SOBRE NINHOS DE MELITOMA SEGMENTARIA (APIDAE: APINAE: EMPHORINI) EM FORNO ARTESANAL DE PÃO

Marilda Cortopassi-Laurino; Mariana Taniguchi e Samuel Boff
mclaurin@usp.br; marit0210@gmail.com; samboff@gmail.com

As abelhas do gênero Melitoma têm ampla distribuição geográfica. Ocorrem desde o México até a Argentina, onde vivem desde o nível do mar em ambientes temperados e nos tropicais até altitudes de 3815m, observadas no Peru (Linsley 1980).

Figura-1-sobre-ninhosSobre os seus hábitos de nidificação no Brasil, já foram encontrados ninhos em barrancos de rodovias em Curitiba-PR; em paredes de tijolos em São Carlos-SP (Michener & Lange, 1958); em solo plano e duro no campus da Universidade de Ribeirão-Preto-SP (Camillo et al., 1993) e em termiteiro em Uberlândia-MG (Mamede Filho et al., 1991). Vários dos ninhos estavam protegidos por algum tipo de cobertura.

As espécies são monotróficas e coletam pólen de flores de Ipomoea (Convolvulaceae). Na literatura, há registros de atividade dessas abelhas nos meses quentes do sul/sudeste do Brasil e em junho/julho no Pará (Linsley, 1980).

Aqui relatamos nova ocorrência de ninhos de Melitoma segmentaria (Fabricius, 1804) em Bertioga-SP, com detalhes de suas estruturas e análise da provisão dos imaturos.

Material e Métodos

Figura-2-sobre-ninhosFoi encontrada uma aglomeração com 94 entradas de ninhos de M. segmentaria em um forno artesanal de pão (Fig.1), na região litorânea de Bertioga-SP (23º49”49”S; 46º07’23”W). Os ninhos estavam distribuídos na camada de argila e rapadura que reveste o forno, com 1-3cm de espessura, e foram observadas ao longo do mês de fevereiro de 2010.

As dimensões das células de cria (Fig.2) foram registradas com auxílio de um paquímetro digital (graduação de 0.01mm) e as abelhas foram pesadas em uma balança de precisão. O material coletado foi depositado na coleção Camargo da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP-Ribeirão Preto.

Resultados

Figura-3-sobre-ninhosLocal e eclosão dos ninhos

O forno tinha dimensões de 117cm de diâmetro por 65cm de altura, e estava apoiado num suporte de 90cm de altura e protegido por uma cobertura de telhas. Na porção externa da sua parede, 78% das 94 entradas dos ninhos estavam na face leste, mais exposta ao sol.

Em fevereiro de 2010, após dois anos de atividade destas abelhas, foram retiradas 66 células sendo que somente 9 (14%) estavam fechadas e uma em construção. As células estavam alinhadas em número de até três e às vezes, quando a espessura da camada de argila era maior, as células estavam sobrepostas.  Das células operculadas coletadas (Fig.3), nasceram no mês seguinte, três abelhas e uma parasita (Leiopodus lacertinus Smith 1854, (Fig.4). Todas as abelhas eclodiram no período matinal.

Dimensões das células

Figura-4-sobre-ninhosAs dimensões das células e dos opérculos de M. segmentaria estão discriminadas na tabela 01, assim como as citadas na bibliografia. Com exceção da espessura do opérculo, todas as medidas de largura, comprimento, espessura e volume são semelhantes, sendo volume o menos variável (0.35mL).

Conteúdo das células

No interior das células abertas foram observadas pequenas bolotas formadas do resíduo da digestão dos imaturos misturado com argila. Do fundo de algumas células (n = 8, =12%) foram coletadas bolotas de pólen seco, com volume entre 13-28 mm3 e peso seco médio de 32,02mg ±14,29 (50,2-13,7mg). A composição polínica dos excrementos de seis células e de sete bolotas de pólen mostrou que somente um tipo de pólen (Convolvulaceae) de dois tamanhos diferentes estava presente. Em 1823 grãos de pólen de cinco amostras foram contabilizados 60% do tipo menor.

Peso seco das abelhas

Figura-5-sobre-ninhosAs abelhas eclodidas e outras da coleção que foram pesadas mostrou que o peso seco médio das abelhas Melitoma (n = 6) foi de 21.48g (17.1-24.1) enquanto o do parasita (Leiopodus) foi de 18.2g (n = 1), peso que corresponde a 85% do peso da abelha parasitada.

Conclusões

Sobre o local e eclosão dos ninhos, esta foi a primeira constatação de nidificação de Melitoma segmentaria em construções desse tipo e em altura superior a 1,5m. A grande versatilidade destas abelhas para nidificar inclui também paredes de argila de ninhos do pássaro joão-de-barro (Furnarius rufus), como observada na cidade de São Simão-SP por Cortopassi-Laurino (não publicado).

O pequeno número de células para eclodir (14%) em Fevereiro sugere uma redução no período de atividade deste agregado de ninhos e indica certa sazonalidade. Na ocasião da eclosão das abelhas, a argila do opérculo ficou dentro da célula junto com os excrementos.

Como nenhuma célula foi encontrada vazia, a hipótese da retirada do seu conteúdo e posterior reutilização pelas abelhas pode ser descartada, ao contrário do que sugere Linsley et al. (1980).

Sobre os dados das dimensões das células, eles confirmam alguns parâmetros encontrados em outras regiões e indica os valores de volume como sendo os mais constantes (0.35mL).

Sobre os resultados da análise polínica dos excrementos e das bolotas de pólen encontrados dentro das células, eles confirmam que os grãos de pólen são de Convolvulaceae e possuem dois tamanhos, confirmando a estreita relação destas abelhas com esta família botânica. O tamanho diferenciado dos grãos de pólen está provavelmente associado com as várias espécies de Ipomoea que essas abelhas visitam, como I. pres-caprae, I.cf. purpurea e I. sp (Steiner et al., 2010).

Outra indicação da forte associação entre as abelhas Melitoma segmentaria e Ipomoea sp foi a observação de que machos pernoitam nestas flores, e deixam-nas pela manhã em temperaturas de cerca de 24,5ºC e 80%UR (Fig. 5). Ao longo do dia, os machos também coletam e desidratam néctar dentro destas flores, alimento que pode atingir até 43% na concentração de açúcares (Cortopassi-Laurino, não publicado).

Na ocasião do termino deste artigo, em 2/2018 os aglomerados de ninhos da abelha M.segmentaria do forno artesanal aqui relatados ainda se apresentavam ativos completando assim dez anos de permanencia no mesmo local.

Agradecimentos

Celso e Solange Cavalcante Perez dos Santos e Silvia RM Pedro.

Um resumo deste artigo foi apresentado em 2010 no Encontro sobre Abelhas de Ribeirão Preto-SP.

Referencias Bibliográficas

Camillo, E, Garofalo, CA & Serrano, JC 1993 Hábitos de Nidificaçao de Melitoma segmentaria, Centris collaris , Centris fuscata e Paratetrapedia gigantea (Hymenoptera, Anthophoridae) Rev bra. Ent. 37 (1): 145-156

Linsley, EG, MacSwain, JW & Michener, CD 1980 Nesting Biology and Associates of Melitoma (Hymenoptera, Anthophoridae).

Mamede Filho, GF, Ramos, MA & Oliveiral, AG 1991 Contribuibuição à biologia da Melitoma segmentaria (Anthophoridae). Rev. bras. Zool. 7(3): 217-221

Michener, CD & Lange, RB. 1958 Observationg on the ethology of neotropical Anthophorine bees (Hymenoptera, Apoidea). Univ. Kansas Sci. Bull. 39:69-96

Steiner J, Zillikens, A; Kamke, R, Feja, EP & Falkenberg, DB. 2010  Bees and Melittophilous plants of secondary Atlantic Forest habitats at Santa Catarina island, southern Brazil Oecologia Australis 14(1): 16-39