Mudanças climáticas poderão reduzir a disponibilidade de polinizadores na Amazônia Oriental
Tereza Cristina Giannini1,2, Wilian França Costa1,3, Rafael Cabral Borges1,2, Leonardo Miranda1, Claudia Priscila Wanzeler da Costa1, Antonio Mauro Saraiva3, Vera Lucia Imperatriz Fonseca3
1 Instituto Tecnológico Vale, Belém, Pará, Brasil
2 Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
3 Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil
Introdução
As mudanças climáticas têm impactado os ecossistemas e sua biodiversidade de forma crescente em todo o globo. Extinções de espécies já foram reportadas e atingem grupos muito variados tanto da flora quanto da fauna. Recentemente, uma grande atenção tem sido direcionada aos insetos, já que estudos mostraram que as mudanças do clima global vêm atuando como responsáveis por uma acentuada redução de sua biodiversidade. Esse é um fato que precisa ser tratado com seriedade e compromisso, pois os insetos estão presentes na cadeia alimentar de vários outros animais, como por exemplo, aves e morcegos, que realizam importantes funções para a manutenção dos ecossistemas, como por exemplo, a dispersão de sementes. Além disso, muitas espécies de insetos estão diretamente envolvidas na manutenção dos ecossistemas através da ciclagem de nutrientes e da polinização. Os insetos são o principal grupo de animais polinizadores, e a polinização é uma função que é imprescindível de ser executada, já que muitas plantas dependem de polinização para produzir frutos e sementes que, além de servir de alimento para muitos animais, estão na base da agricultura e garantem o fornecimento de alimento para as pessoas.
As abelhas são consideradas, dentre os insetos, como os polinizadores mais importantes em todos os ecossistemas terrestres. Globalmente, as populações de abelhas nativas vêm sofrendo declínio devido a algumas atividades humanas, tais como, desmatamento, competição com espécies invasoras, doenças, uso de agroquímicos e as mudanças climáticas originadas. As mudanças climáticas são uma grande ameaça para as abelhas, tanto as silvestres quanto as que são manejadas para a obtenção de produtos apícolas (como o mel, por exemplo) em todo o mundo. Na região Amazônica, as mudanças climáticas podem causar alterações na intensidade, frequência e na duração de eventos climáticos extremos, além de serem responsáveis pela alteração nos padrões de temperatura e nos regimes de chuva. Essas mudanças afetam diretamente múltiplos aspectos da biologia das espécies, como por exemplo, adaptações fisiológicas, capacidade de habitar determinadas áreas, e a capacidade de mover-se em busca de áreas climaticamente mais adequadas. Portanto, compreender as respostas das espécies às mudanças globais em andamento é essencial para que se possa manter a polinização, garantindo o funcionamento e a sustentabilidade dos ecossistemas.
Uma maneira de analisar a resposta de múltiplas espécies às mudanças climáticas consiste em utilizar características específicas, como por exemplo, caraterísticas morfológicas, reprodutivas e/ou comportamentais. Não apenas as respostas das espécies podem ser medidas e previstas usando esse tipo de abordagem, mas também sua contribuição para as funções e serviços do ecossistema, e os possíveis impactos da perda das espécies nesses processos. Sabe-se que o tamanho do corpo dos polinizadores influencia na compatibilidade com diferentes tipos de flores e na eficiência da polinização por visita. Por exemplo, uma espécie de pequeno tamanho ou uma espécie com língua longa poderão ser capazes de explorar de forma mais eficiente uma flor pequena ou uma flor de tubo longo, respectivamente. No caso das abelhas, além do tamanho corporal, características como hábito de nidificação, grau de socialidade (se é social ou solitária), se a extensão de sua ocorrência geográfica é ampla ou restrita, e se a espécie é ou não polinizadora de culturas agrícolas podem ser avaliadas separadamente para que se possa compreender o efeito da redução de espécies no funcionamento do ecossistema (Figura 1).
Neste estudo, avaliamos a resposta potencial das abelhas presentes em uma área protegida na Amazônia Oriental (Floresta Nacional de Carajás, sudeste do Pará) às mudanças climáticas. Consideramos também o tamanho do corpo, local de construção do ninho, socialidade, tamanho da área de ocorrência atual das abelhas e polinização de culturas agrícolas para compreender respostas mais específicas às mudanças de clima.
Procedimento experimental
Foi avaliado o impacto da mudança climática em 216 espécies de abelhas através de uma ferramenta computacional chamada de modelagem de distribuição potencial de espécies. As espécies analisadas correspondem a 80% das abelhas reportadas para o estado do Pará, o que torna esta avaliação importante numa escala mais ampla. Foram testados dois cenários climáticos definidos pela Plataforma Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que projetam mudanças de clima para 2050 e 2070, e que simulam dois níveis diferentes de intensidade de mudanças (moderado e pessimista). No cenário moderado, há um esforço em manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C, ao passo que no cenário pessimista esse esforço simplesmente não existe e as taxas de mudanças continuam crescendo, seguindo os níveis atuais. Os cenários foram utilizados para avaliar o impacto da mudança de clima em cada espécie de abelha da região. Depois, foram avaliadas as mudanças no conjunto de todas as espécies, e em cada subgrupo de espécies de acordo com as cinco características citadas acima (tamanho corporal, socialidade, nidificação, tamanho da área de ocorrência, e se é ou não polinizador de cultura agrícola).
Resultados e Discussão
Obtivemos como resultado, que as áreas onde as abelhas ocorrem sofrerão mudanças significativas, o que poderá afetar negativamente mais de 85% das espécies. Considerando-se os subgrupos que apresentam as cinco características citadas anteriormente, os resultados mostraram que as abelhas que apresentam áreas de ocorrência mais restritas e aquelas que são polinizadoras de culturas agrícolas poderão ser significativamente mais afetadas (Figura 2). As implicações da perda tão acentuada de espécies podem ser diversas. Por exemplo, poderá haver um importante impacto nas interações com as plantas locais, e um potencial déficit de polinização na região. A redução do número de espécies que apresentam áreas de ocorrência mais restritas indica que poderá haver uma homogeneização da diversidade local de abelhas, fazendo com que apenas um pequeno número de espécies mais comuns, que estão presentes em muitos lugares, poderá continuar habitando a região analisada. Por fim, a redução de espécies polinizadoras de culturas agrícolas poderá impactar diretamente na produção de alguns alimentos gerando potencialmente um impacto na economia local, e podendo aumentar a vulnerabilidade à escassez de alimentos.
Os resultados mostram também que outras áreas no estado do Pará poderão ser adequadas para essas espécies (Figura 2). Essas áreas estão localizadas principalmente nas regiões oeste e norte do Estado. As diferenças encontradas entre essas regiões são notáveis. As porções nordeste e sudeste são as mais desmatadas de todo o estado, enquanto que, nas porções a oeste, estão localizadas muitas áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas). Vale ressaltar também que as áreas tidas como adequadas para essas abelhas, refletem apenas os aspectos climáticos do habitat e que outras condições são igualmente importantes para a manutenção da biodiversidade de abelhas, como por exemplo, a presença de florestas. Portanto, do ponto de vista de tomada de decisão, nossos resultados são importantes para guiar ações de manejo e conservação mais eficientes.
Soluções possíveis para reduzir o impacto das mudanças de clima sobre a biodiversidade deveriam considerar a restauração de áreas degradadas, especialmente no contexto da floresta Amazônica. A floresta tem sido crescentemente degradada por atividades antrópicas como o desmatamento. Em especial, a área de estudo localiza-se dentro do Arco do Desmatamento, uma região historicamente bastante afetada. Outros trabalhos recentes têm mostrado que o desmatamento tem alterado o clima da região, e isso pode acarretar em maior perda de floresta e, se assim continuar, um ponto irreversível poderá ser alcançado, onde a floresta poderá ser substituída por um novo tipo de ecossistema. Portanto, programas de restauração de florestas na Amazônia são importantes para a manutenção da biodiversidade a longo prazo. A criação de corredores ecológicos, conectando fragmentos de floresta isolados, pode auxiliar as espécies a se deslocarem em direção a áreas de clima mais adequado. A aplicação de sistemas agroflorestais também seria útil, visando não só a proteção da biodiversidade, mas também a geração de renda para a população local. Atividades como criação de abelhas sem ferrão nativas, por exemplo, poderiam também ser uma alternativa que promove renda e protege a natureza.
Assim, a utilização de cenários para antecipar o impacto das mudanças de clima é uma ferramenta imprescindível para auxiliar a tomada de decisões diante das mudanças globais. Em especial, a proteção dos polinizadores é urgente, visando garantir a provisão dos serviços de polinização tanto para o equilíbrio dos ecossistemas como para a produção das culturas agrícolas.
O texto completo (incluindo as listas das espécies analisadas) está disponível na internet e é de livre acesso:
Giannini, T.C.; Costa, W.F.; Borges, R.C.; Miranda, L.; Costa, C.P.W.; Saraiva, A.M.; Imperatriz-Fonseca, V.L. Climate change in the Eastern Amazon: crop-pollinator and occurrence-restricted bees are potentially more affected. Regional Environmental Change 2020. Em https://link.springer.com/article/10.1007/s10113-020-01611-y.