DIETAS PROTEICAS À BASE DE SOJA PARA ABELHAS SEM FERRÃO: EFEITOS SOBRE AS COLÔNIAS, CUIDADOS E BOAS PRÁTICAS

Autores: Jamille Veiga (jal.cveiga@gmail.com), Joyce Teixeira, Ana Carolina Queiroz, Kamila Leão, Felipe Contrera, Felipe Domingues, José Eraldo Fontes, Thiago Lopes, Anita Marsaioli e Cristiano Menezes.
Instituições: Embrapa Amazônia Oriental, Embrapa Meio Ambiente, Universidade Federal do Pará e Unicamp.

As abelhas sem ferrão enfrentam ciclos anuais de abundância e escassez de alimentos, de maneira que a disponibilidade desses recursos depende da distribuição das plantas no ambiente e do seu período de floração (Aleixo et al., 2017). Na natureza, as colônias lidam com esses ciclos coletando o máximo possível das ofertas periódicas, assim formando seus estoques de mel (fonte de carboidratos) e de pólen (fonte de proteínas e sais minerais) para as futuras gerações (Veiga et al., 2013).

No contexto da meliponicultura, os desafios são ainda maiores. Nesse cenário, muitas colônias são criadas no mesmo local – o meliponário – e assim são estimuladas a disputar entre si os poucos recursos disponíveis na paisagem ao redor. Além disso, o próprio manejo interfere nessa dinâmica de estoque de recursos, a exemplo da colheita de mel e da multiplicação de ninhos: ambas ações que reduzem à metade, ou mais, os estoques de alimento em uma colônia (Kerr et al., 1996; Nogueira-Neto, 1997). A interação entre (i) variação anual da disponibilidade de alimento, (ii) adensamento de colônias em meliponários, e (iii) manejo de colônias para a produção, pode resultar em baixos estoques alimentares – possivelmente reduzindo a produção de alimento larval, e a quantidade de alimento para a rainha e as operárias jovens (Cruz-Landim, 2009) – afetando diretamente o desenvolvimento e a saúde das colônias.

Como uma alternativa para garantir a alimentação da colônia em situação de pouca oferta, surgiram as dietas artificiais. A ideia seria fornecer uma alimentação artificial que ajudasse as colônias a atravessarem o período de escassez, e os meliponicultores a manterem o seu plantel. As técnicas variam, cada uma delas com foco no fornecimento extra de nutrientes, principalmente carboidratos ou proteínas. O uso de xarope de água com açúcar em proporção 1:1 ou xarope de açúcar invertido é uma técnica bastante comum entre os criadores para a oferta de carboidratos (Nogueira-Neto, 1997; Pires et al., 2009). Enquanto para incremento do alimento proteico, costuma-se utilizar pólen natural congelado e/ou dietas proteicas a base de vegetais, como macaxeira e soja (Venturieri et al., 2012; Ferreira et al., 2018). Estudos anteriores mostram que as dietas artificiais proteicas a base de extrato de soja apresentam um bom potencial.

Com base nisso, dois estudos publicados esse ano mostraram que as dietas artificiais proteicas são uma alternativa viável para alimentar colônias de abelhas sem ferrão (Queiroz et al., 2019; Teixeira et al., 2019). Os estudos foram realizados pela Embrapa, em colaboração com parceiros da Universidade Federal do Pará e da Unicamp, e podem ser lidos integralmente nas revistas científicas Sociobiology e Journal of Apicultural Research.

O Que Queríamos Saber?

Pergunta nº1: Como é a composição química do pólen das abelhas sem ferrão? Uma dieta artificial proteica tem composição química parecida ou diferente?

Pergunta nº2: Qual o efeito da dieta artificial no tamanho e na sobrevivência dos indivíduos em comparação a uma dieta natural?

Pergunta nº3: Qual o efeito da dieta artificial na longevidade de indivíduos em comparação a uma dieta natural?

Como Fizemos?

Escolhemos como espécies de estudo a Uruçu-amarela (Melipona flavolineata, Figura 1) e a abelha Canudo (Scaptotrigona aff. postica, Figura 2): abelhas sem ferrão de importância econômica na região norte do Brasil, tanto para a produção de mel, quanto para a polinização de plantas silvestres e cultivos agrícolas.

Para responder à primeira pergunta, comparamos a composição química do pólen natural com a composição da dieta artificial à base do extrato de soja, produzida a partir de uma receita padronizada (Figura 3). Para responder à segunda pergunta, investigamos o efeito dessa dieta artificial no tamanho e na sobrevivência de operárias, comparando indivíduos de colônias com estoque de pólen, e indivíduos de colônias com estoque de dieta artificial à base de extrato de soja (foram utilizadas cinco colônias para cada grupo). Para facilitar o rastreamento do uso do alimento artificial dentro do ninho, foi utilizada anilina, um corante para alimentos de cor verde (Figura 4). A comparação entre dietas e a avaliação de tamanho e sobrevivência foram realizadas apenas para a espécie Uruçu-amarela.

Por fim, para responder à terceira pergunta, investigamos o efeito da dieta artificial na longevidade de grupos de operárias. Esta avaliação foi realizada em ambas as espécies. Para cada uma, foram utilizadas 200 abelhas operárias, formando-se 10 grupos de 20 indivíduos, em que cinco foram alimentados com pólen, e os outros cinco grupos, alimentados com dieta artificial à base de extrato de soja.

O Que Encontramos?

O alimento artificial apresentou composição química bem diferente do alimento natural. Foi mais rico em carboidratos e lipídios, porém mais pobre em proteínas em comparação com o pólen natural (Tabela 1). Apesar dessa diferença na composição, não encontramos diferença na sobrevivência da cria que ingeriu a dieta artificial. Contudo, encontramos diferenças no tamanho de operárias e na longevidade dos indivíduos. Se por um lado, operárias de M. flavolineata alimentadas com dieta artificial apresentaram um tamanho corporal em média 5% maior que operárias do grupo controle (Tabela 1), por outro, abelhas adultas alimentadas exclusivamente com a dieta artificial viveram em média 9 dias a menos que as abelhas que ingeriram pólen natural (Tabela 2).

A redução na longevidade também foi observada em S. aff postica, de forma que operárias alimentadas com a dieta artificial viveram em média 17 dias a menos (Tabela 2).

Qual A Importância Desses Resultados?

Nossos resultados são importantes porque mostram que uma dieta proteica artificial à base de extrato de soja pode ser utilizada com sucesso em duas espécies de abelhas sem ferrão. Além disso, mostram que a dieta artificial não substitui plenamente o pólen natural – dificilmente encontraremos uma dieta artificial perfeita. Apesar disso, dietas artificiais podem suprir requerimentos nutricionais das colônias de abelhas sem ferrão em circunstâncias adversas, por exemplo: em períodos de escassez de flores, em situações de grande adensamento de colmeias, em locais com pasto apícola deficiente, tais como ambientes urbanos e rurais degradados (Nogueira-Neto, 1997; Vollet-Neto et al., 2018).

A receita pode ser usada para formular dietas para outras espécies de abelhas sem ferrão, desde que se use o pólen natural da espécie de interesse, e que se faça um teste preliminar de aceitação da dieta na colônia (Costa & Venturieri, 2009; Pires et al., 2009). Para formulações futuras, precisamos reduzir a quantidade de açúcar e lipídios na receita, e procurar ingredientes que aumentem o teor de proteínas. Isso contribuirá para que as dietas artificiais se aproximem cada vez mais das características do alimento natural.

Mesmo fazendo manejo adequado das colônias e utilizando dietas artificiais, destacamos que, para obter sucesso, os criadores de abelhas precisam investir em pasto apícola, através do plantio de árvores, para aumentar a oferta de alimento natural ao longo do ano, especialmente as espécies de plantas que florescem no período de entressafra. Essa simples atitude contribuirá com o aumento da produtividade das populações manejadas, e também ajudará na conservação populações silvestres.

Cuidados Necessários No Uso Das Dietas Artificiais Proteicas

Apesar de a alimentação artificial ser uma alternativa importante para a meliponicultura, também pode se tornar um pesadelo para a sua criação, pois é uma via para a transmissão de doenças. Como boas práticas para o uso dessa alternativa, temos três recomendações fundamentais para os meliponicultores:

Nunca utilize pólen de outras espécies para promover a fermentação da dieta artificial. Enquanto não sabemos como os microrganismos benéficos de uma espécie de abelha podem afetar a saúde de uma outra, a melhor opção é evitar! As consequências podem ser desastrosas e irreversíveis para a sua criação.

Evite utilizar pólen de Apis mellifera na formulação da dieta, pois as doenças que afetam essa abelha podem ser transmitidas para as abelhas sem ferrão. Caso o pólen de A. mellifera seja a única alternativa disponível, ferva a mistura pastosa (pólen + xarope), e deixe-a esfriar naturalmente. Esse procedimento poderá reduzir as chances de contaminação, mas pode não ser suficiente para eliminar todos os tipos de doenças.

Seja sempre cauteloso! Como afirmamos anteriormente, ainda são necessários mais estudos sobre as vias de contaminação entre colônias e entre espécies de abelhas. Por essas razões, recomendamos cuidados redobrados na transferência de pólen, mel e outros materiais biológicos entre espécies diferentes.

Bibliografia Consultada

Aleixo, K.P., Menezes, C., Imperatriz Fonseca, V.L. & da Silva, C.I. (2017) Seasonal availability of floral resources and ambient temperature shape stingless bee foraging behavior (Scaptotrigona aff. depilis). Apidologie, 48, 117–127.

Costa, L. & Venturieri, G.C. (2009) Diet impacts on Melipona flavolineata workers (Apidae, Meliponini). Journal of Apicultural Research..

Cruz-Landim, C. (2009) Abelhas: Morfologia e Função de Sistemas. Editora UNESP, São Paulo.

Ferreira, J.C.B., Queiroz, A.C.M., Andrade, A.A. & Veiga, J.C. (2018) Nutrição de abelhas sem ferrão: uma revisão sobre a alimentação proteica complementar como alternativa no período de escassez da região amazônica. In Anais XXII Congresso Brasileiro de Apciultura e VII Congresso Brasileiro de Meliponicultura p. 313.

Kerr, W.E., Carvalho, G.A., Nascimento, V.A. & Bego, L.R. (1996) Abelha uruçu: biologia, manejo e conservação2a. Editora Liber Liber, Belo Horizonte, MG.

Nogueira-Neto, P. (1997) Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão. Nogueirapis, São Paulo.

Pires, N.V.C.R., Venturieri, G.C. & Contrera, F.A.L. (2009) Elaboração de uma dieta artificial protéica para Melipona fasciculata. Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA.

Queiroz, A.C.M., Leão, K.L., Teixeira, J.C.S., Contrera, F.A.L. & Menezes, C. (2019) Stingless bees fed on fermented soybean-extract-based diet had reduced lifespan than pollen-fed workers. Sociobiology, 66, 107–112.

Teixeira, J., Queiroz, A.C., Veiga, J., Leão, K., Contrera, F., Domingues, F., et al. (2019) Soy extract as protein replacement to feed Melipona flavolineata Friese (Hymenoptera, Apidae, Meliponini). Journal of Apicultural Research. Taylor & Francis.

Veiga, J.C.C., Menezes, C., Venturieri, G.C.C. & Contrera, F.A.L.A.L. (2013) The bigger, the smaller: relationship between body size and food stores in the stingless bee Melipona flavolineata. Apidologie, 44, 324–333.

Venturieri, G.C., Alves, D.A., Villas-Bôas, J.K., Carvalho, C.A.L. de, Menezes, C., Vollet-Neto, A., et al. (2012) Meliponicultura no Brasil: situação atual e perspectivas futuras para o uso na polinização agrícola. In Polinizadores no Brasil: Contribuição e Perspectivas para a Biodiversidade, Uso Sustentável, Conservação e Serviços Ambientais (eds V.L. Imperatriz-fonseca, D.A.L. Canhos, D. de A. Alves & A.M. Saraiva), p. 4881a. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo.

Vollet-Neto, A., Blochtein, B., Viana, B.F., dos Santos, C.F., Menezes, C., Nunes-Silva, P., et al. (2018) Desafios e recomendações para o manejo e transporte de polinizadores. A.B.E.L.H.A., São Paulo.