Proposta Portaria Mel ASF-SP – Boletim Técnico Embrapa-ITAL.
MEL DE ABELHAS SEM FERRÃO: PROPOSTA DE REGULAMENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

As abelhas da subfamília Apinae (Hymenoptera, Apidae), tribo Meliponini são conhecidas popularmente por Abelhas sem Ferrão – ASF, por possuírem ferrão atrofiado e, portanto, incapazes de ferroar, estando taxonomicamente divididas em duas sub-tribos: Meliponina e Trigonina (Melo e Gonçalves, 2005).

A imensa maioria das abelhas se alimenta de produtos obtidos das flores, coletando seu néctar e por desidratação e ação enzimática o transformam em mel (Campos e Peruquetti, 1999).

Os méis das ASF são produtos únicos da biodiversidade brasileira, presentes e valorizados pela cultura popular desde os povos originais das Américas. No Brasil, os povos indígenas já o apreciavam e sazonalmente faziam sua coleta nos locais onde as colônias dessas abelhas já estavam identificadas na floresta. Produto valorizado também na medicina popular, lhe sendo atribuído uma série de propriedades terapêuticas, usado puro ou em conjunto com plantas medicinais na formulação de “preparados” (garrafadas) medicinais.

Como sua produção muitas vezes é regionalizada e o volume disponível é menor, seu valor no mercado é muitas vezes maior do que o do mel produzido pelas abelhas Apis mellifera sp., espécies de abelhas com ferrão exóticas e introduzidas no país na época da colonização.

A diversidade de flora e biomas do Brasil e a grande variedade de espécies de abelhas sem ferrão existente, justifica o potencial para exploração e valorização da gama de mel produzida por essas abelhas. Além da importância econômica para os produtores, esse produto possui características sensoriais diferenciadas dos méis tradicionalmente consumidos no Brasil, tornando-o um produto com alto valor agregado (Holanda, 2012).

CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA

Uma das principais características de sua composição físico-química, que os diferem dos méis das abelhas africanizadas, é o seu maior teor de umidade, que consequentemente eleva sua atividade de água, tornando-o mais susceptível ao crescimento microbiano, principalmente pela presença de leveduras em sua composição original. Esse teor de umidade resulta em um mel menos viscoso e em uma cristalização mais lenta quando comparada ao mel de Apis melífera. (Silva, 2012; Campos e Peruquetti, 1999).

A atividade de água (Aa) é uma propriedade que varia numericamente de 0 a 1 onde 1 está relacionada à água pura. A Aa, juntamente com o pH, relacionado ao grau de acidez do produto, indicam as condições para o crescimento microbiano do alimento. O mel de Apis é um produto microbiologicamente estável pois possui valores de atividade de água menores de 0,6 (Black & Barach, 2015). Estudos desenvolvidos por Dias et al (2015) avaliaram o pH e atividade de água de mais de 30 amostras de méis de ASF, das tribos Meliponini e Trigonini e encontraram faixas de Aa e pH de 0,67-0,75 a 3,49-4,65. Apesar desta faixa de atividade de água ser limitante para desenvolvimento de micro-organismos patogênicos, fungos e leveduras osmofílicas podem se desenvolver.

A adoção de métodos de manejo, colheita e beneficiamento do mel de ASF não obedecendo às Boas Práticas de Fabricação, associados à umidade elevada (21 a 45%) e à presença de micro-organismos podem acarretar problemas de conservação ao produto, reduzindo sua vida de prateleira e podendo até mesmo torná-lo impróprio para o consumo humano (Alves et al., 2011).

Algumas técnicas de conservação são indicadas e aplicadas por meliponicultores. Entretanto, os métodos aplicados muitas vezes foram concebidos empiricamente e o produto final não passa por avaliação adequada antes de ser comercializado. Dentre os métodos aplicados destacam-se: refrigeração após a colheita; desidratação, ocasionando redução da umidade; fermentação do mel colhido em sua própria microbiota, provocando um aumento 3 da acidez; e o processo térmico de pasteurização, visando a redução da carga microbiana vegetativa.

Devido às diferenças na composição físico-química, os valores de referência indicados para o controle da qualidade e comercialização de mel nas legislações vigentes nacionais e internacionais não são aplicáveis para os méis das ASF. O desenvolvimento e aprovação de uma regulamentação para os méis de ASF, estabelecendo os requisitos de identidade e padrão é importante para garantia de segurança de consumo e para que os órgãos fiscalizadores tenham base referencial para a inspeção, permitindo comercialização oficial do mesmo.

Neste contexto, baseados em pesquisas realizadas pela Embrapa, pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas-SP e também pelo levantamento bibliográfico de estudos científicos realizados por diversos institutos de ensino e pesquisa do país, o documento abaixo indicado tem como objetivo propor um Regulamento Técnico de Identidade e Padrão para o Mel das ASF para a sua devida comercialização no estado de São Paulo.

Autores: Ricardo Costa Rodrigues de Camargo Pesquisador Embrapa Meio Ambiente Consultor especial da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e dos Produtos das Abelhas-Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA

Karen Linelle de Oliveira Pesquisadora Científica – Grupo de Engenharia de Processos – GEPC Instituto de Tecnologia de Alimentos – ITAL

Maria Isabel Berto Pesquisadora Científica – Grupo de Engenharia de Processos – GEPC Instituto de Tecnologia de Alimentos – ITAL

PROPOSTA DE REGULAMENTO

TÉCNICO DE IDENTIDADE E PADRÃO DE MEL DE ABELHA SEM FERRÃO MELIPONINAE

1 Alcance
Objetivo

Estabelecer a identidade e os requisitos mínimos de controle da qualidade que o Mel de Abelha sem Ferrão – ASF destinado ao consumo humano direto deve atender.

Este Regulamento não se aplica para mel de abelha sem ferrão industrial e utilizado como ingrediente em outros alimentos.

Âmbito de aplicação

O presente Regulamento Técnico se aplicará em todo o Estado de São Paulo.

2 Classificação

2.1.1 Por sua origem Mel floral: é o mel obtido dos néctares das flores

a) Mel unifloral ou monofloral:

Produto predominantemente originário de flores de uma mesma família, gênero ou espécie e que possua características sensoriais, físico-químicas e microscópicas próprias.

b) Mel multifloral ou polifloral:

Produto obtido a partir de diferentes origens florais.

2.1.2 Mel extrafloral

Produto obtido a partir de nectários extraflorais.

2.1.3 Melato

Produto obtido a partir da secreção de insetos sugadores de seiva ou de outras partes vivas das plantas.

2.2 Pelo método de extração

2.2.1 Por sucção

Método onde o mel é retirado dos potes por diferença de pressão.

2.2.2. Por escoamento

Método onde o mel escorre dos potes abertos pela inversão da alça superior ou melgueira.

2.3 Pela apresentação

2.3.1 Mel líquido

Mel em estado líquido original.

2.3.2 Mel cristalizado

Mel em estado sólido ou parcialmente sólido, pela formação de cristais a partir da cristalização das moléculas de açúcares, principalmente glicose e frutose.

2.3.3 Mel cremoso

Mistura de mel líquido com mel cristalizado.

2.3.4 Mel em pote

Mel acondicionado em potes naturais ou artificiais.

2.4 Pelo processamento

2.4.1 Mel in natura

Mel extraído dos potes e mantido sob refrigeração logo após a sua coleta até o momento do consumo, não submetido a qualquer outro processamento.

2.4.2 Mel desidratado

Mel que após a extração, é submetido ao processo de desidratação, no qual ocorre redução do teor de umidade e atividade de água, visando o aumento da sua vida de prateleira em temperatura ambiente.

2.4.3 Mel pasteurizado

Mel que após a extração passa por processo térmico de pasteurização para redução e/ou inibição do desenvolvimento microbiológico e/ou enzimático no produto, sendo posteriormente mantido à temperatura ambiente ou sob refrigeração.

2.4.4 Mel maturado

Mel que após a extração passa pelo processo de maturação a temperatura
ambiente, caracterizado por sua fermentação natural a partir do desenvolvimento das leveduras osmofílicas naturalmente presentes.

3 Composição e requisitos

3.1 Composição

O mel de ASF é uma solução concentrada de açúcares com predominância de glicose e frutose. Contém ainda uma mistura complexa de outros carboidratos, enzimas, aminoácidos, ácidos orgânicos, minerais, substâncias aromáticas, pigmentos e grãos de pólen.

Comparando-o com o mel de Apis apresenta maior concentração de água podendo conter cerume procedente do seu processo de extração. O produto definido nesta Norma não pode ser adicionado de açúcares e/ou outras substâncias que alterem a sua composição original.

3.2 Requisitos

3.2.1 Características sensoriais

3.2.1.1 Cor

Variável de quase incolor a pardo-escura, de acordo com a sua origem, segundo definido em 2.1.

3.2.1.2 Sabor e aroma

Deve ter sabor e aroma característicos de acordo com a sua origem, segundo definido em 2.1.

3.2.1.3 Consistência

Variável de acordo com o estado físico em que o mel se apresenta, segundo definido em 2.3.

3.2.2 Características físico-químicas

Tabela 1: Parâmetros relacionados às características físico-químicas de maturidade, pureza e deterioração do mel de ASF, respectivos limites e referências metodológicas

Na Tabela 1 estão descritos os parâmetros a serem analisados no mel de abelhas nativas sem ferrão relacionados às características físico-químicas de maturidade, pureza e deterioração, seus respectivos limites e referências das metodologias analíticas.

4 Aditivos

É expressamente proibida a utilização de qualquer tipo de aditivos.

5 Acondicionamento

O mel, a granel ou fracionado, deve ser acondicionado em embalagem própria para alimento, que preserve as suas características e confira proteção contra contaminação.

6 Armazenamento

O mel deve ser armazenado em local e sob condições que preservem suas características e evite contaminações.

O mel in natura definido em 2.4.1 deve ser mantido em temperaturas de refrigeração durante armazenamento, de 4 a 8°C.

O mel pasteurizado definido no item 2.4.3 pode ser mantido em temperaturas de refrigeração, de 4 a 8°C e em temperatura ambiente.

O mel desidratado e/ou maturado, definidos respectivamente nos itens 2.2.2 e 2.2.4, pode ser mantido e comercializado em temperatura ambiente, desde que as características físico-químicas sejam preservadas.

Para o armazenamento das embalagens a granel recomenda-se a utilização de pallets de material resistente e higienizável, dispostos com afastamento das paredes de no mínimo 10cm.

7 Contaminantes

Os contaminantes orgânicos e inorgânicos não devem estar presentes em quantidades superiores aos limites estabelecidos na legislação vigente.

7.1 Critérios microbiológicos

Tabela 2. Critérios microbiológicos para mel de abelhas sem ferrão

O produto deverá estar de acordo com os requisitos apresentados na Tabela 2

n: número de unidades a serem colhidas aleatoriamente em um mesmo lote e analisa da individualmente; M: limite que, em plano de duas classes, separa o produto aceitável do inaceitável (valores acima de M são inaceitáveis); m: é limite que em um plano de três classes, separa o lote aceitável do produto ou lote com qualidade intermediária aceitável; c: número máximo aceitável de unidades de amostras com contagens entre os limites de m e M.

8 Higiene

8.1 Considerações Gerais

As práticas de higiene para elaboração do produto devem estar de acordo com legislação vigente.

8.2 Critérios Macroscópicos e Microscópicos

O mel deve estar isento de substâncias estranhas, de qualquer natureza, tais como insetos e suas partes, larvas, grãos de areia e outros, de acordo com legislação vigente para matérias estranhas macroscópicas e microscópicas em alimentos e bebidas.

9 Pesos e Medidas

Para o mel de ASF deve ser utilizada a medida de volume, sendo expressa em litro ou mililitro.

10 Rotulagem

A rotulagem deve estar de acordo com a legislação vigente para rotulagem de alimentos embalados.

O produto se denominará Mel de ASF ou Melato de ASF, de acordo com o item 2.1.

Deve ser informado o tipo de processamento e o nome científico da espécie de abelha sem ferrão, acrescido ou não do nome popular na região.

A indicação da florada predominante na rotulagem deve ser comprovada por metodologia analítica específica (melissopalinologia).

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