Paulo Nogueira-Neto,
o Professor Emérito do Departamento de Ecologia
do IBUSP e seu legado.
Vera Lucia Imperatriz Fonseca (vlifonse@ib.usp.br) – Professora Sênior da USP. Laboratório de Abelhas
“A melhor coisa que fiz na vida foi conseguir que a proteção do meio ambiente passasse a ser defendia: faz parte do amor ao próximo” Declaração de Paulo Nogueira-Neto à Associação A.B.E.L.H.A., em entrevista concedida em 2015.
Em um tempo de métricas (qual o impacto da revista que publicou esse artigo? Quantos trabalhos o pesquisador publicou neste ano em Qualis A? Quantos trabalhos reviu? Quantos pesquisadores recebeu no seu laboratório? Foi revisor de quantos estudos? etc…) falar do legado de um professor emérito falecido aos 96 anos é um tema extenso.
Vamos viajar no tempo? Um jovem estudante de direito da USP conheceu as abelhas indígenas sem ferrão através do interesse de seu sogro que lhe presenteou com um ninho da abelha jataí, como Dr. Paulo sempre contava nos seus livros. Quis saber mais sobre essas abelhas, pouco conhecidas, e resolveu estudar sua biologia e também como criá-las, um grupo de abelhas sociais tropicais muito diverso e pouco conhecido
Era a década de 40. Na literatura, relatos históricos de naturalistas eram encontrados (como os de von Ihering, Fritz Muller, entre outros). Não havia xerox, nem computadores, os livros eram preciosos e as separatas (cópias adicionais impressas) dos trabalhos publicados, uma riqueza. Pesquisadores com interesse comum conversavam, pesquisavam e escreviam cartas. Foi assim, no Brasil dos meados do século passado, que o trio Paulo Nogueira-Neto (o criador de abelhas nativas), Warwick E. Kerr (o geneticista) e o Padre Jesus Santiago Moure, (o taxonomista), fundaram as bases dos estudos sistemáticos com abelhas.
Após a publicação de seu primeiro livro em 1953, intitulado “Criação de Abelhas Indígenas Sem Ferrão”, o amigo Paulo Vanzolini aconselhou Paulo a fazer o curso de História Natural na USP. Assim, o jovem advogado fez o curso noturno na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e ampliou seus horizontes com o conhecimento trazido pelo curso.
Formou-se em 1959 e fez seu doutoramento no Departamento de Zoologia em 1963, e a tese foi sobre a arquitetura dos ninhos das espécies de abelhas sem ferrão.
Naquela época já tinha publicado importantes estudos sobre o comportamento e a criação das abelhas indígenas sem ferrão principalmente na revista Chácaras e Quintais. Preocupava-se com as flores visitadas pelas abelhas, pois todo criador deveria plantar para as abelhas se alimentarem e ou nidificar. Aliás, aqui vale dizer que tanto o Dr. Paulo quanto Dr Kerr sempre estavam com sementes ou mudas de árvores, para distribuir ou que plantavam com prioridade no campus ainda pouco arborizado alem de em praças e jardins.
Na década de 50, também o Dr. Paulo fundou a Adeflofa, Associação de Defesa da Flora e da Fauna, que mais tarde passou a chamar-se Ademasp (Associação de Defesa do Meio Ambiente de S. Paulo). Essa ONG se ocupava de ações ligadas à proteção do meio ambiente, da criação de reservas biológicas, de apoio a jovens estudantes.
Áreas de importância ecológica eram avaliadas para serem conservadas. A Adeflofa era sócia da IUCN (União Internacional da Conservação da Natureza) que até hoje é uma das mais importantes e respeitadas organizações de defesa do meio ambiente encontradas. Também no final desta década ele publicou o primeiro trabalho sobre a utilização das abelhas sem ferrão como polinizadores importantes do café Bourbon, em colaboração com pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas.
Já estava definido então um perfil de pesquisador importante para o Brasil. Ligado ao setor agrícola (Dr. Paulo era de família de usineiros de cana de açúcar) e com grande pendor conservacionista, já tinha naquela época entendido a importância da criação das abelhas como polinizadoras, e que dialogar com os pares dos dois setores era uma prioridade. A restauração do entorno da Usina Ester em Cosmópolis, no Estado de S. Paulo, considerada modelo, foi idealizada e implantada por ele.
Para encurtar a história, Nogueira-Neto sempre foi ativo e participava dos principais movimentos ligados à preservação ambiental. Fez parte da delegação brasileira na famosa reunião de Estocolmo de 1972 (Reunião das Nações Unidas que abordou as interações entre a Humanidade e o Meio Ambiente, os resultados apresentados na Declaração de Estocolmo). Chamado pelo governo brasileiro a opinar sobre os documentos resultantes deste encontro da ONU, do qual participaram 123 países, e como tratar da situação no caso do Brasil, apontou novas possibilidades e foi posteriormente convidado pelo governo brasileiro para ser o primeiro Secretário Especial do Meio Ambiente. Era uma Secretaria ligada à Presidência da República que começou com 5 pessoas, em janeiro de 1974, para planejar as ações ligadas ao meio ambiente do Brasil. Felizmente, a escolha foi muito acertada: estava nas mãos de um homem íntegro, capaz e preparado essa função. Foi uma época importante para o desenvolvimento das políticas públicas, quando foram criadas as estações ecológicas, outros tipos de áreas de conservação, e a legislação ambiental do Brasil. Atuou sempre em prol deste desenvolvimento de áreas protegidas, pois sabia que era a única possibilidade de conservar a biodiversidade no futuro.
Nesta posição, Nogueira-Neto participou como representante da América Latina ou do Brasil em comissões globais muito importantes. Destaco aqui o programa Homem e Biosfera (MAB : Man and Biosphere) da UNESCO, tendo sido eleito duas vezes para vice-presidente deste programa intergovernamental muito importante. Lançado em 1971 pela UNESCO, o programa tinha o objetivo de estabelecer a base científica para a melhoria das relações entre os povos e o meio ambiente. Foi criada neste programa uma plataforma de cooperação e troca de informações, experiências e conhecimento sobre a perda de biodiversidade, as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável.
Com toda essa experiência, participar da Comissão Brundtland, também das Nações Unidas, intitulada Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1983-1987), foi o ponto alto de sua atuação global. Esta comissão definiu o desenvolvimento sustentável como a única possibilidade para o futuro, e o relatório foi publicado em um livro denominado Nosso Futuro Comum. O relatório deu as bases para a reunião da ONU conhecida como Eco 92, quando foram criadas as grandes convenções que reúnem os países signatários da ONU em temas como Biodiversidade, Mudanças Climáticas, Áreas Alagadas e a criação da Agenda XXI.
Paulo Nogueira-Neto deixou o governo, mas não as ações em prol da biodiversidade, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, atuando no ensino, em muitas ONGs e Conselhos Ambientais. Foi muito respeitado por todos, pela sua habilidade de comunicar-se com setores antagônicos, resolver conflitos, propor soluções simples para problemas complexos. Compreendia muito bem que a sociedade é formada por muitos setores e que o diálogo bem construído e coerente é uma ferramenta inestimável para o desenvolvimento.
Foi sempre bem-vindo, seja nas atividades junto à USP e sempre presente nos Encontros sobre Abelhas de Ribeirão Preto. Ofereceu aos pesquisadores e meliponicultores a fazenda Aretuzina como local de pesquisa com suas abelhas muito bem cuidadas e estudadas; era um dos pontos relevantes dos encontros em Ribeirão Preto.
Recebeu muitos prêmios no Brasil e no Exterior, mas um dos que mais gostava era o de Professor Emérito. Tinha orgulho de ser professor, e de poder ensinar. Sempre acompanhou o desenvolvimento do laboratório de abelhas que criou em 1967, iniciado com 5 colmeias e que formou muitos pesquisadores, hoje com posições em Universidades e Centros de Pesquisa em todo Brasil. Influenciou positivamente centenas de pessoas, que o admiraram e respeitaram. Uma homenagem dos alunos será o plantio inicialmente de 96 árvores em todo Brasil em todos os sábado do mês de março, celebrando a vida e o exemplo do nosso mestre. México, Portugal e Austrália acabam de ser incluídos nesta homenagem.
Em um dos seus depoimentos ele comentava as lições do exílio do seu pai durante o governo getulista. “Quando viajava de avião com destino a Buenos Aires, ficava sempre impressionado com o espetáculo oferecido pelas florestas de araucária que se mostravam presentes e imponentes. Achava que era um espetáculo eterno, que não iria acabar nunca. Mas o tempo mostrou que estava errado. Daquilo tudo, hoje, sobrou apenas o Parque Nacional Iguaçu”.
Como bem definiu em uma entrevista dada à Associação ABELHA, “O mundo não é sustentável se não cuidarmos do meio Ambiente. A vida humana depende disso”. Ele também disse que a melhor coisa que fez na vida foi conseguir que a proteção ao Meio Ambiente passasse a ser defendia, pois faz parte do amor ao próximo…