Produção de dietas fermentadas para abelhas Apis mellifera utilizando inoculantes comerciais para silagens

Juliana Pereira Lisboa Mohallem PAIVA1; Michelle Manfrini MORAIS2
1 Universidade Federal de São Paulo, Instituto de Ciência e Tecnologia, 12231-280, São José dos Campos, SP, Brazil, e-mail: jplbiologia@gmail.com
2 Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Ecologia e Evolução, 09920-000, Diadema, SP, Brazil, e-mail: michelle.manfrini@unifesp.br

Introdução

A oferta de métodos alternativos de alimentação dos enxames durante períodos de escassez consiste em um problema persistente na Apicultura brasileira, especialmente com relação à formulação e oferecimento de dietas alimentares capazes de suprir as necessidades dos animais e que sejam ao mesmo tempo palatáveis, atrativas e de custo acessível ao produtor (Morais et al, 2013, Paiva et al, 2019). Considerar também o fato de que as abelhas preferem alimentos fermentados, por serem mais próximos ao alimento natural (beebread ou pão de abelha) e mais atrativos do que os alimentos não fermentados (Ellis e Hayes, 2009), pode se tornar um obstáculo na elaboração e produção de dietas artificiais, por necessitar de maior atenção na escolha de ingredientes e microrganismos capazes de fermentar o produto de maneira eficiente.

Para a formulação de dietas eficazes e que atendam às necessidades nutricionais das abelhas, é de grande importância a correta escolha dos ingredientes, priorizando produtos de maior disponibilidade e baixo custo ao produtor, como farelo de soja, farelo de trigo, milho, levedura de cana e outros insumos já utilizados na propriedade rural, obtendo um produto final mais acessível. Ao adicionar a estas misturas cepas de bactérias e outros organismos fermentadores, como as leveduras, obtém-se um alimento pastoso, adocicado e extremamente aromático, capaz de atrair as abelhas e induzir o seu consumo. A utilização de microrganismos isolados do beebread para a fermentação de rações para abelhas tem se mostrado eficaz na produção de alimentos mais aceitáveis pelos animais (Almeida et al, 2018), entretanto, esses inóculos se mostram muito variáveis e de difícil padronização. Assim, a utilização de linhagens microbianas conhecidas, especialmente aquelas obtidas de inoculantes comerciais para silagens, possibilita maior controle do processo fermentativo, padronizando o processo de obtenção desses alimentos fermentados, especialmente visando uma produção de rações fermentadas para abelhas em larga escala. Outra vantagem na utilização de cepas de inoculantes comerciais é a produção desses alimentos de uma forma mais segura (Paiva et al, 2019).

A recomendação seria o oferecimento da dieta artificial nos períodos de menor oferta de pólen na natureza, evitando a perda dos enxames por enfraquecimento e fome e alcançando também a melhora na produtividade.

Procedimento experimental

Tabela 1: Composição da ração utilizada nos experimentos
Tabela 1: Composição da ração utilizada nos experimentos

Assim, este trabalho realizou a produção de uma ração (dieta) fermentada para abelhas Apis mellifera em laboratório na Universidade Federal de São Paulo, utilizando microrganismos presentes em inoculantes comerciais de silagem (Kerasil, contendo apenas bactérias para a ração K e Kerasil + Supersile, consórcio de inoculantes contendo bactérias e fungos, para a ração KS), obtendo rações K e KS (tabela 1 e figura 1) mantidas em estufa a 37ºC com diferentes períodos fermentativos (7, 14 e 28 dias).

Essas rações foram oferecidas para abelhas operárias confinadas em gaiolas, mantidas em estufa no laboratório, com 60 animais em cada, com 7 repetições para os seguintes tratamentos: Controle Positivo C+ (beebread), Controle Negativo C- (apenas solução de sacarose 50%), Controle Fresca (ração não fermentada) e rações fermentadas K e KS de 7, 14 e 28 dias, trocando o alimento no 4º dia e pesando as sobras no 4º e 7ºdia. Após 7 dias, foram coletadas amostras de hemolinfa de 20 abelhas/gaiola, para a quantificação de proteínas por Bradford e perfil eletroforético por SDS Page. Amostras das rações também foram submetidas a análises Bromatológicas.

Figura 1: Ração Fresca (a) e Ração Fermentada (b). Nota-se o aspecto aerado após a fermentação, pela liberação de gases. Imagens do autor.
Figura 1: Ração Fresca (a) e Ração Fermentada (b). Nota-se o aspecto aerado após a fermentação, pela liberação de gases. Imagens do autor.

Resultados e discussão

Os dados obtidos mostraram que as rações K e KS de 7 dias obtiveram os melhores resultados de consumo quando comparadas com a ração fresca e com o beebread; todas as rações fermentadas apresentaram maior consumo do que a ração fresca. As rações K e KS de 7 dias também apresentaram maiores títulos de proteína na hemolinfa das abelhas, porém esses valores foram menores do que os do beebread, entretanto, todas as abelhas que comeram as rações fermentadas (exceto a K de 28 dias) apresentaram maiores títulos de proteína na hemolinfa, quando comparadas com as abelhas que não consumiram nenhum alimento proteico (controle negativo e dia 0).

Os resultados da bromatologia mostraram que as rações fermentadas são nutritivas e próximas ao alimento natural (beebread) nos teores de proteína bruta, matéria mineral e fibra bruta, tendo menores teores de extrato etéreo. A corrida eletroforética apresentou um perfil de proteínas compatível com uma boa expressão proteica na hemolinfa dos animais que consumiram as rações fermentadas, comparando com os animais sem nenhum alimento proteico. Sendo assim, pode-se concluir que a fermentação de rações utilizando microrganismos oriundos de inoculantes comerciais para silagens mostrou-se uma alternativa viável na produção de alimentos suplementares nutritivos e atrativos para as abelhas A. mellifera.

Conclusão

O uso de linhagens comerciais de microrganismos ajuda a padronizar o processo de fermentação e seria útil para a produção em escala comercial. Outras opções que usam microrganismos de beebread são fortemente variáveis ​​em vários aspectos, incluindo estação do ano, espécie de pólen e a possibilidade de transmissão de doenças através do inóculo (Gilliam et al. 1990). Outra vantagem do processo é a utilização de organismos liofilizados, evitando a necessidade de preparo do inóculo, processo que geralmente leva de 10 a 14 dias antes do início da fermentação das dietas, conforme proposto por Almeida et al., 2018. Porém, uma das vantagens mais importantes em nosso processo é a redução do tempo necessário para fermentar a dieta, uma vez que os procedimentos descritos na literatura levam de 17 a 28 dias (Ellis e Hayes 2009; Almeida et al. 2018), enquanto nossa dieta está pronta para uso depois de apenas sete dias. Importante lembrar, que esses experimentos foram testados em laboratório e mesmo que ganhos tenham sido observados, informamos que os testes em campo ainda são necessários serem executados.

Referências

Almeida, J.M.V., Morais, M.M., Francoy, T.M., Pereira, R.M., Turcatto, A.P and De Jong, D. (2018). Fermentation of a pollen substitute diet with beebread microorganisms increases diet consumption and hemolymph protein levels of honeybees (Hymenoptera: Apidae). Sociobiology 65(4): 760-765, Special Issue.

Ellis, A.M., Hayes, Jr, G.W. (2009). An evaluation of fresh versus fermented diets for honeybees (Apis mellifera). Journal of Apicultural Research 48 (3): 215-216.

Gilliam, M., Roubik, D.W., Lorenz, B.J. (1990). Microorganisms associated with pollen, honey, and brood provisions in the nest of a stingless bee, Melipona fasciata. Apidologie 21 (2): 89-97.

Morais, M.M., Turcatto, A.P., Francoy, T.M., Gonçalves, L.S., Cappelari, F.A., De Jong, D. (2013). Evaluation of inexpensive pollen substitute diets through quantification of haemolymph proteins. Journal of Apicultural Research 52 (3): 119-121.

Paiva, J.P.L.M., Esposito, E., de Morais Honorato De Souza, G.I. Francoy, T.M., Morais, M.M. (2019). Effects of ensiling on the quality of protein supplements for honey bees Apis mellifera. Apidologie 50: 414–424.