Relato

A URUÇU BOI DA AMAZONIA,
Melipona fuliginosa Lepeletier, 1836

Marilda Cortopassi-Laurino

Fig 1 Dr. Paulo Nogueira-Neto fazendo vistoria em uma colônia
de meliponíneo no seu Meliponário em Xapuri, Acre.


Na cidade de Xapuri, no Estado do Acre, Dr. Dr. Paulo Nogueira-Neto mantem um Meliponário e Mini Estação Experimental (Fig 1). Nesse local estão instaladas colônias de cinco espécies de Melipona nativas da região entre outras abelhas e um pequeno arboreto com plantas apícolas.


Fig 2 Abelha uruçu boi na entrada do ninho.
As abelhas apresentam uma pilosidade totalmente negra
e as asas de cor ferrugínea.


Desde 1999 tenho tido a oportunidade de visitar o local e a abelha uruçu boi, ou turuçu, que também já foi chamada de M. flavipennis, é a que mais se destaca porque esta espécie é o maior meliponíneo já descrito. Seu tamanho pode chegar a 15mm de comprimento, o que corresponde a uma pequena mamangava. Sua raridade também aumenta a curiosidade sobre a espécie. São abelhas totalmente negras e com as asas de cor ferrugínea (Fig 2)

A uruçu boi é encontrada atualmente na região de florestas da América Central e no norte da América do Sul. Entretanto, parece que ela já habitou as florestas do Sudeste e da Bahia. Segundo informação de Nogueira-Neto, existe um exemplar desta espécie de abelha no Museu de Zoologia da USP, coletado em 1950, no norte do Estado de São Paulo.


Fig 3 Túnel interno ornamentado que fazia conexão
entre a entrada do ninho (trombeta) e a região dos favos de cria.


Os ninhos destas abelhas são construídos em ocos de árvores vivas. Breu rosa, branco e vermelho são as árvores preferidas, segundo seringueiro local. Sua população era em torno de 700-1000 indivíduos adultos, e um único favo continha 395 pupas prontas para eclodir.

A entrada do ninho da uruçu boi é típica: uma trombeta com aproximadamente 10,0cm de comprimento e 6,5cm no maior diâmetro e que se situa na sua parte inferior. Curiosamente, muitas sementes fazem parte desta estrutura de cor escura. A entrada fica bem próxima do solo, e com a trombeta voltada para o alto. Como o ninho estava no meio da floresta, este deve ser um recurso para direcionar as abelhas para coletarem no dossel, ou no alto das árvores.


Fig 4 Aspecto geral do ninho de uruçu boi estando
os potes de alimento distribuídos
principalmente acima das células de cria.
Poucas lamelas envolvem os favos.


Um dos ninhos que foi transferido para caixa racional tinha, logo após a trombeta, no seu lado interno, um túnel ornamentado que terminava na região das células de cria (Fig 3). Os favos de cria estavam dispostos horizontalmente e eram envolvidos por poucas lamelas de cerume. Os potes de alimento se distribuíam acima destas estruturas (Fig 4). Os potes estavam agrupados, e tinham aproximadamente 5cm de altura. Mais de 100 potes foram contados, entretanto, poucos eram de mel, e muitos de pólen. Na época seca do mês de outubro, quando fizemos essa transferência, não havia mais do que meio litro de mel no ninho.

A uruçu boi é considerada abelha agressiva e pilhadora de outros ninhos que estão nas proximidades. Entretanto, até o momento, nenhuma das transferências para caixas racionais realizadas por varias pessoas tiveram êxito. A nossa colônia definhou e em alguns meses não havia mais abelhas no ninho.


Fig 5 Gráfico do Movimento Externo de um ninho de uruçu
boi no período seco do ano. Um pico de coleta
ocorre nas primeiras horas da manhã.


As observações feitas sobre o movimento externo desta espécie de abelha mostraram que elas saem para coletar desde as primeiras horas da manhã, ou seja, pouco antes da cinco horas, e continuam coletando até o escurecer. Entretanto, elas têm um pico de maior movimento e de coleta de pólen logo cedo, nas primeiras horas do dia (Fig 5) Esse período de pico pela manhã, é também ocorre em outras espécies de Melipona do meliponário na estação seca do ano (outubro). No período de chuvas, (janeiro) o que elas mais coletam é uma resina ou uma polpa gomosa avermelhada com sementes e barro.


Tubo de entrada da abelha uruçu boi ou turuçu
(Melipona fuliginosa) da região de Xapuri, Estado do Acre.
Durante alguns dias, a deposição de resinas gomosas
avermelhadas com sementes é tão intensa que modifica a cor
original do tubo de entrada.


Essa polpa gomosa com sementes é empregada principalmente no tubo de entrada e em alguns locais dentro do ninho. Na época das chuvas, durante alguns dias, a entrada do ninho torna-se avermelhada, tão grande é quantidade deste material depositado (Fig CAPA). Após duas semanas, tudo volta ao normal, e o tubo, agora maior, apresenta a cor escura tradicional. Essa utilização de sementes por alguns meliponíneos da Amazônia, não só a uruçu boi, sugere que estas abelhas possam ser dispersoras de sementes, assim como outros animais. As plantas ou frutos onde as abelhas coletam estas gomas e sementes não foram identificadas.

Agradecimentos ao Dr. Paulo Nogueira-Neto pela hospedam no local do meliponário, ao professor Hayo Velthuis, por compartilhar observações, e ao seringueiro Genário Gomes do Nascimento pelas informações locais.



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