Efeito das mudanças climáticas sobre os polinizadores de algumas culturas agrícolas no Brasil

Tereza Cristina Giannini1,2, Wilian França Costa1, Guaraci Duran Cordeiro2, Vera Lucia Imperatriz-Fonseca2, Antonio Mauro Saraiva1
– 1.Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, 380. 05508-970. São Paulo, São Paulo. giannini@usp.br
– 2.Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Rua do Matão, trav. 14. São Paulo, São Paulo.

Introdução

Um dos principais desafios abordados pela Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar é a necessidade de os países abordarem adequadamente o impacto das mudanças climáticas para alcançar a segurança alimentar. De acordo com a FAO (Organização para a Alimentação e a Agricultura da Nações Unidas), existe segurança alimentar quando todas as pessoas podem atender suas necessidades e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável. A segurança alimentar pode ser afetada pelas mudanças climáticas, pois tais mudanças podem conduzir a alterações na produção das culturas agrícolas, afetando o preço das culturas e o mercado de alimentos, e agravando a fome, o abandono da terra, a migração e a urbanização. De acordo com estudos na área, em escala global, as mudanças climáticas deverão levar a um declínio na produção de cereais per capita até 2030, afetando particularmente as áreas tropicais. Na África e no Sul da Ásia, espera-se até 8% de perdas de rendimento em todas as culturas até 2050, sendo os países em desenvolvimento mais vulneráveis, o que potencializaria o declínio da produtividade das culturas, particularmente em países que atualmente apresentam problemas com fome e subnutrição. A produção agrícola brasileira também deverá ser afetada pelas mudanças climáticas. Perdas entre 2 e 5 bilhões de dólares podem ocorrer até 2070, com as áreas produtoras de café apresentando queda de 30% na região sudeste (Pinto et al. 2008).

Um desafio adicional para a agricultura, relacionado às mudanças climáticas, é a perda de polinizadores das culturas agrícolas, sendo a polinização um serviço ecossistêmico importante para manter a produção da maioria das culturas. As culturas têm diferentes graus de dependência por polinizadores de animais, e uma avaliação global mostrou que 85% (91 de 107 culturas) dependem de polinizadores em algum grau. No Brasil, 60% das culturas (85 de 141) são dependentes de polinizadores (Giannini et al. 2015a). Assim, a pesquisa sobre espécies de polinizadores de culturas agrícolas e suas interações é de grande importância.

Com o presente trabalho nós objetivamos avaliar o impacto potencial das mudanças climáticas na distribuição geográfica dos polinizadores de 13 culturas agrícolas brasileiras. Avaliamos o impacto dessas mudanças em cada município onde as culturas analisadas são produzidas. Com isso, quisemos avaliar o efeito potencial que as mudanças de clima poderiam ter sobre a produção agrícola, considerando-se seu impacto sobre os polinizadores.

Tabela 1. Espécies polinizadoras de cada cultura agrícola analisada. Cada cultura apresenta diferentes dependências para polinização animal (de acordo com Giannini et al. 2015a). As espécies de polinizadores aqui utilizadas foram previamente consideradas como polinizadores efetivos, ocasionais ou potenciais de cada cultura analisada (de acordo com Giannini et al. 2015b).

Material e Métodos

Os 95 polinizadores de um total de 13 culturas avaliadas estão listados na Tabela 1. Foi avaliado o efeito da mudança de clima em cada espécie de polinizador através da Modelagem de Distribuição de Espécies, que avalia as características ambientais mais adequadas para a ocorrência da espécie. Essa avaliação é baseada nos dados de ocorrência conhecidos. Esses dados são analisados e no final do processo, um mapa de ocorrência potencial é projetado, que mostra as áreas mais adequadas para a espécie no futuro. A projeção foi feita para a década de 2050, considerando-se um cenário mais pessimista, ou seja, projetando mudanças mais intensas de temperatura e precipitação. Esse cenário foi escolhido pois nos interessava saber qual seria a melhor área para as espécies ocorrerem no futuro, mesmo no pior cenário.

No final do processo de modelagem, nós somamos as probabilidades de ocorrência de todos os polinizadores de cada cultura. Assim, para cada cultura, nós obtivemos um mapa que representava as áreas com maiores probabilidades de ocorrência dos polinizadores no cenário atual, e outro, no cenário futuro. Para calcularmos a diferença entre ambos, as probabilidades do cenário futuro foram subtraídas das probabilidades do cenário atual, de tal forma a obtermos um mapa que mostrasse as diferenças entre as duas condições. Dessa forma, os valores negativos representam quedas de probabilidade de ocorrência e os valores positivos, aumento. Portanto, no final, obtivemos para cada cultura um mapa que representava perdas e ganhos de polinizadores, considerando-se os vários municípios do Brasil. Além disso, nós também somamos os valores de todas as 13 culturas para produzir um mapa que mostrasse como será o impacto das mudanças de clima sobre os polinizadores considerando todas as culturas analisadas.

Também foram considerados os valores de PIB (Produto Interno Bruto) de cada município analisado, visando identificar se haveria maior redução nos polinizadores nos municípios com PIBs mais altos ou mais baixos. Da mesma forma, analisamos também o número de habitantes, visando entender se as perdas seriam mais acentuadas em municípios mais populosos ou menos populosos. Os valores de PIB e de número de habitantes foram extraídos do sítio na internet do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Resultados e Discussão

A análise de cada cultura demonstra que os polinizadores das flores da goiabeira, tomateiro, cafeeiro e tangerineira serão potencialmente os mais afetados pela mudança de clima. Destes, as produções de goiaba e o tomate são altamente dependentes dos polinizadores, e podem ser mais afetadas. Especificamente, considerando o impacto nos polinizadores de tomate, nossos resultados são corroborados por um estudo recente que analisou cinco espécies de polinizadores de tomate no Brasil, mostrando reduções entre 10 e 70% em sua faixa de distribuição (Elias et al. 2017). Embora o café seja modestamente dependente dos polinizadores, ele é principalmente produzido na região sudeste (a região potencialmente mais afetada, de acordo com nosso cenário) com valores muito altos de produção anual e o segundo maior valor econômico da polinização no Brasil (quase US$ 2 bilhões/ano) (Giannini et al. 2015a). A cultura da tangerina tem pouca dependência de polinizadores, mas também é produzida principalmente nas áreas do sul do Brasil. Portanto, a perda de polinizadores para essas culturas pode causar impactos econômicos e sociais que precisam ser avaliados.

No entanto, áreas adequadas para a ocorrência dos polinizadores das culturas acima mencionadas podem ser encontradas na região norte, e a viabilidade de aumentar o seu cultivo nessa região poderia ser investigada. Por outro lado, é provável que novas perdas de habitat continuarão a ocorrer em todo o país, e há um debate na literatura se haverá aumento na expansão das áreas agrícolas para compensar a diminuição do rendimento das culturas devido às mudanças climáticas, o que poderia gerar mais perda de área natural e trazer novos desafios à proteção dos polinizadores.

Figura 1. Mudança potencial média na probabilidade de ocorrência de polinizadores relacionada à mudança climática projetada para 2050 nos municípios brasileiros onde as 13 culturas analisadas são produzidas. Os valores variam de -1 (diminuição de 100% na probabilidade de ocorrência do polinizador, vermelho para amarelo) para +1 (aumento de 100%, verde para azul). As áreas em branco correspondem aos municípios onde não há produção das culturas analisadas.
Figura 1. Mudança potencial média na probabilidade de ocorrência de polinizadores relacionada à
mudança climática projetada para 2050 nos municípios brasileiros onde as 13 culturas analisadas
são produzidas. Os valores variam de -1 (diminuição de 100% na probabilidade de ocorrência
do polinizador, vermelho para amarelo) para +1 (aumento de 100%, verde para azul). As áreas
em branco correspondem aos municípios onde não há produção das culturas analisadas.

Considerando todas as espécies de polinizadores associados às 13 culturas, as mudanças climáticas projetadas reduzirão a probabilidade média de ocorrência das espécies em quase 13% até 2050 (Figura 1). Nossos modelos preveem que aproximadamente 90% dos municípios analisados ​​enfrentarão perda de espécies. De acordo com nossos resultados, a diminuição da probabilidade de ocorrência de polinizadores variou de 8% (caqui) a 25% (tomate) e, potencialmente, afetará de 9% (tangerina) até 100% (girassol) dos municípios que produzem os cultivos. Considerando-se todas as culturas, os resultados também evidenciam que os municípios do sul e sudeste do Brasil enfrentarão impactos potenciais maiores na produção agrícola devido à perda de polinizadores. Em contraste, alguns municípios do norte do Brasil, particularmente no noroeste da Amazônia, potencialmente, poderão se beneficiar das mudanças climáticas, já que a probabilidade de ocorrência dos polinizadores nessa região pode aumentar.

Nossos resultados mostram também que municípios com valores menores de PIB poderão ser potencialmente mais afetados com a redução de polinizadores (Figura 2A), assim como, os municípios com número menor de habitantes (Figura 2B). No entanto, alguns municípios com valores de PIB muito altos e com grande número de habitantes também poderão ser afetados, como mostram as figuras citadas. Isso é preocupante porque as perdas de polinizadores poderão ter impacto negativo na produção agrícola, potencialmente causando impacto no nível de riqueza dos municípios e afetando os habitantes das diferentes regiões do país.

Figura 2. Mudanças negativas na probabilidade de ocorrência de polinizadores (perda potencial de polinizadores) em relação ao número de municípios analisados, considerando-se A) o produto interno bruto (PIB) e; B) o número de habitantes.
Figura 2. Mudanças negativas na probabilidade de ocorrência de polinizadores (perda potencial
de polinizadores) em relação ao número de municípios analisados, considerando-se A) o produto
interno bruto (PIB) e; B) o número de habitantes.

Assim, em resumo, os resultados mostram que as mudanças climáticas podem afetar as espécies de polinizadores de forma diferente nos diferentes municípios brasileiros, e que o impacto relativo na produção de culturas precisa ser considerado ao planejar estratégias que envolvam a produção de alimentos para períodos de médio e longo prazo. É necessário avaliar estratégias que reduzam a perda de habitat natural, além de ser urgente incrementar estratégias de restauração de áreas improdutivas e degradadas. As terras improdutivas no Brasil representam mais de 200 milhões de hectares (citado por Fabrini 2014). Se essas terras fossem restauradas, mesmo que parcialmente, isso poderia ajudar a minimizar as alterações climáticas localmente, além de proteger a biodiversidade. Estratégias de conservação para polinizadores de culturas agrícolas são urgentes, bem como, aprofundar as discussões sobre práticas agrícolas favoráveis aos polinizadores. A manutenção de áreas naturais próximas aos cultivos agrícolas, a redução do uso de pesticidas e de queimadas, bem como o plantio de espécies vegetais que produzam alimento para as abelhas (néctar e pólen), são estratégias que podem beneficiar essas espécies, e aumentar a chance do serviço da polinização ocorrer adequadamente nas áreas agrícolas. Além disso, é importante que os dados de biodiversidade envolvendo polinizadores de culturas agrícolas sejam organizados e compartilhados para melhorar a precisão das análises. O Brasil, com sua diversidade cultural regional, tem um número muito grande de espécies vegetais de interesse econômico. Muitas delas são cultivadas localmente e contribuem com a renda familiar de pequenos agricultores em todo o país. No entanto, muito pouco se sabe sobre a necessidade dessas plantas por polinização animal, nem existem dados sobre as espécies que são seus polinizadores efetivos. Também não existem dados de produção dessas culturas regionais organizados em uma base de dados oficial. Em última instância, dados mais robustos podem resultar em estratégias mais efetivas para manter a oferta dos serviços ecossistêmicos fornecidos pelas espécies de polinizadores, garantindo assim a produção agrícola e preservando a biodiversidade dessas espécies.

Obs.: esse artigo foi publicado na íntegra pela revista internacional PlosOne em 2017 sob o título “Projected climate change threatens pollinators and crop production in Brazil”

Referências

Elias MAS, Borges FJA, Bergamini LL, Franceschinelli EV, Sujii ER. 2017. Climate change threatens pollination services in tomato crops in Brazil. Agriculture, Ecosystems and Environment; 239: 257–264.

Fabrini JE. 2014. Fronteira e questão agrária no Brasil. Anpege 10: 91-115.

Giannini TC, Cordeiro GD, Freitas B, Saraiva AM, Imperatriz-Fonseca VL. 2015a. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108: 839-848.

Giannini TC, Boff S, Cordeiro GD, Cartolano EA, Veiga AK, Imperatriz-Fonseca VL, Saraiva AM. 2015b. Crop pollinators in Brazil: a review of reported interactions. Apidologie 46: 209-223.

Pinto HS, Assad ED, Zulo Jr. J, Evangelista SRM, Otavian AF, Ávila AMH, Evangelista B, Marin FR, Macedo Jr. C, Pellegrino GQ, Coltri PP, Coral G. 2008. Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil. Embrapa.