Artigo
 

SELEÇÃO DE ABELHAS PARA RESISTÊNCIA A DOENÇAS DE CRIAS ATRAVÉS DO COMPORTAMENTO HIGIÊNICO

Lionel Segui Gonçalves1 e Kátia Peres Gramacho2

 (1) Prof. Titular do Dep. de Biologia da FFCLRP-USP-Ribeirão Preto-SP

(2) Doutoranda do Dep. de Biologia da FFCLRP-USP-Ribeirão Preto-SP

    Quando se fala em genética, melhoramento, DNA, DNA-recombinante, clonagem, genes, engenharia genética dentre outros termos genéticos, muitos se assustam e ainda associam tais temas a ficções científicas, tornando-se até, em muitos casos, resistentes ao tema. Interessante que muitas pessoas fazem uso do melhoramento genético animal e vegetal em suas fazendas, roças, chácaras, fundos de quintal e até mesmo em seus próprios jardins, sem nem terem consciência de que, aquilo que eles estão fazendo, nada mais é que uma seleção "massal", por exemplo, de suas criações, cultivares etc. Um exemplo de um simples melhoramento genético doméstico é o "criador de galinhas de fundo de quintal". Este criador, ao longo do ano, seleciona suas galinhas mais produtoras de ovos e preserva-as como verdadeiras "matrizes" e aquelas que põem poucos ovos, eles matam para comer. Os galos mais vistosos, imponentes e parceiros das galinhas "matrizes" também são selecionados, preservados e criados com todo esmero. Desta forma, o pequeno produtor aumenta a produção de ovos ano a ano e sempre tem em seu quintal galinhas boas produtoras e saudáveis, pois as mais fracas também são eliminadas para garantir o sustento de sua família. O problema surge, normalmente, quando aparece alguma doença na criação e, nesse caso, a aplicação de medicamentos contra algum fator ou agente infeccioso é muito mais complicada do que se fazer a prática da seleção genética para resistência a doenças. Em muitos casos, um erro na dosagem ou na aplicação do medicamento pode trazer sérias conseqüências não só para o animal como também para o próprio dono, isso sem falar nos altos custos do tratamento que onera e muitas vezes até inviabiliza a produção.
 
    No caso com abelhas é a mesma coisa. Conhecemos apicultores que preferem usar medicamentos como preventivos contra doenças, o que é um grande erro, pois dessa forma ele pode estar fazendo uma seleção de abelhas resistentes a estes medicamentos (antibióticos, acaricidas etc.). Neste caso, quando surgir uma doença, ao contrário do esperado, as abelhas não reagirão aos medicamentos usados como preventivos devido ao fato dos agentes infecciosos (bactérias, protozoários, ácaros etc.) terem tornado-se resistentes ao referido produto. Isto não é hipótese pois, acontece freqüentemente na prática. São conhecidos fatos de apicultores estrangeiros que, ao tomarem conhecimento sobre a possibilidade de suas abelhas virem a apresentar a doença Cria Pútrida Americana e, na preocupação de perderem suas colônias, realizaram tratamentos preventivos contra essa doença aplicando indiscriminadamente "pacotes de antibióticos" (junção de vários tipos de antibióticos) em suas colônias. Com isso, ao ocorrer a contaminação com o agente infeccioso, foram criadas linhagens ou cepas resistentes aos antibióticos utilizados e, dessa forma as abelhas não resistiram, ocorrendo morte das colônias com sérios prejuízos ao apicultor. Além do prejuízo causado pela eliminação das colônias ainda há outra séria conseqüência que é a contaminação dos produtos das abelhas (mel, cera, geléia real, pólen etc.) pelos antibióticos, acaricidas etc. passando estes produtos apícolas a apresentar resíduos químicos que tornam o produto condenado para o mercado. Lamentavelmente, esses fatos já foram freqüentemente registrados em vários países e podem ocorrer para qualquer apicultor menos avisado.
 
    As dificuldades relacionados ao controle da sanidade apícola em nosso país e a falta de laboratórios e especialistas em número suficiente para atender a demanda nacional é um fator preocupante. Mais recentemente, com a intensificação do intercâmbio comercial relacionado ao Mercosul, essa deficiência no controle da sanidade apícola têm causado sérios problemas aos apicultores devido a necessidade de conquista de novos mercados e intercâmbio de mercadorias, incluindo-se aqui os produtos apícolas, portanto com risco de entrada de doenças e pragas no país, sendo que o Brasil deve estar atento a isso face a recente abertura das nossas fronteiras determinadas pelo acordo do Mercosul. A abertura das fronteiras aos produtos apícolas poderá trazer sérias conseqüências para a sanidade apícola nacional pois, as enfermidades podem ser facilmente introduzidas através da importação de núcleos ou pacotes de abelhas, rainhas, materiais apícolas em geral, bem como produtos das abelhas contaminados com esporos da doença, além do risco da introdução natural da doença através dos enxames na natureza.

     Portanto, para se preservar a apicultura brasileira, além da necessidade de um controle sanitário eficiente para evitar a entrada e propagação de novas doenças, há também a necessidade de se investir mais em pesquisas sobre patologia apícola e melhoramento de abelha através da seleção de linhagens resistentes à doenças.

    Como as doenças de crias causam danos à colônia e, consequentemente, prejuízos econômicos ao apicultor, é importante que elas sejam eliminadas porém, se possível, sem o uso de tratamento com produtos químicos que normalmente deixam resíduos de elementos químicos no mel, cera, geléia real etc. Uma das maneiras de se evitar a contaminação do produtos das abelhas por substâncias químicas, resíduos ou elementos químicos é a substituição do tratamento com antibióticos, acaricidas, fungicidas, produtos químicos etc. pela seleção de abelhas resistentes a doenças. Esta pode consistir, por exemplo, na seleção massal de abelhas resistentes a doenças de crias ou, mais especificamente, na obtenção de linhagens de abelhas higiênicas, isto é, linhagens de abelhas cujas operárias sejam portadoras dos genes desoperculador (dd) e removedor (rr) em homozigose (ROTHENBUHLER, 1964). Entende-se por colônias higiênicas aquelas em que suas abelhas removem suas crias doentes ou mortas de suas colônias, eliminando portanto o foco infeccioso. Desta forma as próprias abelhas realizam um controle biológico da colônia contra agentes infecciosos causadores de doenças de crias e sem o uso de produtos químicos.
 
    A maior parte dos apicultores não se da conta da importância que é o comportamento higiênico ou de limpeza das abelhas para a sua resistência a doenças, talvez por considerarem o método demasiadamente difícil e complicado de se usar na prática ou talvez por desconhecerem o tema.

    Encontra-se na literatura vários métodos para estudos do comportamento higiênico em abelhas melíferas, dentre eles os mais utilizados, ultimamente, são o método de congelamento de crias, descrito por GONÇALVES e KERR (1970) e o método de perfuração de crias, descrito por NEWTON e OSTASIEWSKI (1986). Em 1994 realizamos um estudo comparativo entre esses dois métodos, a fim de verificarmos a sua eficiência e praticidade. Os resultados de nossas pesquisas mostraram que ambos eram eficientes para estudos do comportamento higiênico. No entanto, apesar de não termos encontrado diferenças estatisticamente significantes entre eles, para realização de trabalhos de seleção genética no sentido de se aumentar a freqüência de colônias higiênicas, propomos a utilização do método de perfuração de crias, no apiário por ser um método simples, econômico e de fácil aplicação no campo.

     Teste do Comportamento Higiênico no campo:

    O método de perfuração de crias pode ser usado pelos apicultores tanto para pequenos apiários (50 a 100 colmeias) como para apiários maiores (mais de 500 colmeias).

    Primeiramente o apicultor deve fazer o teste do comportamento higiênico em suas colmeias para saber quais são higiênicas ou não higiênicas.

    O teste para avaliação do comportamento higiênico das abelhas no campo que recomendamos aqui, baseia-se no "Método de Perfuração das células de crias" descrito por NEWTON e OSTASIEWSKI (1986) e modificado por GRAMACHO e GONÇALVES (1994). De cada colônia a ser testada retira-se um quadro de crias seladas (operculadas) de operárias com idade de 10 a 14 dias (pupa de olho rosa). Neste quadro escolhem-se duas áreas vizinhas, se possível, contendo 100 células operculadas (10 linhas por 10 fileiras) sendo uma área para perfuração (Área A) e a outra área para controle ou testemunho, sem perfuração (Área B). Se as áreas tiverem células vazias, essas devem ser contadas para ajuste nos cálculos de porcentagem conforme mostra a (Figura 1). As áreas podem ser delimitadas com a espátula. O método consta na perfuração de 100 células com crias operculadas de operárias com auxílio de um alfinete entomológico no 2 (alfinete ou agulha de costura de tamanho pequeno). É importante que o alfinete seja introduzido no centro do opérculo (capa da célula de cria) e numa profundidade que permita atingir a cria (Figura 2). Após a perfuração das 100 células o quadro de crias deve ser devolvido para a colmeia a ser testada, lá permanecendo por 24 horas para que as operárias higiênicas realizem a desoperculação e remoção das crias mortas ou danificadas pelo alfinete. Após 24 horas o quadro é retirado, sendo a seguir contadas as células vazias tanto na área A como na B (controle) (Figuras 3 e 4). Se foram perfuradas 100 células de crias na área A e após 24 horas haviam 95 células vazias a colônia apresentou um comportamento higiênico igual a 95%. Este resultado será verdadeiro somente se na área B (controle, sem perfuração) não existir mais de 10% de remoção natural, isto é, se não existir mais de 10 células vazias após as 24 horas. Devem ser descontadas as células vazias antes do teste. Se, por outro lado foram perfuradas 100 células de crias na área A e após 24 horas havia 40 células vazias o comportamento higiênico é igual a 40%. Podemos classificar uma colônia como higiênica ou não higiênicas em função da quantidade ou percentual de crias removidas 24 horas após a perfuração. Portanto, uma colônia poderá ser mais ou menos higiênica em função de sua capacidade de limpeza das crias mortas ou doentes no prazo de 24 horas. Para fins de seleção as colônias que removem 80% ou mais das crias mortas consideramos como higiênicas (GRAMACHO e GONÇALVES, 1994) e as demais devem ser descartadas como pouco ou não higiênicas. Devemos fazer pelo menos 3 testes por colônia, em intervalos mínimos de 15 dias. A média destes três testes será o diagnóstico final da colônia quanto ao comportamento higiênico. Recomenda-se realizar os testes em dias em que há baixa entrada de fluxo nectarífero, pois, segundo MOMOT e ROTHENBULHER (1971), as colônias sob estas condições apresentam-se menos higiênicas, evitando-se desta forma a influência do meio ambiente sobre o comportamento.

     Escolha das colônias matrizes para seleção:

     As colônias que apresentarem um comportamento higiênico ou percentual de limpeza de 80% ou mais são consideradas como higiênicas sendo selecionadas e mantidas como matrizes para produção de rainhas. As colônias que apresentarem um valor abaixo de 80% devem ter suas rainhas substituídas por rainhas filhas das colônias higiênicas selecionadas. As colônias higiênicas, além de estarem eliminando as crias mortas ou doentes, estarão eliminando o foco de infecção. Num programa de seleção massal devemos contar com um bom número de colmeias matrizes para evitar os problemas de consangüinidade. por exemplo, de um total de 100 colmeias de um apiário, pelo menos 20 rainhas não aparentadas (20% do total de colônias disponíveis) deverão ser selecionadas como matrizes para a produção de rainhas e zangões para a formação das colmeias da próxima geração. O presente programa toma por base acasalamentos livres naturais, sendo importante que as colônias selecionadas também produzam zangões para que haja a possibilidade de acasalamentos de rainhas e zangões portadores dos genes desoperculador e removedor. A variabilidade do comportamento será proporcional ao número de abelhas higiênicas da colônia. A colônia será mais higiênica quanto maior for o número de operárias portadoras dos dois genes desoperculador e removedor em homozigose. Uma rainha fecundada naturalmente se acasala com 10 a 20 zangões e, dependendo do tipo de acasalamento, haverá mais ou menos abelhas higiênicas na colônia, daí a necessidade de se fazer seleção utilizando-se rainhas e zangões das colônias mais higiênicas. por outro lado, no caso de inseminação instrumental em laboratório não há a necessidade de seleção massal pois é possível se obter uma linhagem pura com abelhas higiênicas já em uma única geração. Portanto, para a escolha das colônias a serem selecionadas neste programa de melhoramento para resistência a doenças o primeiro critério a ser escolhido será o comportamento higiênico, sendo escolhidas apenas as rainhas cujas colônias tiverem um comportamento higiênico igual ou superior a 80%, escolhendo-se pelo menos as 20 melhores. Se, por exemplo, no referido apiário de 100 colmeias havia 70 colônias com comportamento igual ou superior a 80% essas 70 colônias deverão ser selecionadas para a geração seguinte sendo que as outras 30 restantes terão suas rainhas trocadas por rainhas descendentes de uma ou mais colônias higiênicas selecionadas. Dessa forma, a cada geração de 100 colmeias aumentará o percentual de colônias cada vez mais higiênicas e, portanto, mais resistentes a doenças de crias e sem o perigo de aumento de consangüinidade que é prejudicial para qualquer programa de seleção ou melhoramento. É importante lembrar que o número de colônias matrizes fornecedoras de rainhas e zangões que recomendamos para cada geração deve ser sempre igual ou superior a 20 colônias não aparentadas, para que seja evitado o aparecimento de zangões diplóides devido a homozigose dos alelos sexuais "x" que são em torno de 18. Os zangões diplóides são normalmente eliminados da colmeia pelas operárias, ainda na forma de larvas, poucas horas após a eclosão (WOYKE, 1963), ficando o favo com células vazias ou falhado, com o mesmo aspecto de favo com doença de crias. Usando-se mais de 20 rainhas matrizes evita-se a consangüinidade dos alelos "x" e, portanto, colônias deficientes.
 
     Independentemente do tipo do teste de comportamento higiênico aplicado no campo (perfuração, congelamento etc.), o resultado da seleção de colônias higiênicas sem dúvida é eficiente pois, além do fato de eliminar o foco de infecção da colônia sem a necessidade de se realizar tratamentos com medicamentos ou produtos químicos, esta fica mais saudável, mais populosa e, consequentemente, mais apta a realizar o comportamento forrageiro que significa aumento de produção de mel, geléia real, cera etc., produtos estes isentos de resíduos químicos e, portanto de mais valor no mercado nacional e internacional.

 

 
 

      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 GONÇALVES, L. S.; KERR, W. E. Genética, Seleção e Melhoramento. 1. Noções sobre genética e melhoramento em abelhas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 1., Florianópolis, 1970. Anais. 1970. p. 8-36.

 GRAMACHO, K. P.; GONÇALVES, L. S. Estudo comparativo dos métodos de congelamento e perfuração de crias para avaliação do comportamento higiênico em abelhas africanizadas. In: CONGRESSO LATINOIBEROAMERICANO DE APICULTURA, 4. 1994. Anais. Cordoba-Argentima, 1994. p. 45.

 MOMOT, J. P.; ROTHENBUHLER, W. C. Behaviour genetics of nest cleaning in honeybees. VI Interactions of age and genotype of bees, and nectar flow. J. Apic. Res., v. 10, n. 1, p. 11-21, 1971.

 NEWTON, D. C.; OSTASIEWSKI, Jr., N. J. A simplified bioassay for behavioral resistance to American foulbrood in honey bees (Apis mellifera L.). Am. Bee J., v. 126, n. 4, p. 278-281, 1986.

 ROTHENBUHLER; W. Behaviour genetics of nest cleaning in honey bees. IV. Responses of four lines to disease killed brood. Animal Behaviour., v. 12, n. 4., p. 578-583 1964a.

 WOYKE, J. What happens to diploid drone larval in a honeybee colony. J. Apic. Res., v. 2, n. 2, p. 73-76, 1963.
 
 

 

Retorna à página anterior