemas de pagamentos para facilitar as transações financeiras entre agricultores e apicultores; mapas e acessos logísticos; pontuações de serviços; avisos, suporte a contratos e documentos; e conteúdos essenciais para o manejo das abelhas.
Desenvolver uma nova cultura é trabalho árduo e contínuo. Requer tempo e investimento. Mas como as abelhas nos ensinam, para o bem comum, o trabalho em equipe traz resultados, e estes estão acontecendo. A Agrobee tem tido o mérito de introduzir com sucesso um novo modelo de polinização assistida em culturas agrícolas. E, sim, ainda nos defrontamos com inúmeros desafios e descrenças. Mas entendemos que é questão de tempo derrubar as barreiras frente ao novo, e fazer abrir um novo mercado de polinização para o Brasil.
A célebre frase de Einstein sobre as abelhas que tem sido estampada por todos os lados recentemente, de fato, nunca esteve tão atual: “se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana”.
O propósito da AgroBee é ajudar a produzir mais e melhores alimentos, com sustentabilidade, através dos serviços de polinização das abelhas. É a nossa contribuição para ajudar a erradicar a fome no mundo, preservando o meio ambiente, gerando empregos, e produzindo riqueza para todas as partes envolvidas.
Venha fazer parte dessa história. Baixe o App e cadastre-se, ou entre em nosso site e deixe seus dados: http://www.agrobee.net.
Referências Bibliográficas
D’Ávila, M.; Marchini, L.C. 2005. Pollination provided by bees in economically important crops in Brazil. Boletim da Indústria Animal 62: 79-90.
Food and Agriculture Organization (FAO). 2010. ‘Climate- smart’ agriculture, policies, practices and finances for food security, adaptation and mitigation. FAO, Rome.
Giannini, TC, Cordeiro, GD, Freitas, BM, Saraiva, AM & Imperatriz-Fonseca, VL. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil – review. Journal of Economic Entomology Advance Access. p.1-9, 2015. Doi: 10.1093/jee/tov093.
Klein, A. M., B. E. Vaissie`re, J. H. Cane, I. Steffan- Dewenter, S. A. Cunningham, C. Kremen, and T. Tscharntke. 2007. Importance of pollinators in chang- ing landscapes for world crops. Proc. R. Soc. 274: 303–313.
REDHER, C. P. POLINIZAÇÃO EM SOJA: um estudo com Apis mellifera L. Monografia apresentada para obtenção do Certificado de Especialização pelo Curso de Especialização em Apicultura, modalidade a distância, do Departamento de Ciências Agrárias da niversidade deTaubaté. Taubaté, 2012.
United Nations Environment Programme (UNEP). 2011. Food and ecological security, identifying synergy and trade- offs. UNEP, Nairobi.
WRATTEN, Stephen D. et al. Pollinator habitat enhancement: benefits to other ecosystem services. Agriculture, Ecosystems & Environment, v. 159, p. 112-122, 2012.
Westcott, L.; Nelson, D. 2001. Canola pollination: an update. Bee World 82: 115-129.