Carlos Chociai,
apicultor, meliponicultor
e conservacionista

Vera Lucia Imperatriz-Fonseca (vlifonse@ib.usp.br) – Professora Sênior da USP. Laboratório de Abelhas

Carlos Chociai (18/02/1949 - 28/11/2017) com frutos de macadamia que ele cultivava na região de Prudentópolis.
Carlos Chociai (18/02/1949 – 28/11/2017) com
frutos de macadamia que ele cultivava na
região de Prudentópolis.

Conheci Carlos Chociai e João Seabra na década de 80, em um congresso de Apicultura em Viçosa. Naquele tempo, o orelhão (telefone público) era como nos comunicávamos com a família, e as filas eram longas. Foi assim que começou a conversa e fiquei sabendo que havia uma cidade no Paraná que se chamava Prudentópolis onde o Carlos, que era apicultor, conhecia muitas espécies de abelhas sem ferrão e as plantas visitadas por elas. Começou ali um interesse muito grande na área, conhecida pela produção de mel de qualidade e áreas preservadas.

Marcamos então a primeira viagem do grupo de pesquisadores do laboratório de abelhas, com a Professora Astrid Kleinert chefiando o grupo de pesquisadores. Foi o início de uma longa convivência, cercada pela amizade do Carlos e da Regina, sua esposa, e da troca de experiências. Publicamos alguns trabalhos sobre a origem floral dos méis de Prudentópolis. Em 1986, no Congresso da Apimondia no Japão levamos amostras de mel que considerávamos os melhores da época, e o de vassourinha de Prudentópolis, que centrifugamos com o Carlos, foi um deles. Fomos premiados, o que trouxe muita alegria a todos. A revista Mensagem Doce fez uma grande reportagem sobre este congresso, um dos mais espetaculares que assisti. Tivemos depois um projeto do CNPq dedicado às abelhas das regiões subtropicais, focado nas abelhas de Prudentópolis.

Durante todos esses anos continuamos a trocar mensagens, a fazer visitas ocasionais a Prudentópolis e a estudar essas abelhas. O Carlos foi sempre o nosso grande colaborador e nos acolheu do melhor modo possível. Foi um meliponicultor que merece o título de meliponicultor cientista, pelas trocas de informações, interesse pelas abelhas, colaboração na pesquisa e amor por Prudentópolis e suas grandes possibilidades de desenvolvimento como estância turística e local para as abelhas viverem bem.

É muito importante e rica a interação entre cientistas e meliponicultores ou apicultores. Reconhecemos e valorizamos muito a contribuição do Carlos para a pesquisa do Laboratório de Abelhas do Instituto de Biociências da Universidade de S. Paulo. Sempre nos recebeu com alegria e desprendimento. Aprendemos muito com ele, e valorizamos o seu exemplo para as novas gerações. Ele sempre será lembrado por nós com o respeito e carinho. Foram tantas histórias nas nossas expedições!

No texto abaixo, escrito por Regina Chociai,vamos conhecer um pouco mais sobre esse meliponicultor cientista.

O HOMEM DO MEL E DAS HISTÓRIAS INESQUECÍVEIS

Regina Chociai

“Carlos Chociai, um homem mil anos à nossa frente. Enquanto estávamos preparando os ninhos, os caixilhos e as melgueiras, ele já estava voltando com o mel! Pouco compreendido por alguns, Chociai nunca se deixou abalar pelas críticas e seguiu andando. Sonhou sempre alto e nunca deixou de olhar para o infinito, onde ele via as coisas que mais ninguém via” (Chico Guil,2017)

Em 28 de novembro de 2017 faleceu Carlos Chociai, filho de Augusto Chociai e Aline Clapeux Chociai.

Grande Apicultor paranaense, Carlos sonhava que um outro mundo seria possível. Ele não apenas sonhava, mas trabalhava para que seu sonho se concretizasse e o fazia através da dedicação às abelhas e à preservação da natureza.

Quem foi este homem que viveu à frente de seu tempo?

Desde os 15 anos de idade, Chociai já criava as abelhas indígenas no quintal de sua casa, dedicando-se a estudar este inseto tão importante para a preservação da vida na terra. Dedicou-se também à produção do delicioso mel, contribuindo para a saúde do nosso povo. Entre tantas outras profissões que exerceu (motorista, fotógrafo, eletricista), escolheu dedicar-se à apicultura, trabalho que realizou com esmero até seus últimos dias.

Buscou sempre que possível, participar de todos os encontros que a Associação de Apicultores do Estado do Paraná realizava. Participou de congressos nacionais e internacionais sobre apicultura (na Suíça e na Bélgica), trazendo muitos conhecimentos, passando meses divulgando estes conhecimentos entre os apicultores da região de Prudentópolis-PR e também entre seus amigos. Fez parcerias com pessoas com profundos conhecimentos sobre a abelha, como a Drª Vera Imperatriz Fonseca, na época chefe do Departamento de Ecologia da USP, que trazia para Prudentópolis equipes de pesquisadores sobre a Apis mellifera e principalmente sobre os Meliponineos, ou Abelhas Indígenas Sem Ferrão, cujos resultados foram divulgadas em muitos países, através dos Congressos que a equipe da Drª Vera participava. O Sr Carlos contribuía com a equipe de pesquisadores, levando-os aos apiários, coletando flores, mel, polém, própolis e até a terra onde os apiários estavam inseridos. Ele o fazia despreendidamente, com muito entusiasmo, pois ganhava em troca o conhecimento trazidos por estes jovens cientistas. Em uma das pesquisas , colocou-se um mini- computador dentro da colmeia. Chociai chegou a criar um minilaboratório em sua casa para facilitar o trabalho dos pesquisadores. Outra parceria foi com o cientista polonês Estanislaw Kurletto, com quem Carlos também aprendeu muito sobre as abelhas. Carlos patrocinava cursos sobre apicultura em sua casa e em seu apiário tendo o Sr Kurletto como palestrante, pelo simples prazer de transmitir o conhecimento para as gerações novas de apicultores.

Chociai considerava que devia muito de seu conhecimento a João Seabra, apicultor de Rio Claro, estado de São Paulo, com o qual dividia o conhecimento e as boas práticas na apicultura.

Chociai sempre teve a seu lado pessoas que o ajudaram muito na apicultura: Cláudio Chociai, seu irmão (in Memorian), João Chuber (in Memoriam) e Orlando Novakoski, seu amigo.

Carlos tinha muito orgulho de mandar o mel de Prudentópolis para outros países como Japão, Alemanha, Estados Unidos. Tanto que nos anos anos 90, Prudentópolis levava o título de Capital do Mel, pela grande quantidade de mel produzida e pela sua qualidade, mel este que ganhou um prêmio no Congresso Internacional de Apicultura na Suíça.

Carlos Chociai recebia em sua casa pessoas do mundo inteiro como o cientista português João Cappas, especialista em formigas, que estudou o código Maia e as abelhas sem ferrão.

Capas era muito bem recebido também por Paulo Nogueira Neto.

Chociai foi um visionário e “um contador de histórias”. Tinha um carinho especial por sua cidade e seu povo. Antevia um padrão de vida melhor para seu povo, através principalmente do desenvolvimento do turismo de sua região. Deu sua imensa contribuição neste sentido, trazendo para sua cidade grandes empresários, mostrando a imensa possibilidade de investimentos visando o desenvolvimento da região, incentivando e apoiando a criação do Conselho Municipal de Turismo-CODETUR.

Deixa um grande legado à apicultura brasileira, pela dedicação e a busca constante do conhecimento para melhorar a vida das abelhas, melhorando consequentemente a vida do homem na terra.

Chociai era um autodidata, mas semeou seus conhecimentos entre jovens de inúmeras universidades que o procuravam ávidos por suas histórias e suas utopias, na esperança da construção de um mundo mais bonito, onde os homens, os animais e a natureza vivam numa simbiose fraternal, usufruindo dos frutos do labor de ambos, principalmente daqueles proporcionados por este inseto tão maravilhoso, responsável pela preservação da vida na terra: a abelha, que Carlos Chociai tanto amava.

Carlos Chociai teve seu trabalho reconhecido através de citações em vários artigos científicos e de publicações em várias revistas brasileiras como o Globo Rural. Também marcou presença em alguns programas de televisão como O Globo Repórter e o Fantástico. Teve o privilégio de ter uma página dedicada ao seu trabalho no livro ”Me leva Brasil” de Maurício Kobrusly .

Carlos Chociai era casado com Regina Guil Chociai (professora), com quem teve três filhas: Gracielle (Assistente Social), Mariel (Bióloga) e Heloise (Publicidade e Propaganda).