Artigo

Armadilha para coleta de Melipona bicolor Lepeletier, 1836 (Hymenoptera: Apidae, Meliponinae).

Werneck, H.A.¹; Faria-Mucci, G.M.²
1-Graduado em Ciências Biológicas pelas Faculdades Integradas de Cataguases-FIC; hugotyco@yahoo.com.br / abelhugo08@yahoo.com.br.
2-Profª Drª do Departamento de Ciências Biológicas das Faculdades Integradas de Cataguases-FIC.
INTRODUÇÃO:
Melipona bicolor Lepeletier, 1836 é uma abelha nativa do bioma Mata Atlântica no sudeste brasileiro, pertencente à ordem dos Hymenoptera, superfamília Apoidea, família Apidae e sub-família Meliponinae (Silveira et al., 2002 ). . Uma característica que o gênero Melipona Illiger, 1806 possui, é que suas espécies são as únicas, entre os meliponíneos, que conseguem vibrar flores para a coleta de pólen. Muitas espécies de plantas nativas e cultivadas possuem flores com anteras poricidas que precisam ser vibradas para liberar o pólen, como várias espécies de Melastomataceae e Solanaceae (Faria, 1989). Melipona bicolor é popularmente conhecida como Guarupú, Guirupú, Guaraipo ou Pé-de-pau, este último devido ao hábito de nidificar, frequentemente, na base dos troncos. É uma abelha muito sensível aos impactos ambientais, geralmente não saindo de sua colméia caso ocorram perturbações nas redondezas, fazendo com que suas entradas passem desapercebidas no campo, tornando seus ninhos pouco conhecidos. (Michener, 2000; Nogueira-Neto, 1997; Roubik, 1989). Como as outras espécies da Sub-família Meliponinae, M. bicolor tem grande importância ecológica e econômica, por efetuar a polinização de plantas nativas e cultivadas

M. bicolor é uma espécie bastante estudada na região sudeste, onde se concentram a maioria dos laboratórios de pesquisa com abelhas. É a única espécie de Meliponinae conhecida que é facultativamente poligínica. Vários trabalhos foram realizados com esta espécie, podendo ser citado: o de Oliveira (1960) sobre mudas ontogências das larvas (citada como Melipona nigra schenki, Moure (1975) invalida esse nome reconhecendo como válido Melipona bicolor). Sobre os aspectos ecológicos e comportamentais foram estudados: atividades de vôo e forrageamento, tipos polínicos coletados, comunicação entre as operárias, poliginia, monoginia e POP (Sigla em inglês para o processo de aprovisionamento e ovoposição) entre outros (Cepeda-Aponte, 2003; Hilário et al, 2000; Nieh et al, 2003; Wilms & Wiechers, 1997; Wilms et al., 1996).

Assim como outras espécies de abelhas indígenas sem-ferrão (Meliponina), Melipona bicolor tem sofrido uma drástica redução populacional, devido principalmente à destruição de seus ambientes naturais, através de desmatamentos, uso de agrotóxicos e da ação predatória de meleiros (Kerr et al., 1996). Nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais M. bicolor encontra-se na lista das espécies ameaçadas de extinção, classificada nas categorias de: Vulnerável para o PR e RS e presumivelmente ameaçada em MG (Campos, 1998; Mikich & Bérnils, 2004).

Coletar operárias adultas diretamente na entrada de ninhos naturais atende a diversas necessidades de pesquisa e não danifica a colônia ou a árvore onde esta se encontra alojada. Entretanto as operárias de M. bicolor não saem do ninho facilmente, como outras espécies de Meliponíneos, característica que dificulta o trabalho de campo.

O objetivo deste trabalho foi desenvolver uma técnica para a coleta de indivíduos adultos de M. bicolor em ninhos naturais.

METODOLOGIA:

A armadilha foi confeccionada utilizando-se uma caixa de madeira de 11 cm x 11 cm com 3,5 cm de altura. A parte inferior foi fechada com madeira e a superior com uma tela de nylon. A caixa de madeira foi furada em uma das laterais com broca para madeira de 12,5 mm. Um funil de tela de nylon com diâmetro de 4 cm em uma extremidade e 1 cm na outra extremidade foi utilizado encaixando-o na entrada do ninho e introduzido no furo da caixa de madeira (Figura 1).

Para verificar a eficiência da armadilha foram realizadas nove coletas, com periodicidade mensal, entre Julho de 2007 e Março de 2008 em dois ninhos de M. bicolor localizados na Estação Ecológica de Água Limpa - Cataguases/MG, citados por Werneck et al. (2007).

Figura 1: a) funil de tela de nylon; b) caixa de madeira com o funil já encaixado.

Para comparar com as coletas realizadas com a armadilha foi empregada, simultaneamente, a metodologia de coleta com puçá com a entrada do ninho fechada. O tempo de coleta para as duas metodologias foi de 30 minutos em cada visita ao campo, preferencialmente pela manhã.

Como no campo, as entradas dos ninhos estão dispostas de maneiras diversas, para armar a armadilha pode ser necessário o uso de algum suporte, para que a armadilha alcance a altura da entrada do ninho (Figura 2).


Figura 2: a) Armadilha com suporte e (b) diretamente no solo.

RESULTADOS E DISCUSSÀO:

Nas coletas realizadas com puçá obteve-se uma média de 3,66 indivíduos de M. bicolor durante os 30 minutos de amostragem. Com a armadilha obteve-se uma de média 21,11 indivíduos no mesmo período de tempo (Tabela I).

Tabela I: Número de indivíduos
coletados com puçá e com a
armadilha em cada visita ao campo.

Durante o trabalho observou-se que em dias mais quentes, independente da técnica utilizada, o número de indivíduos coletados foi maior do que em dias mais frios. Isto, provavelmente, devido aos fatores climáticos e às condições sazonais que influenciam diretamente na atividade de vôo e até mesmo pela disponibilidade de recurso no ambiente (Teixeira & Campos, 2005; Inoue et al, 1985).

As coletas de indivíduos de M. bicolor diretamente na entrada das colônias utilizando o puçá, mostrou-se muito menos eficiente do que quando se utilizou a armadilha (Tabela I). Quando o coletor fechava a boca do ninho e aguardava as operárias regressarem do campo para serem capturadas, elas não se aproximavam. Quando a entrada do ninho não foi fechada as operárias não saíram, até mesmo a abelha guarda desapareceu da boca do ninho.

Ao utilizar esse modelo de armadilha, o coletor terá a liberdade de deixá-la armada podendo distanciar-se do local do ninho (Figura 3). As abelhas saem da colônia e entram diretamente no funil de nylon. Ao passarem para dentro da caixa de madeira, elas não conseguem retornar, isto porque a extremidade menor do funil possui aproximadamente o mesmo diâmetro do corpo da abelha, sendo assim, não há apoio para retornar ao ninho através do funil. Outro detalhe importante para que a armadilha seja eficiente, é verificar se há alguma abertura no local onde o funil de nylon toca a boca do ninho, evitando que alguma abelha possa escapar.

Figura 3: Armadilha devidamente armada.

Durante o tempo em que a armadilha permaneceu no local, as operárias que retornaram do campo, sobrevoaram o local várias vezes até ficarem exaustas, então pousaram por fora do funil de nylon permitindo que fossem coletadas com puçá, ou até mesmo com as mãos (Figura 4).

De acordo com os resultados obtidos neste trabalho, o modelo de armadilha proposto mostrou-se eficiente na coleta de indivíduos de M. bicolor. A partir desse modelo de armadilha, sugere-se que ele seja utilizado para outras espécies de Melipona que apresentam a mesma dificuldade de coleta como M. mondury e M. quinquifasciata, bem como para outras espécies de Meliponinae como as do gênero Plebeia, Frieseomellita, Nannotrigona, entre outros, desde que sejam feitos ajustes nas dimensões das medidas da armadilha de acordo com a espécie com que se deseja trabalhar, como por exemplo, as dimensões do funil de nylon.

Figura 4: Operárias sobrevoando a armadilha.


Agradecimentos:

A Fundação de Amparo à pesquisa do estado de Minas Gerais - FAPEMIG pelo apoio financeiro;

A Universidade Federal de Viçosa - UFV;

Ao Profº Drº Lucio Antonio de Oliveira Campos (DBG/UFV) pela orientação e pelas correções.

As Faculdades Integradas de Cataguases/MG-FIC pelo apoio.

Ao amigo e Biólogo Clodoaldo Lopes de Assis pela realização das imagens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Campos, L.A.O. Melipona rufiventris Lepeletier, 1836. In: Machado, A.B.M., Fonseca, G.A.B., Machado, R.B.,

Aguiar, L.M., Lins, L.V. Livro Vermelho das espécies ameaçadas de extinção da fauna de Minas Gerais. Belo Horizonte, Fundação Biodiversitas. 1998, 608p.

Faria, G. M. de. 1989. Sobre as relações entre as abelhas (Hymenoptera, Apoidea) e Solanum paniculatum L., S. granuloso-leprosum Dun., S. americanum Mill. e S. lycocarpum St. Hil. (Solanaceae). Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Ribeirão Preto, São Paulo. 129p.

Hilário, S.D; Imperatriz-Fonseca, V.L. & Kleinert, A.M.P. Flight activity and colony strength in the bee Melipona bicolor bicolor (Apidae, Meliponinae). Revista Brasileira de Biologia, v.60, n.2, p.299-306, 2000.

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Kerr, W. E.; Carvalho, G. A.; Nascimento, V. A Abelha uruçu: Biologia, Manejo e Conservação. Belo Horizonte: Acangau. 1996. 144p.

Michener, C.D. The bees of the world. The Jhon Hopkins University Press, Baltimore, 2000.

Mikich, S. B.; Bérnils, R. S. 2004. Livro Vermelho da Fauna Ameaçada no Estado do Paraná. Curitiba: Instituto Ambiental do Paraná. CD-ROM.

Moure, J.S. Notas sobre as espécies de Melipona descritas por Lepetier em 1836. Revista Brasileira de Biologia, v.35, n.4, p.615-623, 1975.

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Cepeda-Aponte, O.I. Poliginia e monoginia em Melipona bicolor (Apidae, Meliponini): do coletivo para o individual. Tese de Doutorado - Universidade de São Paulo-USP SP., 237p. 2003.

Oliveira, B.L. Mudas ontogenéticas em larvas de Melipona nigra schenki Gribodo (Hymenoptera, Apoidea). Boletim da Universidade do Paraná, Zoologia, v.2, p.1-16, 1960.

Roubik, D.W. Ecology and Natural History of tropical bees. Cambridge Univ. Press (USA). 1989. 514p.

Silveira, F.A.; Melo, G.A.R.; Almeida, E.A.B. 2002. Abelhas Brasileiras: Sistemática e Identificação. Belo Horizonte, F.A. Silveira, 253p.

Teixeira, L. V. & Campos, F.N.M., 2005 - Início da atividade de vôo em abelhas sem ferrão (Hymenoptera, Apidae): influência do tamanho da abelha e da temperatura ambiente. Ev. Bras. Zoociências, Juiz de Fora. Vol 07, nº 02, p. 195-202.

Werneck, H.A., Faria - Mucci, G.M., Campos L.A.O. Ninhos de abelhas sem -ferrão (Hymenoptera: Apidae, Meliponina) encontrados na Estação Ecológica de Água Limpa-Cataguases/MG. In: VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 2007, Caxambu. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 2007.

Wilms, W.; Imperatriz-Fonseca, V. L.; Engels, W.1996- Resource partitioning between highly eusocial bees and possible impact of the introduced honeybee on native stingless bees in the Brazilian Atlantic rainforest. Stud. Neotrop. Fauna and Environm., v. 31, p. 137-151.

Wilms, W. & Wiechers, B. Floral resources partitioning between native Melipona bees and the introduced Africanized honey bee in the Brazilian Atlantic rain forest. Apidologie, v. 28, p.339-55, 1997.


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