Contaminação do mel do mundo pelos neonicotinóides – quais as implicações para os apicultores?

(Contamination of world honey by neonicotinoids – what implications for beekeepers?)
Aebi A.1, 2, Mulhauser B.3, Glauser G.4 et Mitchell E.A.D.1

*Correspondência: alexandre.aebi@unine.ch

1Laboratório de Biodiversidade do Solo, Universidade de Neuchâtel (Laboratory of Soil Biodiversity, University of Neuchâtel), Rue Emile-Argand 11, 2000 Neuchâtel, Suisse

2Instituto de Etnologia, Universidade de Neuchâtel (Institute of Ethnology, University of Neuchâtel), Rue Saint-Nicolas 4, 2000 Neuchâtel, Suisse

3Jardim Botânico de Neuchâtel (Botanical Garden of Neuchâtel), Pertuis-du-Sault 58, 2000 Neuchâtel, Suisse

4Plataforma de Neuchâtel de Química Analítica, Universidade de Neuchâtel (Neuchâtel Platform of Analytical Chemistry, University of Neuchâtel), Avenue de Bellevaux 51, 2000 Neuchâtel, Suisse.

Resumo expandido “Adaptado de E. A. D. Mitchell et al., “A Worldwide Survey of Neonicotinoids in Honey” Science 06 Oct 2017: Vol. 358, Issue 6359, pp. 109-111 (DOI: 10.1126/science.aan3684)

http://science.sciencemag.org/content/358/6359/109

Reimpresso com permissão da AAAS.”

Tradução: Alcides Faria e Iasmim Amiden (Ecoa – Ecologia e Ação)

Três quartos do mel do mundo contêm neonicotinóides, uma família de pesticidas conhecida por seu papel no declínio das abelhas. Este é o resultado de um estudo publicado por um grupo interdisciplinar da Universidade de Neuchâtel e do Jardim Botânico de Neuchâtel, Suíça. Embora as concentrações medidas estejam abaixo do máximo autorizado para consumo humano, os níveis são alarmantes para as abelhas.

Resumo

O declínio mundial de polinizadores está ameaçando os serviços ecossistêmicos que eles proveem e a biodiversidade que é deles dependente. Embora se acredite que, no caso das abelhas, a responsabilidade por esse declínio seja causada pelos pesticidas neonicotinóides, não se tinha até recentemente um estudo em escala global que permitisse medir a exposição dos insetos a essas substâncias.

Em um estudo publicado em outubro de 2017 na revista Science, a Universidade de Neuchâtel e o Jardim Botânico de Neuchâtel analisaram 198 amostras de mel de todo o mundo e descobriram que 75% destas amostras continham pelo menos um dos cinco compostos testados (acetamiprida, clotianidina, imidacloripride, tiacloripride e tiametoxam). Quarenta e cinco por cento das amostras continham dois ou mais e 10%, quatro ou cinco compostos.

Estes resultados confirmam que a maioria das abelhas está exposta aos neonicotinóides em todo o mundo. Embora as concentrações medidas estejam abaixo dos níveis considerados prejudiciais para consumo humano (valor médio de 1,8 ng/g), quase metade (48%) das amostras excedeu a 0,10 ng/g, valor para o qual foi demonstrado efeito negativo para as abelhas.

Por essa razão, o estudo não coloca em questão a qualidade do mel, mas os resultados são alarmantes para as abelhas – e, portanto, para a apicultura – porque a maioria está exposta aos pesticidas. Com base no estudo, o uso de neonicotinóides não é compatível com a manutenção a longo prazo das populações de abelhas, o que deve encorajar os apicultores a exigirem a proibição desta categoria de pesticidas.

Os neonicotinóides surgiram no mercado de pesticidas em 1995 e, hoje, são os mais usados ​​no mundo. Eles atuam no sistema nervoso central de insetos (incluindo abelhas e borboletas), afetando também seus predadores. Milhares de vezes mais tóxicos que o DDT, contaminam cada vez mais os ecossistemas terrestres e aquáticos. São frequentemente usados ​​como revestimento de sementes, sendo absorvidos pelas plantas durante seu crescimento e distribuídos para todos os órgãos, incluindo as flores. Pólen e néctar são, portanto, contaminados, envenenando assim os polinizadores. Os apicultores consideram essas moléculas, também chamadas de “pesticidas sistêmicos”, como um fator-chave responsável pelo declínio das colônias de abelhas.

Efeito negativo em polinizadores

Dezenas de estudos científicos que descrevem o impacto de neonicotinóides nas abelhas, tanto domesticadas como silvestres, mostraram que concentrações muito baixas (tão baixas quanto 0,10 ng/g), subletais – que não matam diretamente os organismos – podem ter efeitos prejudiciais significativos, pois afetam o comportamento, a fisiologia e a reprodução dos animais: o desenvolvimento é prejudicado; ocorre redução da eficiência do sistema imunológico, das funções respiratórias e reprodutivas; surgem distúrbios neurológicos ou cognitivos; se tem menor sobrevivência das rainhas; menor capacidade de coleta de pólen e néctar e baixa capacidade para encontrar o caminho de volta para a colmeia. Estes efeitos resultam na perda de colônias de abelhas, as quais ficam debilitadas para o combate a outros agentes de estresse como patógenos, ácaro Varroa, etc.

O estudo foi realizado através de um projeto de Ciência Cidadã

Até a realização do estudo os pesquisadores não conheciam as concentrações nem a distribuição mundial das moléculas dos neonicotinóides, informações essenciais na avaliação do risco para diferentes organismos. Para preencher essa lacuna de conhecimento, os autores mediram a concentração de cinco neonicotinóides no mel de todo o mundo, obtendo amostras de cinco continentes através de um projeto de Ciência Cidadã. Durante quatro anos, 100 voluntários trouxeram potes de mel de diferentes regiões, preferencialmente mel de pequenos produtores e com a origem geográfica claramente indicada.

Por que analisar o mel?

Como coletam néctar e pólen a uma distância de até 12 km de sua colmeia, as abelhas são sentinelas ambientais altamente eficientes. Traços de pesticidas detectados no mel de uma colmeia constituem um bom indicador dos níveis de contaminação no ambiente circundante. Além disso, é fácil obter amostras de mel de praticamente todas as regiões do Planeta.

Uma equipe multidisciplinar

O estudo foi realizado pela Universidade de Neuchâtel e pelo Jardim Botânico de Neuchâtel, na Suíça. Um total de 198 amostras de todos os continentes (exceto a Antártida) e muitas ilhas oceânicas foram analisadas na Plataforma de Química Analítica de Neuchâtel (NPAC), um centro de suporte para a comunidade acadêmica. Graças ao seu espectrômetro de massa tandem extremamente sensível, acoplado a um cromatógrafo líquido, o laboratório pode detectar moléculas com uma precisão de uma parte em dez bilhões ou menos. Com a colaboração do NPAC, os autores analisaram as amostras quanto a traços dos cinco neonicotinóides mais comuns (acetamiprida, clotianidina, imidacloripride, tiacloripride e tiametoxam).

Um fenômeno global

A frequência na detecção de neonicotinóides varia consideravelmente, dependendo do tipo usado em cada região. O imidacloripride é a molécula dominante em amostras de mel da África e da América do Sul; o tiacloripride é muito frequente na Europa; o acetamiprida na Ásia e o tiametoxam na Oceania e na América do Norte. Em cada continente pelo menos um neonicotinóide foi encontrado em 25% das amostras e três moléculas (tiametoxam, imidacloripride e clotianidina) em metade das amostras da América do Norte.

O estudo revela um problema global que afeta diretamente as abelhas e, consequentemente, os apicultores. Mas, não tem a intenção de criticar os produtores de mel e, por essa razão, seus nomes não foram divulgados e apenas as coordenadas aproximadas foram publicadas.

Os pesquisadores ressaltam que, embora a amostragem permita estabelecer um mapa do problema em escala global, não se pretendeu discutir contaminação na escala de um país ou região. Para cada um dos 80 países incluídos no estudo, apenas algumas amostras foram analisadas, não sendo, portanto, possível comparar os níveis de contaminação entre países.

As concentrações medidas são consideradas inofensivas para a saúde humana

O nível máximo de resíduos autorizado para alimentação pela União Europeia não foi atingido por nenhum dos cinco neonicotinóides testados (50 ng/g para acetamiprida, imidacloripride e tiacloripride e 10 ng/g para clotianidina e tiametoxam). O valor máximo – soma dos cinco compostos testados – excedeu este limite para duas amostras: máximo = 56 ng/g. Com base na legislação atual da União Europeia, a maioria das amostras estudadas é, portanto, considerada segura para consumo humano.

Risco alarmante para as abelhas

A situação é muito preocupante para as abelhas: a concentração mínima para a qual um significativo impacto negativo sobre as abelhas foi demonstrado experimentalmente é de 0,10 ng/g. Esse valor foi excedido em 48% das amostras analisadas, resultado indicativo de que uma proporção importante dos polinizadores mundiais é afetada por um ou vários neonicotinóides. O fato de que 45% das amostras continham um coquetel de duas ou mais moléculas é preocupante, pois estudos que documentam o “efeito de coquetel” sugerem que o impacto das exposições múltiplas é maior do que a soma dos efeitos individuais.

O uso de pesticidas é questionado no campo político

Hoje, a pertinência do uso desses pesticidas é questionada na França, onde sua proibição total foi votada pela Assembleia Nacional depois de um grande esforço dos apicultores para sensibilizar a opinião pública.

Em outras partes do mundo os avaliadores de risco e os tomadores de decisão ainda hesitam em reconsiderar os riscos e benefícios do uso de neonicotinóides. O estudo estabeleceu uma lista dos coquetéis que são observados com mais frequência. Agora parece pertinente testar o efeito desses coquetéis na ordem em que eles são encontrados no ambiente, mas para alcançar este objetivo, é essencial que as autoridades nacionais responsáveis ​​pela agricultura publiquem os dados sobre o uso de pesticidas em seu território, que até o momento permanecem confidenciais. Ter acesso a essas informações é um pré-requisito para que os cientistas estabeleçam relações causais entre as concentrações de pesticidas e os efeitos sobre as abelhas em escala local.