Norma

NORMALIZAÇÃO NA CADEIA PRODUTIVA APÍCOLA NACIONAL

RICARDO COSTA RODRIGUES DE CAMARGO
Pesquisador Embrapa Meio-Norte
Coordenador do Núcleo de Pesquisas com Abelhas
Coordenador da Comissão de Estudo Especial Temporária da Cadeia Apícola ABNT/CEET-00:001.87

Atualmente, as relações mercadológicas entre os países importadores e exportadores incorporaram exigências de padronização de procedimentos, que visem garantir a qualidade do produto ou serviço, em função de um mercado globalizado. Segundo dados da OMC (Organização Mundial de Comércio) 60% das exportações é realizada por países desenvolvidos. Na visão do Banco Mundial em seu relatório de desenvolvimento mundial de 1999, "os países pobres diferem dos ricos na carência de instituições para certificar qualidade, estabelecer e aplicar normas e padrões, assim como, reunir e disseminar a informação necessária à realização de negócios".

Nesse mercado extremamente competitivo os países buscam paralelamente crescimento e proteção de seus produtos e mercados, ao passo que os blocos econômicos buscam diminuir obstáculos internos entre seus parceiros, criando outros externos. Esses obstáculos são flexíveis de acordo com as alterações momentâneas de mercado e estão sujeitos a transformações, aonde as barreiras alfandegárias vêm dando lugar as barreiras técnicas.

Um bom exemplo dessa situação atual do mercado ocorreu com o mel brasileiro que sofreu embargo por parte da União Européia em meados de 2006, interrompendo a exportação do mel para países do bloco, maiores compradores de nosso mel. Esse embargo que só agora, depois de dois anos foi finalizado, em função da aplicação de esforços conjuntos dos órgãos governamentais e não governamentais e do setor produtivo em atender as exigências dos importadores.

Entretanto, uma situação negativa para o setor em uma primeira avaliação, pode e deve ser encarada também, como mecanismo desencadeador de ações que busquem a melhoria do setor afetado. E não foi diferente no caso do mel brasileiro, pois o embargo exigiu uma melhor articulação do setor privado e dos órgãos governamentais e fez com que toda a cadeia produtiva do mel se organizasse na busca de soluções que viabilizassem o retorno das exportações para a União Européia.

Uma das principais ações que vem contribuindo para a organização do setor foi a criação no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e de Produtos Apícolas.

Instituída oficialmente no início de 2006 no âmbito da Coordenação das Câmaras Setoriais, tem sua presidência exercida pelo presidente da Confederação Brasileira de Apicultura - CBA. Desde então, os trabalhos da câmara vêem propiciando a discussão dos principais entraves para o desenvolvimento da apicultura no país, com a articulação efetiva dos diversos elos da cadeia produtiva, setor governamental, instituições de capacitação, assistência técnica, fomento, pesquisa e desenvolvimento.

Nesse contexto foi formado dentro da Câmara um grupo de trabalho (GT) para discutir a elaboração e implantação de um Programa de Avaliação da Conformidade para a Apicultura Nacional. Formado por representantes de diversos órgãos como Embrapa, INMETRO, ABNT, SEBRAE, EPAGRI e representantes de empresas apícolas, associações de produtores, o grupo delineou um plano estratégico para a formação de um programa de avaliação da conformidade que irá permitir que a apicultura nacional disponha dos mecanismos necessários de comprovação da qualidade dos produtos oriundos de sua atividade, levando a uma agregação de valor aos seus produtos e a sua inserção e manutenção no mercado mundial.

Uma das principais ações desse GT foi o encaminhamento de solicitação junto a Associação Brasileira de Normas técnicas - ABNT para formação de uma Comissão de Estudos Especiais Temporária- CEET para a elaboração de normas técnicas para a cadeia apícola. Essa CEET foi instituída oficialmente em maio de 2007 (ABNT/CEET - 00:001.87) e tem a coordenação da Embrapa, sendo aberta à participação de qualquer cidadão brasileiro, representante de órgão de classe ou não e tem como principal objetivo a elaboração e disponibilização, por meio de normas técnicas oficiais (ABNT), das bases técnicas e referenciais para a aplicação do Programa de Avaliação da Conformidade da Apicultura Nacional.

A normalização representa uma ferramenta extremamente eficaz para assegurar a qualidade de produtos e processos, na comprovação da organização do setor, na proteção de seus produtos frente a eventuais restrições técnicas e no atendimento das exigências de mercado.

O processo de normalização resulta da percepção compartilhada dos agentes econômicos de que há vantagens em se chegar a um acordo voluntário, para estabelecer bases comuns para o fornecimento de um produto, processo ou serviço, utilizando a tecnologia como instrumento, face à diversidade do mercado.

As normas são estabelecidas por consenso e são voluntárias em sua aplicação pelo mercado, diferindo dos regulamentos que são compulsórios. São desenvolvidas por organismos de normalização e irão estabelecer os requisitos ou diretrizes para atividades ou os seus resultados (produtos, serviços, etc.) Ela terá auto-regulação da sociedade e são focadas no mercado. Já os Regulamentos Técnicos são documentos semelhantes, emitidos por uma autoridade regulatória, mas que são obrigatórios, podendo, entretanto, se basear em normas técnicas, tendo foco e atuação no mercado interno e nacional. Os regulamentos técnicos e as normas técnicas devem ser complementares, embora a normalização propicie um diferencial de mercado gerando, normalmente, padrões acima dos estabelecidos pela legislação, embora nunca a sobrepondo.

Para o país o seu acervo de normas representa a formalização, a consolidação e a universalização do acesso à sua tecnologia.

Diversos países já dispõem de normas técnicas voltadas ao setor apícola, como é o caso da Argentina, Chile, Uruguai e países da União Européia.

Nesse sentido, a CEET tomou como prioridade para o desenvolvimento de seus primeiros trabalhos, o principal produto da apicultura nacional, que é o mel, para que numa próxima fase sejam contemplados todos os outros produtos oriundos da produção apícola.

Sendo assim, foram determinadas conforme a necessidade e prioridade estabelecida pelo setor, o seguinte plano de trabalho.

Programa de Normalização Setorial- PNS:

00:001.87-001 - Terminologia
00:001.87-002 - Sistema de produção de mel - Campo/Unidade de extração
00:001.87-003 - Processamento mel - Entreposto
00:001.87-004 - Métodos de ensaio (conjunto de normas)
00:001.87-005 - Equipamentos Utensílios e Insumos (conjunto de normas)
00:001.87-006 - Sistema de rastreabilidade
00:001.87-007 - Produtos apícolas (conjunto de normas)
00:001.87-008 - Produção de enxames e rainhas

Os trabalhos da CEET são conduzidos por meio da realização de reuniões periódicas, decididas previamente, por meio de calendário de reuniões anuais, onde seus participantes discutem e elaboram os textos das propostas de normas. Desde sua criação já foram realizadas seis reuniões, com uma norma já disponibilizada para consulta pública (Sistema de Produção no Campo- MEL) e outra em vias de (Equipamentos- Colméia Langstroth).

Os textos em elaboração são disponibilizados a todos participantes da comissão por meio eletrônico e também em um ambiente eletrônico da ABNT (livelink). Após consenso quanto à qualidade do texto final, a proposta é encaminhada para consulta pública, estando disponível no site da ABNT, por 60 dias permitindo o envio de sugestões pelos cidadãos em geral e eventual alteração do seu texto. Não havendo sugestão de alteração técnica a proposta é oficializada no âmbito da ABNT, caso contrário após discussão da comissão das sugestões de alterações encaminhadas, a mesma retorna para consulta pública por mais 60 dias e assim sucessivamente.

Apesar de se buscar por meio das normas um padrão diferenciado nos processos produtivos e conseqüentemente nos produtos gerados, um de seus objetivos é a sua ampla aplicabilidade permitindo a sua utilização pelo maior número de produtores, devendo, portanto, levar em conta a realidade do setor, sem deixar de estabelecer os padrões diferenciados de qualidade.

Entretanto, pela necessidade de sua formatação a norma não descreve apenas procedimentos técnicos objetivando a simples melhoria dos índices de produtividade, como um manual de recomendações técnicas. Sua principal função é estabelecer os parâmetros e requisitos técnicos, que pela sua aplicação, possam promover a segurança alimentar, a manutenção da qualidade dos produtos, da preservação ambiental e da biodiversidade. Em outras palavras a norma determina o que "deve ou não" ser feito e não "como".

Para auxiliar na sua aplicação por parte dos apicultores e empresários do setor outros documentos complementares deverão ser disponibilizados, como manuais de boas práticas apícolas, etc. Outras ações de sensibilização e capacitação que possam auxiliar na compreensão de seus textos e da importância de sua aplicação também devem ser desencadeadas a partir da disponibilidade das primeiras normas ao setor.

Sendo assim, a missão da CEET-ABNT da Cadeia Apícola é de congregar as expertises do setor, os produtores, órgãos governamentais, e todos os segmentos do agronegócio apícola, para que em conjunto sejam elaboradas normas que contemplem todas as fases e elos da cadeia produtiva do mel. Com esse trabalho espera-se um incremento no desenvolvimento da apicultura nacional permitindo ao país comprovar a qualidade diferenciada de seu mel e de seus produtos apícolas, ampliando seus mercados e melhorando seu ranking na produção mundial de mel, contribuindo dessa forma, para a geração de renda no campo, melhoria da qualidade de vida e conservação ambiental de sua rica biodiversidade.

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