Cenários de impacto das mudanças climáticas sobre algumas abelhas polinizadoras no Brasil
Tereza Cristina Giannini – Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável – ITVDS & Universidade de São Paulo
As mudanças climáticas vêm provocando modificações nos habitats de várias espécies e, como consequência, alguns casos de alterações nas áreas de distribuição geográfica já foram reportados na literatura científica. As espécies têm buscado encontrar refúgios climáticos movimentando-se em direção a novas latitudes e/ou altitudes, em busca de áreas mais adequadas à sua sobrevivência. Porém, de acordo com os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (ONU), essas mudanças se acentuarão nos próximos anos. Segundo esse Painel, essas mudanças têm sido aceleradas devido principalmente à emissão de gases de efeito estufa, cujo acúmulo na atmosfera tem provocado alterações tanto na temperatura quanto no regime de chuvas.
As mudanças de clima afetam as espécies de diferentes formas, e assim, algumas ferramentas de modelagem de dados foram desenvolvidas para simular o impacto dessas alterações. Uma dessas ferramentas consiste na Modelagem de Distribuição Geográfica (MDG). Nesse tipo de modelagem, as informações sobre os locais de ocorrência para uma certa espécie são combinados com camadas ambientais (por exemplo, temperatura, precipitação, cobertura de solo, altitude) visando gerar um modelo de distribuição geográfica potencial. Esse modelo indica as áreas onde potencialmente a espécie poderia encontrar condições adequadas à sua sobrevivência, considerando-se as características dos locais onde ela já foi encontrada. Essas ferramentas permitem também que seja feita uma projeção da distribuição da espécie para o futuro. Assim, considerando-se as condições ambientais dos locais onde a espécie ocorre atualmente, e onde essas mesmas condições serão encontradas no futuro, é possível ter uma ideia de como a distribuição da espécie irá ser alterada devido às mudanças de clima. Assim, essa ferramenta tem sido cada vez mais utilizada para a análise de cenários de impacto de mudanças de clima.
Alguns trabalhos foram já realizados aqui no Brasil, envolvendo uma parceria entre o Instituto de Biociências e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em 2012 publicamos na revista Ecological Modelling um trabalho analisando a influência da mudança de clima na distribuição de 10 espécies de abelhas (abelhas solitárias e abelhas sem ferrão), responsáveis pela polinização de algumas culturas agrícolas. Das 10 espécies analisadas, 9 apresentavam perda potencial de áreas adequadas para sua ocorrência no futuro, sendo essas perdas maiores ou menores dependendo do tipo de cenário e das características das espécies. Também projetamos os modelos na forma de mapas de distribuição geográfica potencial de cada espécie. Esses mapas são úteis para se observar quais regiões serão importantes refúgios climáticos para as espécies no futuro, ou seja, áreas onde as espécies encontrarão condições adequadas para sobreviver. Essas regiões podem indicar áreas promissoras para programas de proteção de polinizadores.
No ano seguinte, publicamos na revista Agriculture,Ecosystems and Environment, outra análise envolvendo espécies de abelhas polinizadoras das flores do maracujazeiro, uma planta que depende de abelhas para a polinização e, portanto, para a produção de frutos (Quadro 1). Analisamos o impacto da mudança de clima na distribuição de quatro espécies de abelhas carpinteiras (abelhas solitárias do gênero Xylocopa). Além disso, como as flores do maracujazeiro oferecem apenas néctar para as abelhas e apenas durante a florada, incluímos na análise o impacto da mudança de clima em 33 plantas que essas abelhas usam como fonte de alimento. Para a maioria das espécies analisadas também foram encontradas reduções potenciais de habitat. O modelo final mostrava quais áreas seriam as mais promissoras em termos da ocorrência futura dos polinizadores e das plantas visitadas, um resultado que poderia auxiliar na determinação de melhores áreas para a produção de maracujá nos próximos anos. Além disso, os resultados enfatizaram também algumas espécies de plantas que não apresentam reduções em suas áreas de ocorrência no futuro, sendo potencialmente mais resistentes às mudanças. Estas plantas poderiam ser utilizadas para programas de manejo visando garantir fontes de recursos alimentares para as abelhas e assim, auxiliar em programas de proteção de polinizadores.
Também em 2013, publicamos na revista Ecography um estudo desenvolvido em parceria com a Universidade de Leeds (Inglaterra). Esse estudo detalhava o processo metodológico da modelagem de distribuição, visando incluir dados de espécies com as quais as abelhas interagem. Na época, a modelagem de distribuição utilizava apenas dados de clima e a inclusão de dados de ocorrência de outras espécies contribuiu tanto para desenvolver a metodologia, quanto para aprofundar as discussões teóricas sobre as interações entre espécies. Esse artigo foi escolhido pelo editor da revista Ecography como sendo um dos mais interessantes do volume no qual ele foi incluído.
Como mostrado acima, os resultados do impacto da mudança de clima sobre a distribuição das espécies de abelhas são importantes não só por alertar para o problema que as espécies estão enfrentando, mas também para contribuir na identificação das áreas mais adequadas à sua distribuição futura. Essas áreas podem ser então consideradas como importantes refúgios climáticos, e serem alvos de estratégias de conservação e restauração, tais como, proteção da vegetação natural, plantio de espécies que florescem em diferentes épocas do ano e inclusão de ninhos artificiais de diferentes tipos para auxiliar as espécies em seus requisitos por locais adequados para nidificar. Essas práticas podem ajudar as espécies a encontrar recursos e condições ambientais adequadas, contribuindo em sua proteção.
Trabalhos citados
Giannini TC, Acosta AL, Garófalo CA, Saraiva AM, Alves-dos-Santos I, Imperatriz-Fonseca VL. 2012. Pollination services at risk: Bee habitats will decrease owing to climate change in Brazil. Ecological Modelling 244: 127– 131.
Giannini TC, Acosta AL, Silva CI, Oliveira PEAM, Imperatriz-Fonseca VL, Saraiva AM. 2013. Identifying the areas to preserve passion fruit pollination service in Brazilian Tropical Savannas under climate change. Agriculture, Ecosystems and Environment 171: 39– 46.
Giannini TC, Chapman DS, Saraiva AM, Alves-dos-Santos I, Biesmeijer JC. 2013. Improving species distribution models using biotic interactions: a case study of parasites, pollinators and plants. Ecography 36: 649–656.
Giannini TC, Tambosi LR, Acosta AL, Jaffé R, Saraiva AM, Imperatriz-Fonseca VL, Metzger JP. 2015. Safeguarding ecosystem services: a methodological framework to buffer the joint effect of habitat configuration and climate change. PLoS ONE 10(6): e0129225.