Unesp de Botucatu apresenta soro antiveneno de abelhas

Cláudio Soares – Imprensa Oficial SP – Conteúdo Editorial

Pesquisadores apresentaram, o soro antiapílico, primeiro tratamento específico contra o veneno de abelhas africanizadas – as mais comuns no Brasil. A substância, que passará a ser testada em seres humanos, foi desenvolvida por cientistas do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp de Botucatu, em parceria com o Instituto Vital Brazil, de Niterói (RJ).soro-antiveneno-de-abelhas

“Foram cerca de 12 anos de pesquisa básica, realizando testes em animais ou in vitro, para estudarmos o produto e concluirmos que pode ser testado em humanos”, relata o professor Rui Seabra Ferreira Jr., coordenador executivo do Cevap. Ele avalia que “a grande transformação no projeto foi o fato de um instituto soroprodutor, o Vital Brazil, abraçar a ideia”. Esse instituto é vinculado à Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro.

Recursos

O projeto é apoiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde (MS) e, depois de ser analisado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) – ligada ao Conselho Nacional de Saúde –, recebeu a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o teste em pessoas.

Os recursos financeiros do MS, a partir de 2013, possibilitaram o ensaio clínico do soro. A Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp ingressou também no trabalho, e um de seus integrantes, Alexandre Naime Barbosa, é o médico responsável.

O investimento somado das três instituições (Cevap-Unesp, Instituto Vital Brazil e MS) foi de aproximadamente R$ 2 milhões. “Com isso conseguimos superar a dificuldade principal em iniciativas desse tipo, que é fazer a pesquisa básica chegar à pesquisa aplicada, para levar os serviços à população”, diz Ferreira Jr.

Exportação

Dados do MS indicam que, em 2013, houve 10,8 mil envenenamentos e 40 mortes, no Brasil, em decorrência de ataques das abelhas africanizadas. Como a notificação de casos não é obrigatória, especialistas estimam que possa haver anualmente até 15 mil ataques, com 140 óbitos. As abelhas africanizadas são um híbrido, resultado do cruzamento, no Brasil, entre subespécies da Apis mellifera trazidas da Europa desde o tempo do Brasil Colônia e outras subespécies da mesma abelha que vieram da África há cerca de 60 anos. Espalhando-se desde 1957, a partir do Estado de São Paulo, as africanizadas estão presentes atualmente em quase todo o continente americano, com exceção de poucos países, como o Chile e o Canadá.

Essas abelhas têm como característica o alto grau de defensividade, ou seja, atacam sempre que ocorre uma situação considerada de perigo. Isso dá origem a diversos acidentes. Estima-se que as abelhas africanizadas respondam por 8% dos acidentes causados por animais peçonhentos no País.

Ferreira Jr. chama a atenção para o fato de que o soro antiveneno, além de potencialmente salvar dezenas de vidas a cada ano em território brasileiro, poderá tornar-se um produto de exportação para as demais nações da América que sofrem os efeitos dos ataques.

Ajustes

Quando um adulto é picado por mais de 200 abelhas, o corpo recebe uma quantidade de veneno suficiente para causar lesões nos rins, no fígado e no coração. Cerca de 500 picadas podem levar à morte.

O soro será aplicado por via intravenosa. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que 10 mililitros da substância serão capazes de neutralizar o veneno de cem abelhas. Com isso, estabeleceram uma posologia de administração do soro antiapílico. Se a pessoa recebeu, por exemplo, entre 5 e 200 picadas, serão administradas duas ampolas do produto. Entre 201 e 600 picadas, seis ampolas, e assim por diante, até o limite de dez ampolas. O período de testes que se iniciará agora servirá, entre outras coisas, para confirmar ou ajustar essa posologia.

Três cidades participarão dos testes: Botucatu (SP), Tubarão (SC) e Uberaba (MG). Os locais foram escolhidos em razão da incidência de ataques de abelhas e da existência de hospitais que atendem aos requisitos da Anvisa. Caso uma pessoa de outra região seja picada, poderá eventualmente ser transportada para um dos hospitais participantes da pesquisa.

Registro

Ferreira Jr. explica: “Inicialmente, será aplicado o soro em 20 pa cientes, para verificar a segurança e se não há nenhuma reação e também para avaliar se a dose está adequada”. Em seguida, os testes passarão a ser feitos com pelo menos 300 pacientes.

O coordenador do Cevap estima em um ano o tempo necessário para obter resultados conclusivos. “A partir da comprovação da eficácia, será solicitado o registro à Anvisa. Com o registro, a substância poderá ser comercializada, e o Sistema Único de Saúde (SUS) terá condições de fornecê-la a quem sofreu picadas de abelhas”, completa. Ferreira Jr. avalia que “o ponto forte desse projeto é ver o estudo de uma universidade pública transformar-se em um produto útil para a sociedade”.

Vídeo sobre o soro está disponível em https://goo.gl/dUszLR.