História da família Zoravo 100 anos de apicultura
A apicultura brasileira começou, na prática, em 1839, quando o Príncipe Regente D. Pedro II assinou o Decreto Lei nº 72 de 12 de julho de 1839, dando condições para que o Padre Antônio Pinto Carneiro pudesse importar abelhas da Europa e da Costa da África para a província do Rio de Janeiro. A finalidade era produzir cera para a fabricação de velas, uma vez que a importação desse material da Europa estava ficando muito cara.
Paulo Nogueira Neto, em minucioso estudo sobre o assunto escreve: “Procurando dados sobre o início da Apicultura no Brasil estive na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e tive a sorte de encontrar lá a tese impressa que Francisco Antônio Marques apresentou em 1845 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Sobre a Apis mellífera entre outras coisas, esse autor disse: “Antes de 1839 eram totalmente desconhecidas e foi o Rev. Antônio Carneiro quem primeiro mandou vir da Europa”, ” ele as colocou no sitio da Praia Formosa onde estabeleceu seu colmeal e dessas, 9 (nove) morreram, porém, foi tal a sua reprodução que no mesmo ano, possuía perto de cinquenta, e em 1841 quando ele as ofereceu a Sua Majestade, enviando-as para a Imperial Quinta, esse número havia subido a duzentas e tanto”. “Desde então muitas pessoas entregaram-se à sua cultura”. (Nova Apicultura – Helmuth Wiese – 7ª ed.)
Em 1916, no bairro de Vila Mariana – Cidade de São Paulo, Antônio Zovaro de nacionalidade italiana, nascido em 08/09/1892, na cidade de Arsiero, região de Vicenza, que chegou ao Brasil em 1908, iniciou sua atividade apícola, montando um apiário nas imediações da Rua Lins de Vasconcelos e do Cemitério da Vila Mariana em São Paulo.
Segundo suas informações, as abelhas foram adquiridas de um apicultor também de origem italiana, que tinha apiário no bairro do Cambuci.
Nessa época, já estava casado com Ida Lenci Zovaro e tinha dois filhos, Luiz e Casemiro.
Com a morte da esposa em 1918, motivada pela Gripe Espanhola, (epidemia na época), transferiu-se para Caieiras, cidade localizada 35 km a noroeste da cidade de São Paulo.
Em Caieiras constituiu nova família e teve ao todo 10 filhos, sendo quatro homens e seis mulheres. Os três primeiros foram homens e com a primeira mulher.
Dentre os filhos, Luiz Zovaro foi quem deu continuidade a apicultura, passando posteriormente para seu filho Radamés Zovaro, terceira geração da família.
Naquela época, a preocupação era produção de mel, e o que mais se vendia era mel em favo. Bom ponto de vendas eram as paradas de trem na estação de Caieiras da Estrada de Ferro SPR – São Paulo Railway, hoje CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos) ou nas proximidades do Cemitério nos dias de Finados.
A abelha que existia na época era a Apis mellífera mellífera, também chamada de abelha alemã ou abelha preta.
Com a idade de 10 anos, Luiz já iniciava na apicultura ajudando seu pai no trabalho com as abelhas.
Em 1936, Antônio Zovaro resolveu importar algumas abelhas-rainhas da Italiana espécie Apis mellífera ligústica. Elas vieram em pequenas caixas com 4 (quatro) favos de mel, pólen e cria, a rainha e aproximadamente umas 300 abelhas.
A viagem de navio durou 32 dias.
Acredita-se que Antônio Zovaro foi o primeiro a introduzir abelhas italianas (Apis mellífera ligústica) no Estado de São Paulo. Iniciou-se um processo de italianização dos apiários e para que isso fosse possível passou a fornecer rainhas para apiários vizinhos com a finalidade de conseguir zangões também italianos para as fecundações.
De 1939 até 1941, Luiz Zovaro mudou-se para a cidade de São Carlos – SP, contratado para montar apiários, no total de 500 colmeias, na Fazenda Santa Barbara, de propriedade de uma família síria, que também possuía uma das maiores indústrias de tecelagem em São Paulo.
A produção em 1941 foi de 22 toneladas, segundo o que falavam, toda exportada para a Síria.
Em 1942, Luiz Zovaro casou-se com Hilda Degrandi Zovaro, com quem teve dois filhos, Radamés e Aida Maria. Iniciou uma nova vida também em Caieiras, com apiário próprio, e tanto Luiz como seu pai Antônio passaram a preocupar-se com a produção de rainhas e vendas de enxames de abelhas italianas. Havia uma concorrência, porém, uma concorrência em casa, sem competitividade.
Na época, a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo promovia grandes exposições de animais no Parque Fernando Costa, também conhecido como parque da Água Branca, na cidade de São Paulo. Nessas exposições, grandes produtores de animais, como gado, gado leiteiro, cavalos, caprinos, ovinos, pássaros e outros, incluindo abelhas, participavam e concorriam a prêmios.
Na área da Apicultura, a Secretaria tinha uma boa estrutura no Parque, havia um setor especifico para apicultura, com cursos, orientação, moldagem de cera, inclusive havia um apiário dentro do Parque, de propriedade da própria Secretária.
Os prêmios na área de Apicultura eram para Abelhas mellíferas, melíponas, cera bruta, cera alveolada, mel, materiais de apicultura e estande. Com exceção a materiais apícolas, o grande vencedor era a Fundição Barbosa, uma fábrica localizada na cidade de Limeira – SP, que produzia materiais de apicultura de excelente qualidade, batendo fácil no tocante à qualidade, acabamento, especificações, do que temos hoje no mercado, exceção feita a centrifugas e decantadores, que eram feitas com chapas galvanizadas, pois não se pensava em aço inox na época. Quanto aos outros prêmios, eram ganhos por Antônio Zovaro e Luiz Zovaro, sendo sempre um em 1º lugar e o outro com o 2º ou vice-versa.
Essas exposições na área apícola foram até 1964, quando deixaram de existir em função da entrada das abelhas africanas.
A preocupação na época era a produção de rainhas e enxames, sendo que a venda era feita para todo o Brasil, porém, a apicultura no Brasil, com poucas exceções, praticamente só existia nos estados do Sul e Sudeste, justamente em função da colonização feita pelos europeus.
O transporte de rainhas era através do correio, porém o transporte de enxames era feito através da Estrada de Ferro SPR (São Paulo Railway), fazendo baldeações para outras estradas de ferro existentes até o destino.
As caixas de transporte eram para 3 quadros, com ventilação, sistema de encaixe dos quadros para evitar movimentação dos mesmos. As caixas iam com os enxames e voltavam vazias, sendo perfeitamente reaproveitadas para novas viagens.
Em 1946, Antônio conseguiu importar um cilindro alveolador da Alemanha, porém, antes ele e Luiz conseguiram fazer um cilindro alveolador nas Oficinas da empresa que trabalhavam.
Luiz havia feito um curso de desenho e era modelador (fazia peças em madeira para serem fundidas em metal). Eles conseguiram fundir um cilindro tendo como modelo uma lâmina de cera alveolada.
Funcionou por algum tempo, porém, com a chegada do cilindro novo da Alemanha, encostaram o antigo, que depois foi vendido para um Seminário, localizado em um dos estados do Nordeste.
Na década de 1950, Luiz exportou rainhas Apis melífera ligústica para a Argentina, Chile Paraguai e Estados Unidos.
Em 1951, Luiz Zovaro montou uma fábrica de materiais para apicultura, fabricando toda a linha de materiais.
Radamés Zovaro começou cedo na apicultura, por volta de seus 12 anos já possuía algumas colmeias cedidas pelo seu pai, porém, com a chegada das africanas, teve que diminuir a atividade, indo trabalhar em outra empresa fora do ramo. Voltou no início da década de 80 e, em 1984, montou com seu pai a Zovaro Comercial Agro Apis Ltda., que posteriormente recebeu como sócio o genro e cunhado Rhene Freitas de Andrade.
No início da década de 1960, as abelhas africanas, que foram introduzidas no Brasil em 1956, já haviam atingido a cidade de Caieiras, e a imprensa de São Paulo publicava em letras garrafais nas primeiras páginas dos jornais os acidentes que as abelhas estavam provocando na sociedade. Isso afugentou a população a criar abelhas, e a venda de enxames e materiais apícolas teve uma queda violenta, havendo um hiato de mais de 10 anos sem comercialização de materiais apícolas e abelhas. A empresa de materiais apícolas fechou em 1972, a concorrente Fundição Barbosa fechou em 1970.
Antônio Zovaro, com uma idade já um pouco avançada, parou com todo o projeto apícola. Luiz Zovaro tentou de todas as formas manter a raça de abelhas italianas, importando mais de 1.000 rainhas da Itália região de Bolonha, porém todas as F1, ou seja, Rainhas filhas de Italianas legitimas, já fecundavam com os zangões africanos.
Como a cor da africana confundia um pouco com as italianas, Luiz resolveu importar abelha rainha carnica (Apis mellifera carnica) da Áustria, já que a coloração acinzentada diferenciava da Italiana, porém o resultado foi o mesmo, não conseguiu manter a espécie. Como última tentativa conseguiu que um amigo importasse da Alemanha um aparelho de Inseminação Artificial. Montou o laboratório, comprando Esteriomicroscópio, fez um curso de Inseminação com o Prof. Kerr e Lionel Gonçalves, na USP de Ribeirão Preto. Começou um processo de fecundação por inseminação artificial. (Talvez o único equipamento no Brasil de propriedade de um particular na época).
As inseminações talvez, por deficiência de operação ou do equipamento, faziam com que as rainhas não durassem mais do que 4 meses, aumentando em muito os custos, e com esse problema o projeto fracassou. Muito dinheiro na época foi investido. A africanização da apicultura deu um prejuízo financeiro muito grande à família, porem Luiz nunca desanimou, e continuou a trabalhar com as abelhas até próximo ao fim de sua vida.
Participou de inúmeros Congressos junto com Radamés, sendo o primeiro na cidade de Florianópolis – SC em 1970. Com uma dificuldade enorme para chegar, visto que a BR-116 que liga São Paulo a Curitiba, estar interditada por motivo de guerrilha na região do Vale do Ribeira, enfim chegou-se ao destino com uma viagem que durou 20 horas.
O tema do Congresso foi – “Métodos para se conseguir trabalhar com abelhas africanas”, posteriormente a esse Congresso participou de outros, como em Piracicaba, Curitiba, Viçosa, etc.
De todos os Congressos realizados no Brasil em um total de 21, Radamés participou de 20, em muitos deles como palestrante, e em alguns como expositor na feira de Produtos Apícolas O único Congresso que não participou foi em 1996 na cidade de Teresina – PI.
Dos Congressos a nível internacional promovidos pela APIMONDIA, também Radamés teve participação de alguns como no Rio de Janeiro (1989); Lauzane/Suíça (1995); Melbourne/Austrália (2007): Buenos Aires/Argentina (2011) e Daejeon/Coreia do Sul (2015).
No final da década de 1970, começou um interesse pelo consumo de produtos naturais, e o mel começou a ocupar um novo espaço.
O interesse para criar abelhas já com desenvolvimento de vestimentas, fumegador grande, a Apicultura começou a tomar novo impulso. A empresa Zovaro Comercial Agro Apis Ltda., criada em 1984, se desenvolveu na área de processamento de cera, dando prioridade à produção e comercialização da cera bruta e a alveolada, comercialização de materiais e equipamentos apícolas, além de promover cursos de apicultura. Com novo ânimo, Radamés se desenvolveu mais na parte de cera, e em dar palestras sobre orientação apícola em simpósios, congressos, além de escrever e publicar o livro “Cera de Abelha – Beneficiamento, Produção e Utilização”.
Dentro do Associativismo apícola Luiz e Radamés sempre estavam presentes. Participaram da fundação, em 1968, da Associação Bandeirantes de Apicultura (ABA) encerrada em 1973; Radamés participou em 1985 da criação da União dos Apicultores do Estado de São Paulo, que fechou em 1990; hoje Radamés é Diretor Técnico da APACAME (Associação Paulista dos Criadores de Abelhas Melliferas Europeias). Luiz também registrou os seus apiários na CBA (Confederação Brasileira de Apicultura) em 1985.
Antônio Zovaro faleceu em 1979, foi muito homenageado em sua vida, não só no Estado de São Paulo, mas também em outros Estados.
Luiz Zovaro faleceu em 2003, além dos prêmios conquistados ao longo do tempo, foi honrado com o título de Sócio Honorário da AMA – Associação Modelo de Apicultura – Pindamonhangaba/1983 e Honra ao Mérito em 1987 dado pela Câmara Municipal do Município de Caieiras por serviços prestados à comunidade, foi homenageado em 1987 em uma palestra realizada na APCAME. Teve seu nome estampado na revista Time, edição nº 35 de 26/09/1965, em uma reportagem que foi feita em seus apiários sobre o tema africanização das abelhas, motivo de muito orgulho na época. Foi também homenageado pelo poder público de Caieiras dando nome a uma escola: Escola Municipal de Ensino Fundamental Luiz Zovaro.
A atividade apícola sempre foi muito grande no seio da família, com respeito e profissionalismo aplicado, principalmente na época em que pararam de vender rainhas e enxames, com a finalidade de evitar possíveis acidentes aos compradores, pois a pessoa comprava um enxame de abelhas italianas e quando menos esperava estava com um enxame africano na porta de sua casa; Esta época foi realmente algo que abalou as estruturas da família, principalmente de Luiz, porém com muita força, raça e espírito de luta pelo direito e honestidade, conseguiu galhardamente superar a fase.
A lembrança do trabalho, o conhecimento, a facilidade de resolver problemas de manejo com as abelhas era digna de mestres da arte apícola.
Pelo zumbido de uma abelha conhecia-se o grau de agressividade da colmeia e pela simplicidade como faziam as criações artificiais de rainhas enchia os olhos pela leveza e harmonia dos movimentos. A forma de se expressar de Antônio e Luiz, falando sobre a abelha mostrando fotografias, realmente era uma injeção de ânimo para as pessoas que estavam ouvindo e começavam a gostar da Apicultura. Muitos foram seus alunos, alguns pararam, outros continuaram, mas quando nos encontramos sempre ouvimos boas lembranças e recordações.
Particularidades:
A família Zovaro sempre teve preocupação em saber e acompanhar como andava ou anda a apicultura de acordo com a época. As atualizações sempre foram feitas através da leitura, informações de livros, jornais, revistas, simpósios, congressos, etc. Os artigos publicados sobre apicultura, pela imprensa jornalística ou revistas, sempre foi e continua sendo motivo de leitura e em alguns casos de maior interesse, a guarda desses em arquivos.
No decorrer dos anos foram associados de mais de 30 Jornais e Revistas apícolas editados em vários estados, citamos algumas:
Jornais – Sítios e Fazenda – São Paulo/SP – 1950; Boletim Apícola – Limeira/SP – 1958: O Abelhudo – Piracicaba/SP – 1958; O Ferrão – São Paulo/SP -1969; O Apiário – Apis Rio – Rio de Janeiro/RJ – 1977; Correio do Apicultor – Ibitinga (SP) 1981; Favo – São Leopoldo/RS – 1991; Zangão – Taubaté/SP 1996. etc.
Revistas podemos citar:
Brasil Apícola – Rio de Janeiro/RJ – 1959; Apis Divulgações – Curitiba/PR – 1982; Apicultura no Brasil – São Paulo/SP – 1986; Apicultura e Polinização – São Paulo/SP – 1989;; Revista Brasileira de Apicultura – São Paulo/SP – 1991: Abelha Rainha – Rio de Janeiro/RJ – 1996: O Apiário – Rio de Janeiro/RJ – 2001.
Hoje a empresa continua recebendo 2 (duas) revistas: a Mensagem Doce (Apacame – São Paulo) e Zum Zum – (Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina).
No tocante a apostilas de cursos e produtos apícolas encontram-se catalogadas mais de 30 unidades.
Em termos de livros apícolas nossa biblioteca tem catalogados um total de 234 (duzentos e trinta e quatro), somente de apicultura editados no Brasil, Argentina, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Estados Unidos.
O livro mais antigo foi editado em Lisboa/Portugal em 1920 – A vida das Abelhas – Mauricio Monterlnk.
Os 2 livros mais antigos do Brasil são:
O apicultor Brasileiro – Emilio Schelk – 1925
Cartilha do Apicultor Brasileiro – Pe. Dom Amaro Van Emelem – 1934.
Uma quantidade enorme de materiais publicitários, jornais e folhetos de publicidade apícola adquiridos em Congressos, Simpósios e mesmo enviadas pelos correios encontram-se arquivados.