Soja e abelhas: o exemplo perfeito de mutualismo
Pedro da Rosa Santos1*; Vagner de Alencar Arnaut de Toledo2
1Doutor em Zootecnia. Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil.
2Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil.
*Autor para correspondência. peter.zootecnia@gmail.com
O termo sustentabilidade surgiu no final dos anos 80 e até os dias atuais vivemos o período de transição da “sociedade do consumo” para o uso sustentável dos recursos naturais. Temos um planeta com mais de 7,7 bilhões de pessoas e a evolução social tem aberto os olhos da humanidade para conseguir buscar alternativas viáveis para conseguir abastecer a mesa de todos, utilizando menos espaço, menos tempo de espera e com maior produção, isto é, maior produtividade.
O homem, de certa maneira, após observar a perfeição da natureza, passou a imitá-la, tentando criar um processo de mutualismo entre sociedade e o ambiente. O mutualismo nada mais é do que a associação entre dois seres vivos, na qual ambos são beneficiados. No meio ambiente o mutualismo aparece em diversos locais e entre os diversos grupos de seres vivos, dos menos até os mais evoluídos. Um exemplo clássico de mutualismo que ocorre na natureza é o processo de polinização feito pelas abelhas. Nesse caso, o mutualismo é chamado de mutualismo dispersivo, uma vez que as abelhas auxiliam a reprodução das plantas através da dispersão dos grãos de pólen de uma flor para outra.
Sabendo disso, surgiram estudos para compreender o comportamento das abelhas nas culturas de interesse econômico, ou seja, aquelas espécies vegetais que fornecem alimento para o ser humano e/ou para os animais domésticos. Descobriu-se então que, aproximadamente 30% do alimento consumido no mundo depende em algum grau da polinização por abelhas. Ou ainda, que das 126 espécie vegetais cultivas pelo homem, 89 dependem do serviço de polinização. Outra descoberta relevante foi que, entre as abelhas, a Apis mellifera era o principal agente polinizador das plantas com flores do mundo. Desde então intensificaram os estudos sobre esses insetos e sua relação com a biologia floral de diversas espécies vegetais cultivadas no Brasil e no mundo.
Com a soja (Glycine max) não tem sido diferente, desde 1910, pesquisadores vem explorando o serviço de polinização realizados pelas abelhas Apis mellifera nas flores de soja e, na maior parte dos casos, os resultados indicam aumento de produção de grãos quando polinizada por abelhas. Polinizar a flor de soja é um trabalho altamente recompensador para as abelhas, pois a quantidade de néctar que a flor oferece compensa o desgaste da abelha. Além da riqueza de recursos ofertados, uma única planta chega produzir de 100 a 800 flores durante seu ciclo de vida. O elevado número de flores é compensado negativamente pelo alto índice de aborto de flores, podendo chegar até 90% dependendo do cultivar, quando não há abelhas por perto.
Embora seja uma planta capaz de realizar a autopolinização, as principais variedades de soja apresentam uma pequena taxa que varia de 1 a 2% de autoincompatibilidade e depende da polinização cruzada para formar as vagens. Essa porcentagem, por menor que pareça, associado a um serviço de polinização eficiente pode representar ganho de produção ao agricultor.
Geralmente o aumento de produtividade ocorre devido ao maior número de grãos formados, maior peso dos grãos e devido ao maior número de vagens com três e quatro grãos. Nas cultivares BRS 284 (convencional) e na BRS 1001 IPRO (transgênica), por exemplo, nas áreas com a presença de abelhas africanizadas realizando a polinização foi verificado aumento na produção de grãos em aproximadamente 13% e 9%, respectivamente, quando comparadas as áreas sem a presença de polinizadores.
Nessas cultivares as abelhas chegaram a visitar em média 12 flores por minuto, demonstrando que as flores de soja de coloração roxa são altamente atrativas para as abelhas devido sua abundância de recursos alimentares. Com relação à coleta de recursos na flor (Figura 1), durante dois anos de avaliações não foram observadas abelhas coletando exclusivamente pólen. No entanto, apesar de coletar somente néctar, ao pousar na flor e alcançar o nectário, a abelha entra em contato com as anteras e os grãos de pólen ficam aderidos aos seus pelos ramificados. A coleta de pólen pode ser comprovada por meio da análise do conteúdo de pólen armazenado na corbícula das abelhas que estavam retornando à colmeia. Embora a carga de pólen na corbícula não fosse grande, foi suficiente para manter a população de abelhas da colônia, com pouca diminuição da área de cria. Como o pico de florada dessas cultivares é relativamente curto, cerca de 21 dias, não há grande prejuízo para as colônias que se alimentam de apenas uma fonte de alimento durante esse período.
Além do aumento de produtividade, a presença de abelhas polinizadoras nessas cultivares também diminuiu a antese das flores, que é o período desde a abertura do botão floral até o murchamento total da flor. Com a antese mais curta, o risco da planta perder a flor para intempéries climáticas ou predadores diminui, pois há formação mais rápida da vagens. O que pode contribuir, consequentemente, para o aumento de produtividade.
Esses dados indicam a importância sobre o trabalho associado da agricultura com a apicultura, principalmente quando se trata da maior commodity do mundo atualmente, que é a soja, e devido a abelha Apis mellifera ser a espécie mais criada em todas as regiões do globo. Somente no Brasil, as áreas plantadas de soja ultrapassaram 35 milhões de hectares na safra 2017, com produtividade média de 3.333 kg/ha. Portanto, um aumento de produtividade por menor que seja com o uso de abelhas na polinização, pode representar um grande crescimento econômico da atividade e colocar o Brasil como maior produtor de soja do mundo. O incremento devido a polinização gira em torno de 300 milhões de reais.
Logo, o exemplo de mutualismo entre a soja e as abelhas deve ser expandido e estudado na maior variedade possível de plantas agrícolas, diferentes cultivares e com diversidade de espécies de abelhas, uma vez que se comprovado benefício para ambos, a sociedade pode usufruir de produtos com maior qualidade e quantidade, além da produção se tornar sustentável, contribuindo para conservação e manutenção da fauna e da flora.
Referências:
CONAB. Acompanhamento da safra brasileira de grãos. 5(10), 2018.
Garibaldi, L.A.; Steffan-Dewenter, I.; Winfree, R.; Aizen, M.A.; Bommarco, R.; Cunningham, A.S. et al. Wild pollinators enhance fruit set of crops regardless of honey bee abundance. Science, 339, 1608–1611, 2013.
Santos, P.R., Cecílio, R.; Roggia, S.; Rossoni, D.F.; Toledo, V.A.A. Africanized honeybee and its contribution to soybean yield in Brazil. American Journal of Agricultural Research, 4(45), 2019.