As Abelhas Solitárias do Brasil
Adriana Tiba e Julio Pupim (dritiba@icloud.com; ssjmudas@hotmail.com)
Desde o surgimento das flores no planeta, pequenos insetos aperfeiçoaram seus corpos e desde então realizam com eficácia a continuidade de suas espécies. Alguns destes seres alados que chamamos de abelhas somam cerca de 20 mil espécies no mundo e são responsáveis não somente por garantir alimento para nós humanos, como também são responsáveis pela perpetuação da diversidade da flora e da fauna.
No Brasil são quase 2 mil espécies de abelhas já descritas, distribuídas por todos os ambientes do país, e curiosamente podem ser encontradas também em nossos jardins e quintais. Abelhas sociais ou abelhas indígenas ou ainda abelhas sem ferrão são as mais conhecidas. Pelo menos 300 espécies já foram descritas, e sua forma social de viver é mais acessível aos nossos olhares apressados e citadinos. Seus ninhos estão nos ocos das árvores antigas, em caixas de força elétrica, nos blocos de cimento dos muros, gavetas abandonadas, bules velhos e em tantos outros cantos cabíveis de se aninhar. O entra e sai da população acaba atraindo o olhar, e lá estão elas, nos indicando que ainda há recursos necessários no local para que elas continuem se perpetuando. Sendo abelhas sociais, coletam néctar e o desidratam. O pólen também é estocado e assim fica garantida a fonte de energia e proteína para suas atividades.
As demais abelhas nativas, chamadas de solitárias somam um pouco mais de 1700 espécies já identificadas no país. E como não as conhecemos? Porque num primeiro momento elas são como seres invisíveis aos olhos, mas num piscar de olhos mais atento elas se multiplicam e se apresentam em cores, tamanhos, sons, cheiros e formas diversas. Seus ninhos são muito mais discretos, sendo a maioria construída no solo. Algumas ainda fazem seus ninhos em pequenos orifícios já existentes em galhos, bambus, fissuras de pedra E não há um entra e sai constante do ninho como ocorre nas abelhas sociais.
O termo solitária significa que a abelha fêmea irá cuidar da sua prole independentemente de outras abelhas, tanto na construção do ninho, como na coleta de alimentos, assim como na oviposição. Também não há sobreposição de gerações. No entanto, isso não significa que elas não possam fazer ninhos comunais ou agregados, sendo possível observar várias abelhas solitárias utilizando uma entrada comum para seus ninhos, ou construindo num mesmo local vários ninhos, porém cada abelha fêmea cuidando do seu.
Algumas abelhas procuram orifícios já existentes para nidificar, como é o caso de Centris (Apinae), Megachile (Megachilinae) e Hylaeus (Colletinae). É possível espalhar em nossa casa ninhos construídos com madeiras e galhos furados e também com varetas de bambu. Isso possibilita atrair e notar a presença de colonizadores e também observar seu comportamento.
Há também abelhas cleptoparasitas que costumam entrar em ninhos de outras abelhas onde depositam seus ovos junto com os da hospedeira. Durante o desenvolvimento as larvas da abelha parasita passam a se alimentar do aprovisionamento deixado nas células de cria da abelha parasitada.
Envolvimento
O que um agricultor e uma ceramista têm em comum? Talvez uma curiosidade profunda em conhecer a fauna que se apresenta em seus espaços verdes. Os cultivares atraindo seus polinizadores captaram também olhares atentos para as abelhas que transportavam pólen de uma flor à outra, aumentando a produtividade e a qualidade de seus frutos. Os ninhos no chão de terra e de argila sinalizaram presença de abelhas solitárias no quintal e a partir de observações diárias, outros ninhos foram construídos e elaborados com materiais naturais.
A experiência de observar o comportamento das abelhas locais propiciou o desenvolvimento de registro fotográfico e também de oficinas para estímulo de conhecimento e de construção de ninhos para abelhas solitárias. Saindo das fronteiras de nossos quintais, as experiências cresceram de acordo com as atividades e as saídas pelos cantos do país. E sempre que possível fica o registro e troca de informações, discussão e dispersão do conhecimento sobre as abelhas solitárias do Brasil através do grupo “Abelhas Urbanas sem Ferrão”.
Como a maioria destas abelhas nidifica no chão talvez explique a dificuldade em reconhecer seus ninhos e esse fato traz um alerta para as condições em que estamos cuidando de nosso solo. Excesso de impermeabilização, tanto de pisos cobrindo quintais como asfalto em toda cidade aliados ao manejo do solo em áreas agrícolas e aplicação de diversos produtos químicos podem afetar as condições naturais onde estas abelhas procriam.
As Oficinas
As atividades com a sociedade de diferentes faixas etárias têm propiciado trocas de conhecimento e apresentado novas rotas de descobertas. A cada encontro, aumenta o número de pessoas curiosas e até mesmo engajadas na questão da conservação das abelhas e de seus recursos. Aumentam os diálogos de educação e as novas formas de propagação oriundas de universos particulares e com expansão surpreendente transitam do aposentado ao astrônomo amador, e atingindo também poetas e professores da área acadêmica. Toda dinâmica resulta em novos encontros e abre possibilidades para novas explorações.
Paralelamente, ao longo de quatro anos de pesquisa e de registro destas abelhas em nossos quintais, descobrimos outros gêneros que também constroem seus ninhos em barrancos como a Pseudaugochlora (Halictinae), no solo do sítio uma entrada de Epicharis (Apinae), na argila crua uma abelha Melitoma (Apinae) construindo células de cria para depositar seus ovos e muitas Xylocopa (Apinae) cavando com suas mandíbulas entradas em madeiras moles ou em estado de decomposição. E o estudo não tem fim, porque passamos a observar também onde elas buscam seus recursos, quais plantas elas visitam e ou polinizam, quem são seus parasitas, onde dormem os machos, quais odores e sons elas emitem e tantas outras curiosidades no mundo destas pequenas.
Nas oficinas convidamos todos a cuidar de espaços verdes, proporcionando assim locais ideais para que elas possam se aninhar. A felicidade de encontrar uma abelha construindo ninho a poucos centímetro dos olhos é imensurável. Sem contar no bem maior que realizamos para a manutenção do ecossistema.
Mãos à obra e boa sorte! É como sempre encerramos nossas oficinas.
Agradecimento
Gostaríamos de agradecer a oportunidade de participar nesta edição da revista com especial homenagem ao Sr. Constantino Zara. Estendemos o agradecimento à Marilda Cortopassi-Laurino sempre nos acompanhando e sugerindo novos caminhos.