O Amargo Sabor do Mel

José Alexandre Silva de Abreu – Vice-Presidente do CNAA

Figura_1_AmargoA amarga lição desta vez tem seu primeiro ato na incorrigível mania dos chineses de produzir “fakes” cada vez mais baratos e tentar passar os desavisados pra trás. Por conta da péssima qualidade do mel chinês, eles ficaram quase 3 anos banidos dos dois maiores mercados do mundo: Europa e Estados Unidos, causando um desequilíbrio na oferta mundial de mel: preços históricos entre US$ 1.80 a US$ 2.40 / kg, saltaram para US$ 3.80 a US$ 4.70 / kg. O mundo todo passou a fomentar a produção apícola, alguns países com excelentes condições produtivas, como Canadá, México, Vietnam, Índia tornaram- se concorrentes do Brasil mesmo no seleto segmento de orgânicos, onde estávamos praticamente sozinhos por muitos anos.

Em meados de 2018 a China solucionou seus empecilhos regulatórios e voltou voraz ao mercado de mel, soltando um grande estoque represado no mercado internacional e provocando com isto o efeito dominó da queda dos preços em todo mundo. Mas com um mercado consumidor de quase 210.000.000 de bocas, o problema do mercado internacional não seria sequer percebido se pudéssemos virar a chave para modo “Mercado Interno,” mas Infelizmente esta chave não existe.

Durante muitos anos, toda a máquina pública: Emater, Sebrae, Apex, Bancos de fomento: BB, Basa, BN, BNDES, etc., estimulavam a apicultura comoditizada: produzir mel para vender em tambores aos entrepostos, que por sua vez revendiam no mercado internacional, agregando sem nada agregar na cadeia de valor do produto. Em nenhum momento ninguém pedia licença ao entusiasmo geral e lembrava uma célebre frase nas bolsas de mercadorias e futuro: Não existe comodite premium!

Agora de nada adianta ficar apontando o dedo uns para os outros: apicultores culpando entrepostos, e estes dizendo que os apicultores não tem produtividade, preço competitivo e profissionalismo. O mercado mundial de mel está passando por uma crise cíclica, contra a qual quase nada podemos fazer com resultados imediatos. Na verdade, fomos pegos em vulnerabilidade, porque absurdamente os produtores brasileiros, não conseguem colocar o próprio mel em nosso país!

O Brasil é o único país do mundo, no qual o próprio governo federal autoriza a fabricação e uso de mel falsificado pela indústria de alimentos bebidas, cosmética e farmacêutica. Desde 2003 a ANVISA e MAPA autorizam o uso de “preparado de mel”, que nada mais é do que uma grosseira falsificação à base de açúcar e fragrância de mel, para enganar o consumidor e prejudicar os apicultores. A competição é inviável, pois esta falsificação autorizada é oferecida às indústrias ao preço de R$3,00/kg (com credito de ICMS e ST).

Infelizmente a retórica de que, “Muito ajuda, quem pouco atrapalha” ainda não foi bem absorvida pelos nossos governos e assim, rigorosíssimas regras sanitárias dificultam que pequenos produtores tenham acesso ao mercado. Desde 2018, sob a subordinação da ANVISA, na categoria de suplemento, classificado como fonte de carboidrato, o mel ganhou ainda mais restrições de consumo por grupo de habitantes. O acesso ao mercado interno que já era dificílimo por conta da concorrência contra o “mel falsificado do governo” fica ainda mais restrito. As normas do SIF se tornaram mais e mais rigorosas com obrigações cada vez mais dispendiosas como a absurda obrigação de realizar 3 análises de água por dia nos entrepostos.

Por conta de tudo isto, o setor apícola está amargando atualmente a pior crise de mercado de sua história, que poderá inviabilizar a criação de abelhas no país. Abelhas são o adubo alado do agronegócio. Através da polinização elas são responsáveis por 70% da produção agrícola nacional: US$ 287,000,000,000.00 (duzentos e oitenta e sete bilhões de dólares por ano). O valor do mel em si nada representa diante do peso da polinização nas lavouras do país, mas ao sufocar os apicultores, restringindo o seu mercado com uma competição desleal e desonesta, o governo promove o desmanche da apicultura, que terá impactos profundos na produção agropecuária.

A situação chegou a um ponto tão extremo que, o governo e a sociedade precisam decidir se criar abelhas é ou não importante, se é ou não é estratégico para o agronegócio ter abelhas para polinizar as lavouras. Se a decisão for pelo sim, a hemorragia deverá ser estancada logo, ou o paciente morre. As emergentes e frágeis apicultura e meliponicultura no país clamam por uma nova postura do Governo Federal, como as que são pleiteadas pelo Conselho Nacional do Agronegócio de Abelhas, veja quadro.