Dr. Paulo Nogueira Neto e a Fazenda Aretuzina

Cristiano Menezes (cristiano.menezes@embrapa.br) – Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna-SP – Biólogo, Entomólogo, especialista em abelhas sem ferrão

“26 de fevereiro de 2019,
o mundo amanheceu menos verde”

Foto-1-NogueiraTive o privilégio de conviver com o Dr. Paulo Nogueira Neto em sua Fazenda Aretuzina, no município de São Simão, onde ele mantinha e disponibilizava uma infraestrutura incrível para estudar a abelhas sem ferrão. Para quem é apaixonado pelo mundo das abelhas, visitar a fazenda era equivalente a ir para a Disneylândia para uma criança. Neste local ele criava uma grande diversidade de espécies nativas, mantidas em condições propícias para a pesquisa científica, e mantinha um laboratório para estudos de comportamento, biblioteca e estrutura confortável para hospedar as pessoas. Não havia restrições para ajudar pesquisadores e estudantes a realizarem suas pesquisas. Além de oferecer infraestrutura, disponibilizava toda a equipe de funcionários e colaboradores para atender às necessidades dos visitantes. Geralmente aos finais de semana, os visitantes tinham o privilégio de conviver com o Dr. Paulo, compartilhar os resultados de suas pesquisas, discutir ideias e ouvir as histórias de quem participou literalmente da construção dos principais pilares da conservação da biodiversidade brasileira.

O ambiente estimulante e favorável à ciência também representava uma oportunidade única para conhecer a história do café e sua importância para o país. No passado a Fazenda Aretuzina foi uma das mais relevantes para a produção de café no interior de São Paulo e possui um acervo de equipamentos, infraestrutura e utensílios capazes de fazer inveja em qualquer museu de história.

Ao longo de muitos anos a Fazenda Aretuzina foi frequentada por dezenas de brasileiros e estrangeiros e dali surgiram diversas descobertas importantes sobre o mundo desses insetos tão especiais, as abelhas sem ferrão. Experimentem buscar no Google Scholar por “Fazenda Aretuzina” para ter uma ideia de quantas publicações científicas foram geradas nesse local. Tive a oportunidade participar ativamente de algumas delas, mas uma foi especial e contou com a participação direta do Dr. Paulo. Foi a descoberta do primeiro caso de uma abelha guarda morfologicamente especializada. Durante uma das visitas do Prof. Francis Ratnieks e seus alunos à fazenda, estávamos estudando o sistema de defesa da abelha Jataí e observamos pela primeira vez que as guardas eram maiores que as forrageiras. No início o Dr. Paulo demonstrou desconfiança, mas com o avanço do estudo e diante dos resultados preliminares, o entusiasmo pela descoberta e suas considerações foram fundamentais para avançar no trabalho que posteriormente abriria uma nova linha de pesquisa no grupo das abelhas sem ferrão. Como é possível concluir, ele não só propiciava um ambiente incrível para os estudos oferecendo a sua fazenda, mas participava ativamente dos processos, de forma humilde e ponderada, como era do seu perfil.

Hoje, 26 de fevereiro de 2019, o mundo amanheceu menos verde. O Brasil perde um dos principais pioneiros nas questões ambientais a nível mundial. O seu legado é impossível medir, mas é possível ver. Em uma floresta nativa, na mata ciliar de um rio, no topo de uma montanha. No olhar de uma criança que conhece e admira as abelhas indígenas sem ferrão. Se não fosse ele, muitas das nossas espécies já poderiam estar extintas.

Agradecimento

“Sou muito grato à Prof.ª Vera Imperatriz Fonseca por ter me apresentado ao Dr. Paulo e propiciado a convivência com ele. Foi fundamental na minha formação como pesquisador e como cidadão.”