MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

Coordenação de Controle Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos
NOT. TEC. 02001.000062/2017-93 CCONP/IBAMA
Assunto: Avaliação de risco de agrotóxicos para insetos polinizadores e lacunas de conhecimento.
Origem: Coordenação de Controle Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos

Karina de Oliveira Cham – Analista Ambiental da CCONP/IBAMA
Flávia Elizabeth de Castro Viana Silva – Analista Ambiental da CCONP/IBAMA
Régis de Paula Oliveira – Coordenador Substituto a CCONP/IBAMA

Ementa: Histórico do desenvolvimento da avaliação de risco de agrotóxicos para insetos polinizadores no IBAMA e lacunas de conhecimento que necessitam ser preenchidas para a continuação dos trabalhos.

1 – A importância dos polinizadores

O numero de polinizadores têm sofrido um declínio em ocorrência e biodiversidade (e em abundância para algumas espécies) em escalas locais e regionais no Noroeste da Europa e na America do Norte conforme indicam levantamentos realizados nos últimos anos. Embora a falta de dados sobre polinizadores nativos para a America Latina, África, Ásia e Oceania não permita estabelecer uma afirmação geral sobre o status regional nesses continentes, declínios locais têm sido registrados1.

Na maioria dos ecossistemas mundiais, as abelhas são os principais agentes polinizadores2. Cerca de 70% das plantas cultivadas, que são utilizadas diretamente para o consumo humano, têm aumento de produção em conseqüência da polinização promovida par animais, principalmente abelhas3. Das 141 espécies de plantas cultivadas no Brasil- para uso na alimentação humana, produção animal, biodiesel e fibras -, aproximadamente 60% (85 espécies) dependem em certo grau da polinização animal. Estima-se que o valor econômico da polinização promovida par insetos corresponda a 9,5% do valor total da produção agrícola mundial, considerando-se a produção agrícola de 2005 de 100 culturas usadas diretamente para alimentação humana. Levando-se em conta a produção agrícola brasileira de 2012, estimou-se o valor econômico da polinização para 44 culturas, que apresentam ganhos variados com a polinização animal, em aproximadamente 30% da produção total de 45 bilhões de dólares4.

Um dos fatores que ameaçam a abundancia, a diversidade, a saúde dos polinizadores e a provisão do serviço de polinização – além do uso da terra, da poluição, da invasão por espécies exóticas e das mudanças climáticas – e o uso intensivo de agrotóxicos. A agricultura brasileira e baseada no uso intensivo desses insumos. O uso de agrotóxicos mais do que dobrou entre os anos de 2002 e 2012, saltando de 2,7 quilos por hectare (kg/ha) em 2002 para 69 kg/ha em 2012 uma variação de cerca de 155%5.

2 – 0 IBAMA e os agrotóxicos

O IBAMA, por delegação do Ministério do Meio Ambiente, de acordo com as disposições da lei nº 7.802, de 1989, e o órgão federal cujo papel no processo de registro de agrotóxicos e avaliar agrotóxicos, seus componentes e afins do ponto de vista ambiental.

No Brasil, ate 1989 não era realizada nenhuma avaliação do impacto ambiental dos agrotóxicos antes que eles fossem colocados no mercado. O primeiro marco regulatório dos agrotóxicos foi estabelecido em 1934, com a publicação do Decreto nº 24.114, da Secretaria de Defesa Sanitária Vegetal do Ministério da Agricultura6. Foi apenas em 1961 que o setor de saúde foi incorporado ao controle de agrotóxicos, por meio da edição do Decreto nº 49.974, e os impactos ambientais desses produtos somente passaram a ser levados em consideração para a autorização desses produtos em 1989, com a aprovação da Lei n º 7.802, instrumento legal vigente nos dias atuais. A partir da aprovação dessa Lei um agrotóxico somente pode ser produzido, exportado, importado, comercializado e utilizado no Brasil se for previamente registrado em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.

A avaliação ambiental de agrotóxicos realizada pelo IBAMA compreende duas vertentes, quais sejam, a Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) e a Avaliação de Risco Ambiental (ARA). A primeira e realizada desde 1990, quando foi editada a primeira Portaria IBAMA que estabeleceu os requisites necessários para que os agrotóxicos pudessem ser avaliados pela ética ambiental, conforme requeria a lei aprovada em 1989. A segunda, embora já fosse requerida pela Portaria IBAMA nº 84, de 15 de outubro de 1996 e pelo Decreto nº 4.074, de 2002, somente começou a ser implementada de forma sistemática pelo IBAMA em meados de 2011, e encontra-se ainda em fase de desenvolvimento e implementação. A avaliação do PPA se baseia na toxicidade inerente do produto e no comportamento obtido nos testes laboratoriais. A ARA também se baseia nesses pressupostos mas leva em consideração a exposição potencial do organismo nao-alvo, ou seja, o modo como o produto será utilizado na pratica e suas conseqüências. Dessa forma, na ARA o modo e a época de aplicação, as doses, a cultura, o clima, entre diversos outros fatores, passam a ter um grande peso na avaliação.

Em 2008 o tema avaliação de risco ambiental foi priorizado a partir de um conjunto de medidas adotadas à época. Nesse ano ocorreram alterações de gestão e foram efetuadas as primeiras mudanças que contribuíram para que o tema ganhasse importância e a reavaliação de produtos já registrados com base no risco e não apenas no perigo fosse considerada prioridade pela direção do IBAMA.

Em 2009 o IBAMA publicou a Instrução Normativa Conjunta nº 17, que instituiu os procedimentos administrativos para a reavaliação ambiental dos agrotóxicos. Nessa mesma época o IBAMA iniciou o levantamento de literatura e casos de contaminação de áreas, corpos hídricos e mortalidade de organismos não-alvo por agrotóxicos, com o intuito de selecionar quais agrotóxicos deveriam ter seus registras revisados do ponto de vista ambiental em decorrência de efeitos adversos observados em casos ou estudos científicos.

Nesse primeiro levantamento foram selecionados para reavaliação os ingredientes ativos Triclorfom e Forato. Com relação ao primeiro a empresa registrante não teve interesse em aportar os estudos necessários e, portanto, o registro foi cancelado por insuficiência de dados para suportar sua manutenção; para o segundo a avaliação não foi finalizada porque a ANVISA concluiu por sua retirada do mercado.

3 – O IBAMA, os agrotóxicos e os polinizadores

Durante a etapa de levantamento de problemas relacionados a agrotóxicos foi identificada uma grande quantidade de incidentes relatando mortes massivas de abelhas, com alta ocorrência de casos no estado de São Paulo. Algumas referências indicavam que a mortalidade era causada por agrotóxicos, e isso motivou o IBAMA a entrar em cantata com o Prof. Dr. Osmar Malaspina, da UNESP de Rio Claro, citado em várias referências, para obter mais informações. Esse contato possibilitou que as primeiras evidências de efeitos prejudiciais decorrentes do uso de agrotóxicos no Brasil fossem registradas, e a partir de então outras ações no sentido de investigar melhor o problema foram iniciadas.

Nesse ínterim muitos estudos científicos relatando diversos efeitos prejudiciais da classe de agrotóxicos dos neonicotinóides foram publicados (Pires et al., 20167, dentre outros). Concomitantemente aumentavam as evidências do declínio do número de polinizadores nos Estados Unidos e na Europa.

Por esse motivo vários países começaram a rever seus esquemas de avaliação de risco para polinizadores, em virtude do aumento da preocupação com o declínio alarmante desses organismos e as possíveis conseqüências dos efeitos subletais dos agrotóxicos às abelhas – tipo de efeito que até então não era considerado nos esquemas existentes, fazendo com que a atenção de todo o mundo se voltasse para essa questão. Esse contexto global favoreceu que a avaliação de risco para polinizadores no Brasil tivesse um maior avanço quando comparada à avaliação de risco para os outros organismos não-alvo, tais como organismos aquáticos, do solo, aves e plantas.

4 – Avaliações de risco ambiental de agrotóxicos para polinizadores

Em decorrência do que foi brevemente exposto até aqui, desde 2012 o IBAMA tem empregado esforços para desenvolver um esquema de avaliação de risco de agrotóxicos para insetos polinizadores, considerando as características da agricultura brasileira, a fim de implementá-lo como requisito obrigatório para o registro desses produtos. Concomitantemente ao desenvolvimento de novos procedimentos, o IBAMA também iniciou a reavaliação de ingredientes ativos apontados por diversas pesquisas científicas como causadores de efeitos deletérios em abelhas. A reavaliação desses ingredientes foi motivada por conclusões baseadas em pressupostos de risco.

Atualmente estão em reavaliação pelo IBAMA 3 ingredientes ativos com vários indícios de riscos para abelhas: Imidacloprido, Tiametoxam e Clotianidina. Esses ingredientes ativos encontram-se também em revisão por outros países. Várias restrições ao uso desses produtos no Brasil foram estabelecidas com base na avaliação de risco preliminar dessas substâncias para polinizadores. Mais informações sobre isso podem ser obtidas no seguinte endereço: http://www.ibama.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=739.

O próximo ingrediente ativo a ser reavaliado em virtude de evidências de efeitos adversos em abelhas é o Fipronil.

Foi em decorrência desse contexto que em 2015 foi criado o Grupo Técnico de Trabalho (GTT) para discutir procedimentos de Avaliação de Risco para polinizadores. Esse grupo é coordenado pelo IBAMA e composto por representantes da Academia, da Embrapa, da Indústria e também do Ministério do Meio Ambiente. Para a realização das reuniões – que ocorrem bimestralmente- o GT conta com o apoio logístico da Associação Nacional de Defesa Vegetal – ANDEF. A missão desse grupo é propor, com base no conhecimento científico disponível, um esquema de avaliação de risco de agrotóxicos para polinizadores adequado ao Brasil, que passe a ser aplicado de forma obrigatória como parte do processo de registro de agrotóxicos e seja capaz de assegurar que o uso dos agrotóxicos seja feito de forma a não causar danos irreversíveis aos insetos polinizadores.

Em vários países essa avaliação se baseia em testes de toxicidade feitos com a espécie Apis mellifera, abelha que é mundialmente utilizada como organismo-teste representante dos insetos polinizadores por ter ampla distribuição, ter a biologia bem conhecida e possibilidade de ser mantida e criada em laboratório. O IBAMA também se baseia nos testes com Apis mellifera, embora ainda haja incertezas quanto a se essa espécie seria o melhor organismo indicador para proteger as espécies nativas do Brasil. Outros países também estão atualmente questionando se o uso de Apis é realmente protetivo para suas espécies.

As discussões no Grupo Técnico envolvem vários tópicos, que vão, por exemplo, desde o questionamento sobre se a Apis mellifera seria o melhor organismo-teste para proteger as abelhas nativas do Brasil, passando por quais outros testes seriam necessários até que medidas de mitigação podem ser utilizadas e como conseguir implementá-las para reduzir o risco de agrotóxicos para insetos polinizadores nativos presentes em ambientes agrícolas onde é intensivo o uso de agrotóxicos. Contudo, há ainda grandes lacunas de informação que precisam ser preenchidas pela pesquisa para que os procedimentos visando à proteção das abelhas possam ser aperfeiçoados.

Mesmo diante de incertezas decorrentes das lacunas de informação, em meados de 2016 foi colocada em consulta pública a primeira proposta de Instrução Normativa estabelecendo procedimentos para avaliação de risco de agrotóxicos para polinizadores, construída com base no que se tem de informação disponível atualmente, a qual espera-se que seja publicada até meados de 2017.

Espera-se com a publicação da Instrução Normativa que a aprovação de agrotóxicos somente ocorra mediante comprovação científica de que efeitos adversos que comprometam a sobrevivência, a reprodução ou o desenvolvimento das abelhas não ocorrerão com o uso proposto.

5 – Ciência regulatória

A ciência regulatória consiste na aplicação da ciência para tomada de decisão8. Embora a tomada de decisão envolva outros fatores, tais como sociais e econômicos, a avaliação ambiental de agrotóxicos é uma parte importante da decisão regulatória e esse processo depende da existência de dados científicos que suportem as conclusões sobre uma determinada situação, as quais, por sua vez, serão submetidas à apreciação dos tomadores de decisão.

Antes do século 20 a comunidade científica tinha um papel praticamente inexistente nos processos de tomada de decisão das sociedades. Contudo, o avanço de várias indústrias resultou no desejo do público em regular aspectos relevantes de suas operações, incluindo a poluição gerada, o impacto sobre a segurança alimentar, entre outros. Assim, legisladores, reguladores e o público reconheceram que para regular essas atividades era necessário haver disponibilidade de informações científicas relevantes.

Há três grupos de interesse envolvidos nos aspectos científicos das decisões regulatórias8:

• 1º grupo: as equipes das agências regulatórias responsáveis por processos de avaliação para permitir ou negar uma autorização;

• 2º grupo: as equipes das indústrias afetadas pelas regulações;

• 3º grupo: os cientistas, individualmente, bem como suas organizações
profissionais.

A maior parte da avaliação se ancora largamente em estudos científicos gerados por empresas do setor regulado – ou seja, do 2º grupo-visto que o ânus de provar que o produto não oferece risco se usado nas condições propostas é do interessado em explorar o mercado.

Do ponto de vista regulatório a harmonização de procedimentos é sempre desejada, e por isso é importante que a geração de dados siga métodos padronizados e reconhecidos internacionalmente e sempre que possível ocorra sob sistemas de qualidade que assegurem a validade dos resultados obtidos.

Seguindo essa lógica, a maioria das regulações voltadas à avaliação do risco de substâncias e produtos a saúde ou ao meio ambiente exige que a realização de estudos sigam as Boas Práticas de Laboratório – BPL -, que constituem um conjunto de princípios que asseguram a rastreabilidade dos laudos emitidos por um dado laboratório. Esse sistema de qualidade estabelece critérios e condições sob as quais estudos em laboratórios e campo são planejados, realizados, monitorados, registrados, relatados e arquivados. As BPL’s têm como intenção promover a qualidade e validação dos resultados de pesquisas. Em vista disso, recomenda-se formalmente desde 1981 que os princípios de BPL sejam usados pelos países membros da OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. Em decorrência dessa recomendação, foi formalizado o Acordo de Aceitação Mútua de Dados, ou MAD (Mutual Acceptance of Data) onde foi estabelecido que os dados gerados por qualquer país membro, seguindo os métodos OECD e os princípios de BPL, deveriam ser aceitos por outros estados membros para fins de avaliação relacionada à proteção da saúde humana e do meio ambiente.

O Brasil, embora não seja membro da OECD, participa de grupos de trabalho, regimes e/ou programas, e em 2011 aderiu aos atos da OECD tendo como autoridade de monitoramento o INMETRO. Tal adesão permite que os estudos realizados em instalações de teste monitoradas e reconhecidas em BPL no Brasil sejam aceitos pelos países membros da OCDE e não-membros com adesão plena ao MAD. A aceitação de dados entre países tem por objetivo evitar a duplicidade de testes, reduzir a utilização de animais, o tempo despendido e os custos, além de evitar barreiras não tarifárias ao comércio de substâncias e produtos.

Assim, os estudos conduzidos no Brasil pelas empresas interessadas em colocar produtos no mercado, conduzidos dentro dos princípios de BPL e de acordo com protocolos, devem ser aceitos em outros países, e vice-versa. Ocorre que os protocolos recomendam a utilização de organismos padronizados, o que pode resultar em incertezas quanto a que extensão esses organismos podem ser utilizados como substitutos das demais espécies.

Dessa forma, algumas lacunas de conhecimento estão além do alcance do que pode ser exigido pela regulação, e para seu preenchimento seriam necessárias pesquisas independentes desenvolvidas no intuito de saná-las. O grande desafio, contudo, é que, conforme explanado até aqui, para ser usado no contexto regulatório, a geração de dados científicos deve seguir os padrões mínimos que atestem a validade dos dados, particularmente quando para um mesmo quesito há dados científicos e informações contraditórias. Por esse motivo, embora haja muitos artigos publicados que são eventualmente interessantes para a avaliação de risco – gerados pelo 3º grupo de interesse envolvido nos aspectos científicos das decisões regulatórias -, muitos deles, por não terem seguido métodos padronizados que permitam a validação de seus resultados, não podem ser utilizados para esse fim.

6 – Lacunas de conhecimento

Após quase 2 (dois) anos de trabalho do GT foram identificadas as seguintes lacunas de conhecimento – ou dúvidas ainda sem respostas – as quais impedem que se possa avançar no desenvolvimento dos procedimentos da avaliação de risco.

Lacuna 1: Quão protetivo é o uso da espécie Apis mellifera como substituta das demais espécies nativas do Brasil na avaliação de risco?

Os esquemas de risco existentes atualmente se baseiam nos testes de toxicidade feitos com a espécie Apis mellifera, pelo fato de essa espécie ter uma ampla distribuição geográfica, ter a biologia bem conhecida, ser abundante, geneticamente estável e ser facilmente criada e mantida em laboratório. Contudo, há incertezas quanto à extensão na qual essas abelhas podem servir como substitutas para outras espécies de abelhas na avaliação de risco.

Uma forma de responder a essa pergunta seria comparar Apis mellifera com as demais espécies quanto aos aspectos determinantes do risco: a toxicidade e a exposição.

Quanto à toxicidade, uma das ferramentas de comparação seria a construção de uma curva de sensibilidade das espécies a agrotóxicos, e para isso seria necessário, minimamente, a geração de dados de toxicidade para espécies nativas, em especial aquelas mais abundantes em ambientes agrícolas (para informações sobre as espécies prioritárias, veja lacuna2 a seguir), utilizando os métodos padronizados e com o registro dos dados brutos para garantir a rastreabilidade dos dados. A geração desse dado para diversas substâncias- principalmente inseticidas- e para minimamente 5 (cinco) espécies diferentes testadas com os mesmos protocolos, seria extremamente útil para o processo de desenvolvimento dos procedimentos de avaliação de risco em curso. Para um passo inicial sugere-se a utilização da substância Dimetoato, já consagrada como controle positivo nos testes de toxicidade para abelhas.

Quadro 01 - Os métodos da OECD estão disponíveis em http://www.oecd-ilibrary.org/environment/ oecd-guidelines-for-the-testing-of-chemicals­ section-2-effects-on-biotic-systems_20745161.
Quadro 01 – Os métodos da OECD estão disponíveis em http://www.oecd-ilibrary.org/environment/
oecd-guidelines-for-the-testing-of-chemicals­ section-2-effects-on-biotic-systems_20745161.
O quadro 01 relaciona os protocolos padronizados recomendados para a realização de testes visando preencher a lacuna de conhecimento sobre efeitos de agrotóxicos em abelhas nativas:

Ainda dentro desse tópico seria importante ter dados detalhados sobre a aplicabilidade ou não desses protocolos às abelhas nativas, tais como indicação de necessidade de adequação ou demonstração de que o método não é adequado para determinadas espécies, com os respectivos dados e análises que justifiquem essa conclusão.

Para a caracterização das vias de exposição das espécies nativas são necessários estudos sobre a biologia das espécies nativas, com destaque para obtenção de dados sobre ciclo de vida, peso médio dos indivíduos, quantidades de alimento consumido e preferência ou maior necessidade de certo tipo de alimento (néctar ou pólen) por adultas e por larvas, temperatura do ninho, raio de voo, locais de nidificação, etc.

Quanto à exposição, ou seja, por que vias e meios as abelhas podem entrar em contato com os agrotóxicos, é importante levantar estimativas de coleta e consumo de néctar e pólen por espécies nativas e quais são as fontes preferenciais de coleta, bem como estimativas de coleta de água, solo, barro, resinas ou outros materiais utilizados pelas abelhas, para que seja possível quantificar o nível de exposição e utilizar essa informação nos cálculos de risco.

Lacuna 2: quais são as espécies de abelha mais expostas a néctar, pólen e outros materiais (água, barro, resinas) em ambientes agrícolas?

Ainda dentro dos dados necessários para caracterizar a exposição das abelhas aos agrotóxicos são necessários levantamentos de quais espécies são visitantes florais das principais culturas cultivadas no Brasil em diferentes regiões de produção, bem como levantamentos de espécies presentes nos fragmentos de vegetação nativa dessas áreas, se possível complementado por informações de horário de visitas e recursos coletados, quantidade de alimento coletado e consumido.

Um primeiro levantamento dessas espécies foi realizado no âmbito do GT com o intuito de selecionar algumas espécies prioritárias para maior investigação. Esse levantamento baseou-se em pesquisa bibliográfica, onde buscou-se identificar quais espécies nativas (não-Apis) estariam associadas com os ambientes agrícolas e, portanto, diretamente expostas aos agrotóxicos aplicados nas culturas. Os dados foram compilados em uma matriz, onde os seguintes critérios foram considerados prioritários para o ranqueamento das espécies:

– distribuição geográfica

– associação com os ambientes agrícolas

– abundância nas culturas

Foram encontrados dados para 40 culturas na literatura, e um total de 387 espécies não­ Apis – tanto sociais como solitárias – foram mencionadas. Considerando-se apenas as espécies registradas em 4 culturas ou mais, foram identificadas 20 espécies sociais e 28 espécies solitárias. Com base nesse primeiro levantamento, as seguintes espécies foram selecionadas para maior investigação:

Sociais:

1. Trigona spinipes

2. Tetragonisca angustula

3. Nannotrigona testaceicornis

4. Bambus morio

5. Melipona quadrifasciata

6. Melipona scutellaris

Solitárias:

1. Xylocopa frontalis

2. Xylocopa grisescens

3. Eulaema nigrita

4. Centris aenea

5. Epicharis flava

Das 387 espécies mencionadas nos artigos pesquisados, 308 foram identificadas no escopo do Projeto “Conservação e Manejo de Polinizadores para Agricultura Sustentável por meio de uma abordagem ecossistêmica” 13. Dessa forma, a não citação de culturas de grande importância econômica como milho e trigo pode ser devida a uma baixa amostragem nessas culturas.

Espera-se que o levantamento bem como todo o método utilizado para a elaboração da matriz de seleção de espécies sejam publicados ainda no primeiro semestre de 2017.

É importante destacar que as espécies prioritárias estarão em discussão dentro do GT em 2017, portanto essa lista preliminar não pode ser considerada uma lista fechada. Outras espécies poderão ser acrescentadas ou retiradas da lista de prioridades, a depender das discussões e outros dados que sejam levantados dentro do trabalho em curso. Dados gerados com outras espécies também serão de enorme utilidade, desde que, conforme exposto anteriormente, tenham sido obtidos com protocolos padronizados ou cujos dados brutos sejam rastreáveis. Cada uma das espécies pré-selecionadas apresenta vantagens e desvantagens diante de uma eventual possibilidade de se tornar um organismo teste representativo das abelhas brasileiras. Entre as desvantagens estão, por exemplo, a indisponibilidade de métodos para criação dos ninhos em laboratório (caso, por exemplo, de Trigona spinipes e de algumas solitárias), a não existência de dados de toxicidade de agrotóxicos (caso de Tetragonisca angustula e das espécies solitárias); a inclusão em listas de espécies ameaçadas de extinção (caso de Melipona scutellaris); a não existência de métodos para avaliação das larvas. Entre as vantagens podemos citar a ampla distribuição geográfica de algumas delas, o fato de responderem positivamente aos protocolos padronizados (caso de M. quadrifasciata e M. scutellaris) e disponibilidade comercial de colônias em caixas (caso de T. angustula, M. quadrifasciata e M. scutellaris).

De qualquer forma esse é um trabalho em construção e todas as contribuições são muito bem vindas.

Lacuna 3: faltam dados para quantificar o declínio de polinizadores no Brasil

Faltam diagnósticos sobre o status atual dos polinizadores no Brasil, mudanças na distribuição e abundância de várias espécies e métodos para acompanhar essas mudanças.

Lacuna 4: faltam dados para validação de modelos de deriva para utilização em avaliação de risco no Brasil

A deriva das pulverizações é um importante fator de exposição de abelhas nativas uma vez que sua ocorrência possibilita que a pulverização de agrotóxicos alcance áreas não-alvo.

Há modelos computacionais que estimam quanto seria a deriva de uma determinada aplicação em um determinado cenário, todavia esses modelos foram desenvolvidos por outros países e não contemplam algumas condições específicas do Brasil.

Para que os modelos pudessem ser adaptados para utilização em avaliação de risco nas condições brasileiras seria necessário que os estudos de deriva realizados no Brasil registrassem as seguintes informações:

– Ponta de pulverização testada

– Pressão de aplicação

– Diâmetro Mediano Volumétrico (DMV)

– Amplitude relativa= (DV0,9- DVO,l) /DV0,5

– Modelo da aeronave

– Velocidade de aplicação

– Comprimento da barra de pulverização

– Distância vertical da barra de pulverização à borda da asa

– Distância horizontal da barra de pulverização à borda da asa

– Número de bicos

– Distância entre os bicos

– Envergadura

– Altura da aplicação

– Número de linhas de aplicação testadas

– Largura da faixa de aplicação

– Deslocamento da faixa de aplicação

– Concentração de ingrediente ativo do agrotóxico

– Quantidade de agrotóxico na calda

– Volume de calda de aplicação por hectare

– Concentração de outros substâncias/produtos na calda de aplicação (adjuvantes, agrotóxicos, etc.)

– Velocidade do vento no momento da aplicação {(m/s)

– Temperatura no momento da aplicação (°C)

– Umidade relativa no momento da aplicação (%)

– Distância das medições da deriva

– Quantidade de deposição da deriva em g/ha, ou mg/cm 2, ou fração do aplicado.

– Especificações das várias aeronaves, tais como peso, dimensões (particularmente das asas e do propulsor ou rotor), posicionamento da barra (vertical/horizontal), etc.

Além disso, as perguntas abaixo forneceriam dados valiosíssimos para o estabelecimento de medidas de mitigação que pudessem reduzir o risco de agrotóxicos para polinizadores nativos. As perguntas foram sugeridas pela Associação Nacional de Defesa Vegetal – ANDEF- que possui representação no GT.

Para aplicações aéreas: *Aeronaves

– Quais são os modelos de asa fixa usados mais comuns? Os modelos listados respondem por qual porcentagem do uso aéreo total de asas fixas?

– O quanto winglets são comuns atualmente?

– Sob quais circunstâncias se usam helicópteros? Quais são os modelos mais comuns utilizados, e que porcentagem do uso aéreo total de helicópteros eles representam?

– Em que velocidade os aviões e helicópteros voam (variação e alvo)?

– Qual é a altura de barra típica (acima do solo ou da cobertura da cultura) para aviões e helicópteros (extensão e alvo)?

*Pontas e espaçamento

– Qual é o comprimento da barra em comparação com o comprimento da asa? Alguns aplicadores usam barras que se estendem além de 75% de cada asa (ou seja, próximo às pontas das asas)? Qual e o comprimento mínimo de barra para aplicações práticas?

– Existem espaçamentos de pontas típicos ao longo da barra?

– Quais pontas são usadas e sob quais circunstâncias?

– Quão comumente pontas são escolhidas para reduzir a deriva? Quais informações são usadas para fazer essa seleção?

– Quão comumente se realiza uma pulverização de volume ultrabaixo?

– Que pressão e ângulo de spray são usados tipicamente?

* Aplicação no campo e melhores práticas de manejo

– Qual é a variação de tamanhos de campo que são tipicamente pulverizados por aeronaves com asa fixa? E por helicóptero?

– Qual é a amplitude de faixa (variação e típica para asas fixas ou helicópteros?

– Quais medidas são tomadas para reduzir a deriva a favor do vento (tais como o deslocamento da faixa ou usar apenas a metade interna da barra na borda a favor do vento da área pulverizada)?

– Quanto tempo se exige para uma aplicação de spray (variação e típica)?

– Como é o campo delimitado para a aplicação (por exemplo, marcadores físicos, GPS)?

– Existe tecnologia disponível para fazer ajustes em tempo real quanto a alterações nas condições do vento?

– Tomam-se medidas para evitar a aplicação durante condições estáveis?

Para aplicações terrestres:* Equipamento

– Quais são os modelos de trator mais comuns usados? os modelos listados respondem por qual porcentagem do uso total?

– Em que velocidade os tratores são operados (variação e típica)? Isso é movido pelo tamanho de ponta e pelo volume de spray exigido pelos rótulos, como em outros países?

– Qual é a altura da barra (variação e típica) acima do solo ou da cobertura da cultura?

* Pontas e espaçamento

– Quais pontas são usadas e sob quais circunstâncias?

–Existem espaçamentos de ponta típicos ao longo da barra?

– Quão comumente as pontas são escolhidas para reduzir a deriva? Quais informações são usadas para fazer essa seleção?

– Pontas com indução de ar são usadas comumente?

– Quão comumente se realiza uma pulverização com volume ultrabaixo?

– Que volumes de spray são típicos para aplicações com volume baixo e ultrabaixo?

– Que pressão e ângulo de spray são usados tipicamente?

*Aplicação no campo e melhores práticas de manejo (BMP)

– Qual é a variação de tamanhos de campo que são tipicamente pulverizados por uma barra de trator?

– Qual é a amplitude da faixa (variação e típica)?

– Quais medidas são tomadas para reduzir a deriva a favor do vento? O deslocamento da faixa é considerado comumente para reduzir a deriva?

– Quanto tempo se exige para aplicação de spray (variação e típica)?

– Como o campo é delimitado para a aplicação (por exemplo, marcadores físicos, GPS)?

– Existe tecnologia disponível para fazer ajustes em tempo real quanto a alterações nas condições de vento?

– Tomam-se medidas para evitar a aplicação durante condições estáveis?

O intuito deste documento, ao dar publicidade às lacunas de conhecimento existentes, é estimular, orientar e inspirar a realização de pesquisas no Brasil que possam sanar tais lacunas gerando dados nas condições brasileiras que subsidiem a avaliação de risco ambiental desses produtos e a tomada de decisão regulatória.

Com a completa implementação da avaliação de risco para agrotóxicos, o Ibama, com o apoio dos demais parceiros envolvidos, espera cumprir sua missão de proteger o meio ambiente e contribuir, dentro de sua área de atuação, para a proteção das abelhas nativas e para a sustentabilidade na produção global de alimentos.

Esse documento é subscrito pelo Grupo Técnico de Trabalho (GTT) para Avaliação de Risco de Agrotóxicos para Insetos Polinizadores (integrantes em ordem alfabética):

Ana Paola Cione – ANDEF

Andreia Shiwa – ANDEF

Carlos Tonelli- IBAMA (DIQUA)

Carmen Pires – EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia Cayssa Marcondes- Ministério do Meio Ambiente (SMCQ) Ceres Belchior – Ministério do Meio Ambiente (SBF)

Flávia Elizabeth de Castro Viana Silva – IBAMA (DIQUA)

Guilherme Guimarães – ANDEF Ivan Teixeira- IBAMA (DBFLO)

Karina de Oliveira Cham – IBAMA (DIQUA) – coordenadora

Leandro Borges – IBAMA (DIQUA) Osmar Malaspina – UNESP Rio Claro

Roberta Cornélia Ferreira Nocelli- Universidade Federal de São Carlos

Referências:

1 IPBES (2016): Summary for policymakers of the assessment report of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services on pollinators, pollination and food production. S.G. Potts, V. L. Imperatriz-Fonseca, H. T. Ngo, J. C. Biesmeijer, T. D. Breeze, L. V. Dicks, L. A. Garibaldi, R. Hill, J. [Settele, A.]. Vanbergen, M. A. Aizen, S. A. Cunningham, C. Eardley, B. M. Freitas,

N. Gallai, P. G. Kevan, A. Kovács-Hostyánszki, P. K. Kwapong, J. Li, X. [Li, D.]. Martins, G. Nates-Parra, J. S. Pettis, R. Rader, and B. F. Viana (eds.). Secretariat of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, Bonn, Germany. 36 pages.

2 BIESMEIJER,]. C.; SLAA, E. []. The structure of eusocial bee assemblages in Brazil. Apidologie, n. 37, p.240-258, 2006.

3 KLEIN, Alexandra-Maria et al. Importance of pollinators in changing landscapes for world crops. Proceedings of the Royal Society of London B: Biological Sciences, v. 274, n. 1608, p. 303-313, 2007.

4 GIANNINI, T. C. et al. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. journal of economic entomology, p. tov093, 2015.

5 IBGE. Indicadores de desenvolvimento sustentável. Brasil. Rio de janeiro, 2015.

6 TERRA, Fábio Henrique Bittes; PELAEZ, Victor. A história da indústria de agrotóxicos no Brasil: das primeiras fábricas na década de 1940 aos anos 2000. ln: Simpósio de Pós-Graduação em História Econômica/IV Congresso de Pós-Graduação em História Econômica/IV Encontro de Pós-Graduação em História Econômica/II Conferência Internacional de História Econômica. 2008.

7 PIRES, C. S. S.; PEREIRA, F. M.; LOPES, M. T. R.; NOCELLI, R. C. F.; MALASPINA, 0.; PETTIS, J.S. e TEIXEIRA, E.W.. Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil: há casos de CCD?. Pesq. agropec. bras., Brasília, v.51, n.5, p.422-442, maio 2016.

8 MOGHISSI, A. Alan et ai. Innovation in Regulatory Science: Evolution of a new scientific discipline. Technology & Innovation, v 16, N. 2, P. 155-165, 2014.

9 DL50: Dose Letal 50, a dose que mata 50% dos organismos submetidos ao teste.

10 Sigla em inglês para Organisation for Economic Co-operation and Development.

11 NOEL: sigla em inglês para No Observed Effect Levei, a maior dose ou concentração na qual não se observou nenhum efeito.

12 Sigla em Inglês para European and Mediterranean Plant Protection Organization (EPPO).

13 Mais informações sobre esse projeto podem ser obtidas nos seguintes endereços: http://www.fao.org/pollination/projects/conservation-and-management-of-pollination-for-su stainable-agriculture/en/ e http://www.polinizadoresdobrasil.org.br/index.php/pt/