Abelhas polinizadoras importantes para produção agrícola e implicações sobre seu manejo

Tereza Cristina Giannini1, Denise Araujo Alves2, Ronnie Alves1, Guaraci Duran Cordeiro2, Alistair John Campbell1, Marcelo Awade1, José Maurício Simões Bento2, Antonio Mauro Saraiva2, Vera Lucia Imperatriz-Fonseca1
1 Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável, Belém, Pará, Brasil
2 Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil

Introdução

As abelhas são os polinizadores de culturas agrícolas mais importantes do mundo, pois a produção de frutos e sementes utilizados na alimentação humana são dependentes delas. Logo, tanto o rendimento quanto os lucros da produção agrícola estão relacionados com as espécies nativas de abelhas presentes na área de cultivo e seu entorno.

O manejo de espécies de abelhas é essencial para a produção agrícola em muitos locais do mundo, especialmente no caso da abelha europeia (Apis mellifera) e algumas espécies de mamangavas de chão (Bombus spp). Essas espécies são utilizadas para polinização na época do florescimento das culturas. São especialmente úteis, em locais onde há poucas abelhas nativas, como nas áreas de monoculturas com escassez de vegetação nativa nos arredores. Exemplos positivos podem ser encontrados em todo o mundo. Abelhas têm sido manejadas e usadas em estufas para melhorar a produção e a qualidade do tomate na Holanda e em outros países da Europa. Em outras regiões, espécies de abelhas solitárias são criadas em ninhos artificiais para incrementar a polinização de outras culturas agrícolas. Assim, práticas agrícolas que integram diferentes tipos de abelhas manejadas e silvestres podem ser adotadas para melhorar a produção agrícola e aumentar o lucro dos agricultores, além de ajudar na conservação da natureza.

Ainda pouco se sabe sobre as principais espécies de polinizadores de culturas agrícolas em regiões tropicais. O Brasil é um exemplo de país tropical com alta diversidade, e produz mais de 7% das exportações agrícolas globais, tornando-se o terceiro maior exportador mundial de produtos agrícolas. De todas as espécies cultivadas no Brasil, mais de 60% dependem ou se beneficiam da polinização provida por 250 espécies de abelhas (Giannini et al. 2015a) e, aproximadamente, 30% do valor agrícola anual dessas culturas é diretamente derivado da atividade desses polinizadores (Giannini et al. 2015b). Além disso, o Brasil possui o segundo maior número de espécies de abelhas, com mais de 1.860 espécies descritas. No entanto, dadas as atuais previsões de crescimento populacional (aumento de 15% até 2030 segundo dados do IBGE em 2017), a demanda por produção de alimentos deve aumentar consideravelmente. Sabe-se que a conversão de habitats naturais tem impactos negativos sobre os polinizadores e é urgente tanto identificar espécies-chave de polinizadores agrícolas quanto desenvolver abordagens mais amigáveis ​​a essas espécies de abelhas para melhorar a produção agrícola.

No presente estudo, nosso objetivo foi determinar as espécies de abelhas mais importantes para a polinização das culturas brasileiras e discutir seu manejo. Devido à alta diversidade de abelhas encontrada nas regiões tropicais e às lacunas de conhecimento existentes sobre a polinização de culturas, definir uma lista de espécies importantes de polinizadores e fornecer sugestões para seu manejo podem ser ações extremamente úteis para os processos de tomada de decisão e de políticas públicas.

Procedimento experimental

Figura 1. Exemplos de espécies de abelhas solitárias importantes para polinização de culturas agrícolas brasileiras. A) Centris aenea; B) C. similis; C) Oxaea flavescens; D) Eulaema nigrita; E) Xylocopa frontalis (fotos: Fernanda Trancoso).
Figura 1. Exemplos de espécies de abelhas solitárias importantes para polinização de culturas agrícolas brasileiras. A) Centris
aenea; B) C. similis; C) Oxaea flavescens; D) Eulaema nigrita; E) Xylocopa frontalis (fotos: Fernanda Trancoso).

Os dados usados para a análise foram compilados em duas publicações anteriores realizadas no Brasil, e atualizados. Um deles está relacionado à pesquisa bibliográfica realizada sobre polinizadores de culturas agrícolas (Giannini et al. 2015a). Esta primeira avaliação analisou 249 estudos e encontrou 2.545 interações entre espécies de animais polinizadoras e/ou visitantes florais (total de 321 espécies animais) com culturas agrícolas (85 culturas). O outro estudo determinou o grau de dependência das culturas brasileiras em relação à polinização animal por meio dos mesmos trabalhos e mais 57 outros artigos (Giannini et al. 2015b). No total, foram avaliadas 141 culturas e o grau de sua dependência aos polinizadores. Para o estudo apresentado aqui, o banco de dados foi filtrado e utilizamos apenas os dados sobre abelhas (a grande maioria) e sobre polinizadores efetivos, ou seja, foram excluídos os dados de visitantes florais.

Para determinar as espécies de abelhas mais importantes para a agricultura brasileira, usamos os seguintes critérios: (1) Número de culturas com as quais cada espécie de abelha interage: quanto maior o número de culturas, maior a importância dessa espécie. (2) Grau de dependência de cada cultura por polinizador: quanto maior a dependência das culturas, maior a importância do polinizador para o rendimento; portanto, as abelhas que interagem com as culturas com alta dependência receberão uma pontuação mais elevada. (3) Valor econômico da produção agrícola: quanto maior o valor econômico da produção de uma determinada cultura polinizada por uma espécie de abelha em particular, maior será a importância dessa abelha. Assim, as abelhas que interagem com culturas de alto valor atingem uma pontuação alta. Os últimos dois critérios foram multiplicados, de tal forma a obter um valor em dólares (US$) que fosse mais facilmente compreensível e que representasse o valor econômico relativo à polinização de cada cultura agrícola produzida em 2015, considerando-se seu grau de dependência por polinizadores. Atribuímos a esse valor o nome de “serviço de polinização”.

Como cada espécie de abelha interage com diferentes culturas, somamos todos os critérios acima para cada espécie, a fim de obter um valor único. Construímos um gráfico com quatro quadrantes, onde cada quadrante foi definido por valores limites. Consideramos como as espécies mais importantes, aquelas que apresentavam um valor total do serviço de polinização de pelo menos US$ 1 bilhão e que apresentavam pelo menos três interações.

Resultados obtidos

Tabela 1. Lista das espécies de abelhas mais importantes para a polinização de culturas agrícolas brasileiras.
Tabela 1. Lista das espécies de abelhas mais importantes para a polinização de culturas agrícolas brasileiras.

Ao todo, analisamos 262 registros de interações entre abelhas e culturas agrícolas, envolvendo 144 espécies de abelhas e 23 culturas agrícolas, relatadas em 131 publicações científicas. Os gêneros com o maior número de espécies citadas foram Centris (26 espécies); Xylocopa (12); Trigona (11); Epicharis e Melipona (10 espécies cada). As abelhas sociais compreendem 63 espécies (44%) e as solitárias 81 espécies (56%).

Quatorze espécies de abelhas apresentaram o valor de serviço de polinização acima do limite estipulado (> US$ 1 bilhão) e interagiram com três ou mais espécies vegetais (Tabela 1). Apis mellifera apresentou os maiores valores para ambas as variáveis, em grande parte devido à sua importância na produção de soja, que representou 66% do valor total do serviço de polinização. Trigona spinipes teve o segundo maior valor para o número de interações, mas ficou em décimo lugar, considerando o valor total do serviço de polinização. Três das espécies destacadas pertencem a Centris (C. aenea, C. similis, C. tarsata), três espécies são abelhas sem ferrão (Melipona quadrifasciata, Tetragonisca angustula, Trigona spinipes) e duas são mamangavas de chão (Bombus morio, B. pauloensis). Tetragonisca angustula foi relatada como interagindo com oito culturas agrícolas e Xylocopa frontalis destaca-se por interagir com sete culturas. Ao todo, das espécies principais, oito são solitárias (60%) e seis são sociais (40%).

Assim, demonstramos que as espécies de abelhas que interagem com plantas agrícolas e de alto valor monetário (em ordem decrescente, soja, café, tomate, açaí e laranja) foram consideradas as mais importantes para a polinização das culturas. Mesmo para culturas com dependência modesta de polinizadores, como soja, café e laranja, seu alto valor monetário aumentou a pontuação das espécies de abelhas responsáveis por sua polinização. Requer cautela o fato de algumas espécies de abelha (especialmente a Apis mellifera) se destacarem devido à sua interação com a soja (uma das produções de valor mais alto no país). Nem todos os cultivares de soja foram testados em termos de sua dependência por polinizadores, o que pode afetar o resultado. Destaca-se que, das quatorze espécies mais importantes, oito são solitárias, e que as espécies solitárias também estiveram envolvidas no maior número de interações analisadas, o que deixa clara a sua importância.

Algumas das abelhas sociais citadas aqui são manejadas em colmeias racionais, visando a polinização de culturas em estufa no Brasil. Um exemplo importante é o uso da jataí (Tetragonisca angustula) para produção de morango, com resultados encorajadores em relação à taxa de polinização e qualidade da fruta. Apesar disso, o manejo dessas abelhas ainda não é praticado na escala necessária para a polinização dessa cultura. Embora a criação de abelhas sem ferrão seja amplamente estabelecida no Brasil, existe um enorme potencial para a polinização comercial. Já as espécies brasileiras de mamangavas, Bombus pauloensis e B. morio, apresentam algumas diferenças biológicas das espécies de mamangavas europeias comumente manejadas, e estudos sobre seu manejo ainda são escassos no Brasil.

Nossos resultados mostraram também que várias espécies solitárias são particularmente importantes quando se considera a polinização das culturas agrícolas, principalmente, as espécies de abelhas coletoras de óleo (Centris). No Brasil, existe um alto número dessas espécies, e estudos sobre seu potencial para uso em áreas agrícolas devem ser incentivados. Estudos pioneiros no Brasil já mostraram o potencial dos ninhos-armadilhas para atrair fêmeas de C. analis em culturas de acerola. As abelhas-carpinteiras ou mamangavas (Xylocopa), outro exemplo de espécie solitária, são polinizadoras essenciais do maracujá, e ninhos artificiais ou armadilhas foram estabelecidos com sucesso em pomares de maracujá. Para as outras espécies solitárias destacadas por esse estudo (Epicharis flava, Eulaema nigrita, Exomalopsis auropilosa e Oxaea flavescens), quase não há informações sobre seu manejo.

Exemplos bem-sucedidos de uso de ninhos artificiais indicam que eles podem ser uma boa estratégia para manejar abelhas solitárias e garantir polinização para as culturas. No entanto, o conhecimento para isso ainda precisa ser aprimorado em relação ao habitat dessas abelhas, estrutura dos ninhos, materiais de construção, recursos alimentares fornecidos às larvas, período de ocupação dos ninhos, parasitas associados e mortalidade. Infelizmente, para a maioria das espécies de abelhas solitárias no Brasil, nem mesmo seus hábitos de nidificação são conhecidos.

Enfatizamos também que há necessidade de mais dados sobre a produção de culturas agrícolas, especialmente considerando as culturas locais. O Brasil possui alta diversidade de culturas regionais, mas pouco se sabe sobre o valor de sua produção anual, o que dificulta o tipo de análise aqui desenvolvida. Além disso, pouco se sabe sobre as interações das culturas regionais com os polinizadores. As culturas regionais talvez dependam de polinizadores mais especializados, que apresentam, provavelmente, distribuições mais restritas, mas para ter certeza disso, é necessário aprofundar a pesquisa. Assim, estudos futuros devem priorizar a obtenção de dados sobre a produção agrícola regional, entendendo sua dependência por polinizadores e quais são as principais espécies de polinizadores da região. Dada a alta relevância da polinização para a agricultura familiar e para a economia local, esse conhecimento pode ser útil para orientar os processos de tomada de decisão, que seriam de suma importância para agricultores e comunidades locais.

Esperamos que a lista fornecida aqui das espécies de abelhas mais importantes para a produção agrícola possa incentivar outros estudos e ajudar a desenvolver novas estratégias para a conservação e uso sustentável dos polinizadores agrícolas. A maioria dos agricultores brasileiros não tem conhecimento dos benefícios da polinização, de modo que muitas culturas dependem exclusivamente de polinizadores selvagens. Por esse motivo, o manejo das abelhas para fins de polinização das culturas ainda precisa ser promovido e aprimorado. Como o país possui uma alta produção de culturas dependentes de polinizadores, o manejo de abelhas para polinização comercial é uma boa oportunidade de negócios.

Referências citadas

Giannini, T. C.; Boff, S.; Cordeiro, G. D.; Cartolano, E. A.; Veiga, A. K.; Imperatriz-Fonseca, V. L.; Saraiva, A. M. Crop pollinators in Brazil: a review of reported interactions. Apidologie v. 46, p. 209-223, 2015a.

Giannini, T. C.; Cordeiro, G. D.; Freitas, B. M.; Saraiva, A. M.; Imperatriz-Fonseca, V. L. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology v. 108, p. 849-857, 2015a.

O presente artigo foi publicado na íntegra em:

Giannini, T.C.; Alves, D.A.; Alves, R.; Cordeiro, G.D.; Campbell, A.J.; Awade, M.; Bento, J.M.S.; Saraiva, A.M.; Imperatriz-Fonseca, V.L. Unveiling the contribution of bee pollinators to Brazilian crops with implications for bee management. Apidologie 2020. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs13592-019-00727-3.