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ALIMENTAÇÃO EMERGENCIAL DE ABELHAS AFRICANIZADAS PARA ENFRENTAR A SECA NO SEMIÁRIDO NORDESTINO: um estudo de caso em Mossoró-RN

Michelle Manfrini Morais1,3, Aline Patrícia Turcatto2, Rogério Ap. Pereira2, João Paulo de Almeida4, Joyce Mayra Volpini de Almeida3, David De Jong2 e Lionel Segui Gonçalves3,4
1 Universidade Federal de São Paulo/Unifesp - Depto de Ciência e Tecnologia/ICT-SJC - michelle.manfrini@unifesp.br
2 Universidade de São Paulo/USP - Depto de Genética/FMRP
3 Universidade de São Paulo/USP - Depto de Biologia/FFCLRP
4 CETAPIS-RN/ Departamento de Ciências Animais - UFERSA, Mossoró-RN

A nutrição adequada é a base para o crescimento e desenvolvimento de colônias de abelhas do gênero Apis mellifera (Brodschneider & Crailsheim, 2010), não devendo ser baseada apenas em carboidrato (xarope de água com açúcar). Para tal, as abelhas requerem em sua alimentação: proteínas, carboidratos, minerais, lipídios, vitaminas e água para o seu crescimento e desenvolvimento normal. Estas necessidades normalmente são supridas quando não há escassez alimentar causada pela seca mediante a coleta de néctar, pólen e água. A coleta desses alimentos pode ficar dificultada em épocas de pouca disponibilidade de alimento, sendo dessa maneira, a alimentação artificial muito importante nestes casos, tanto para a manutenção da colônia como para o crescimento e multiplicação do número de colônias. O crescimento e a manutenção das colônias são limitados pela quantidade de proteína disponível; a longevidade, a quantidade de cria e a produção de mel são reduzidas quando o consumo de proteína é inadequado (Herbert, 1992). No entanto, carências de pólen podem ocorrer em várias regiões e em qualquer época do ano e afetam o desenvolvimento da colônia. A carência de pólen pode ocorrer, por exemplo, quando as abelhas estão freqüentando plantas que produzem muito néctar e pouco pólen (Stanger & Laidlaw, 1974; Johansson & Johansson, 1977). Nas épocas de carência, as reservas de pólen nos favos e reservas de proteína nas abelhas logo são gastos de modo que dietas proteicas artificiais ou substitutos de pólen são necessários para manter as colônias fortes para a polinização ou para a produção de mel. Assim, o fornecimento de dietas artificiais alternativas ou substitutos de pólen pode ajudar a melhorar o desempenho da colônia (Herbert, 1992). Dessa maneira, Herbert & Shimanuki (1979) definiram substituto de pólen como qualquer material que, ao ser fornecido às colônias de abelhas, supre as necessidades de pólen por um curto período de tempo.

Tabela 1: Dietas energético-protéicas elaboradas com diferentes ingredientes e
fornecidas às operárias de abelhas Apis mellifera africanizadas.

Assim, apesar da diversidade da flora apícola existente no país, encontramos diversas realidades nutricionais na exploração da apicultura brasileira. Como exemplo, no Nordeste brasileiro, durante a estação seca, ocorre uma escassez de pasto apícola e, conseqüentemente, de alimento para as abelhas (Pereira et al., 2006). Por conseguinte, todo ano os apicultores perdem uma grande parte das suas colônias, que abandonam os apiários em busca de novos pastos no período de escassez de alimento (Freitas, 1991; Lima, 1995). Dessa forma, a falta de recursos para adquirir o alimento e o desconhecimento de produtos que possam ser oferecidos às abelhas são os motivos que impedem a alimentação adequada das colônias no período necessário. O uso de dietas artificiais ou alimentação emergencial pode resolver parcialmente esse problema. Além do suprimento da fonte protéica no período de escassez de alimento na natureza, os substitutos de pólen podem ser utilizados por apicultores para a fortificação de enxames coletados na natureza e para ajudar na multiplicação dos ninhos através da divisão de colônias. Dessa forma, o objetivo do nosso trabalho foi desenvolver e determinar a eficiência de algumas dietas artificiais ricas em proteínas para abelhas melíferas através da análise de diversos fatores medidos no campo e correlacionar com a produtividade da colônia. Para estes experimentos, foram utilizadas colônias de abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) do CETAPIS-RN Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura do RN, em um apiário experimental instalado na Fazenda Experimental Rafael Fernandes da UFERSA, em Mossoró/RN. Foram utilizadas seis colmeias, das quais duas foram selecionados como grupo controle (não recebendo nenhum tipo de dieta suplementar) e quatro foram selecionadas ao acaso como tratamento, para receberem as dietas (D1 e D2) (tabela 1). Todas as dietas foram administradas em forma de pasta e apresentavam similar consistência.

Figura 1: Apiário Experimental do CETAPIS-RN
- Centro Tecnológico de Apicultura e
Meliponicultura em Mossoró-Rio
Grande do Norte.

Foram fornecidas semanalmente, 100 g de cada dieta, envolvidas em papel manteiga e introduzidas sobre os quadros de cria. As trocas eram feitas a cada três dias e quando havia sobra de alimento, estes eram coletados e pesados. As dietas foram fornecidas em grupos de duas colônias. O peso diário de cada colônia foi registrado para verificação da eficiência das dietas no crescimento colonial. Cada uma das colônias foi alimentada durante 45 dias para avaliar cada dieta em teste. O desenvolvimento das colônias foi avaliado através do mapeamento da área de cria conforme metodologia adaptada de Al-Tikrity et al. (1971). Os mapas foram feitos antes de iniciarmos o fornecimento das dietas e após 15, 30 e 45 dias. Para a realização de tais experimentos, os testes de campo foram realizados em Mossoró-RN, no Semiárido Nordestino, durante os períodos de escassez alimentar, no qual pudemos visualizar o real impacto da suplementação alimentar artificial proteica. Escolhemos Mossoró-RN por ser uma região nordestina típica muito castigada pela ausência de chuvas e, consequentemente, de recursos alimentares naturais em algumas épocas do ano e onde está instalado o CETAPIS-RN, Centro Tecnológico onde nosso grupo vem realizando pesquisas sobre dietas alimentares e sobre as causas das enxameações das abelhas africanizadas (figura 1). Sendo assim, realizar tais experimentos nessa região nos permitiria verificar a eficácia da suplementação proteica em períodos de grande escassez. Tais experimentos foram realizados entre fevereiro e março de 2010 (neste período a região enfrentava uma seca de quatro meses). Os dados coletados através de censos realizados no campo estão representados na tabela 2.

Tabela 2: Resultados coletados através dos mapeamentos realizados no início e
término dos experimentos no campo na estação seca em Mossoró/RN referentes à
quantidade de cria operculada (CO), cria aberta (CA), néctar operculado (NO),
néctar aberto (NA) e peso da colônia.

Verificamos através da referida tabela que, de maneira geral, as colônias que receberam suplementação artificial proteica, apresentaram um ganho em relação às variáveis analisadas ao longo dos 45 dias em que essas colônias foram analisadas. A colônia 1 (que foi alimentada com a dieta D1) apresentou um consumo médio de 71,3% do total do alimento oferecido e teve um ganho de peso ao final do experimento de 2,4 kg. A colônia 2, que também recebeu a dieta D1 como forma de suplementação alimentar, ingeriu 61,6% do total de alimento fornecido e apresentou um ganho de 2,5 kg. Já para a colônia 3 que recebeu como forma de suplementação alimentar a dieta D2, mesmo apresentando uma boa aceitação e consumo da dieta oferecida (55,4%), apresentou um queda em relação ao peso inicial da colônia (-2 kg). Esta perda de peso ocorreu devido ao fato da rainha ter sido substituída, e sendo assim, houve uma queda em relação às variáveis analisadas, culminando na perda geral de peso da colônia. A colônia 4, que também recebeu a dieta D2 como forma de suplementação artificial proteica, apresentou resultados semelhantes aos encontrados pelas demais colônias do estudo. A colônia consumiu 61,2% de todo o alimento fornecido e apresentou um ganho de 2 kg ao final do experimento. Em relação às colônias controle, verificamos um enfraquecimento geral para os fatores analisados e também uma perda de peso das colônias (3,8 kg para a colônia 5 e 2,2 kg para a colônia 6). Sendo assim, estes resultados de campo demonstram a real necessidade de fazer uso constante de alimentação proteica suplementar em períodos de escassez alimentar ou na entressafra.

Figura 2: Preparo das rações proteicas artificiais.
A - Local e material utilizado no preparo,
deverão estar limpos e secos;
B - Pesagem dos ingredientes;
C - Ingredientes sendo misturados;
D - Adicionamento de xarope (70%) para
obtenção de consistência pastosa da ração;
E - Ração no ponto de pasta
(assemelha-se a massa de pão caseiro);
F - Consistência da massa.
Crédito das fotos: Aline Turcatto
e Joyce Volpini de Almeida.

Dietas ricas em proteínas podem aumentar o crescimento da colônia em períodos de escassez (quando as fontes de pólen são raras) (Matilla and Ottis, 2006) ou em áreas ou períodos em que apenas pólen de baixa qualidade protéica estão disponíveis (Somerville and Nicol, 2006). Sendo assim, a palatabilidade dos alimentos para as abelhas é uma preocupação das pesquisas que buscam uma alternativa para tal período comentado acima. Garcia et al (1986) estudando o fornecimento de diversos alimentos proteicos com 20, 30 e 40% de PB (Proteína Bruta) observaram um consumo médio de 3,77 g/dia, havendo uma redução no consumo ao longo do tempo. Segundo os autores, após experimentos no campo, verificaram que o teor de PB influencia na coleta do alimento. Esses resultados comprovam o observado por nós, pois quando avaliamos o consumo das colônias no campo, em todos os testes verificamos um maior consumo por parte da dieta D1, a dieta em questão que apresenta uma maior quantidade de PB em sua composição (20%) em relação a dieta D2 com 15% de PB. Além da quantidade de proteína bruta encontrada nas dietas, vários outros fatores podem influenciar o consumo do alimento proteico como o tamanho da família (Bitioli and Chaud Netto, 1992) e o fornecimento de alimento que contenha o requerimento nutricional necessário para as abelhas (Stace and White, 1994).

Figura 3: Fornecimento das rações proteicas
artificiais para as abelhas no campo.
A - Preparo das "bolachas";
B - Acomodação das "bolachas" no papel manteiga
(evita desidratação e podendo ser substituído
por sacos plásticos);
C - Corte do papel;
D - Introdução nas colmeias.
Crédito das fotos: Aline Turcatto,
Joyce Volpini de Almeida e Lauren Rusert.

Sendo assim, com os resultados obtidos, pode-se recomendar as rações formuladas como suplementação alimentar emergencial, pois o desenvolvimento de dietas artificiais de boa aceitabilidade e qualidade para as abelhas é necessário para que assim possam ser usadas como substituto de pólen na manutenção das colônias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As rações aqui divulgadas (D1 e D2) são apenas parte do fruto de três anos de trabalho de pesquisa sobre dietas alimentares do nosso grupo (Morais et al., submetido a publicação ), onde foram encontrados resultados bastante promissores através de ingredientes facilmente encontrados e de fácil preparo pelos apicultores. Hoje, pesquisas cotinuam nessa linha, principalmente com o barateamento da ração e novos testes sendo realizados agora em outros apiários experimentais para se verificar a real efetividade da suplementação proteica não somente em períodos de escassez (como é o caso do Nordeste Brasileiro) mas também em locais onde ocorram deficiências alimentares independente da seca ou competição com pólen tóxico como o caso do Barbatimão - Stryphnodendron adstringens) na região do Centro-Oeste de MG. Um dado interessante e importante, é que o produtor hoje necessita ter a preocupação com o fornecimento de alimentos artificiais, tanto proteicos quanto energéticos para as abelhas, mas é importante que se faça o manejo adequado com as substituições de rainhas e também trocas de favos velhos por novos. As rações aqui sugeridas são promissoras e eficazes, mas de nada adiantam se a colônia não tiver uma rainha jovem e, se possível, dotada de um genoma que propicie boa capacidade de postura e transmita a seus descendentes características genéticas para alta resistência a doenças, boa capacidade de adaptação e boa produtividade, elementos esses que propiciam uma apicultura progressista.

Referências Bibliográficas

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BITIOLI, J.V. & CHAUD NETTO, J. 1992. Consumo de alimento por operarias de Apis mellifera confinadas com e sem rainha. IN: Encontro Brasileiro sobre Biologia de Abelhas e outros Insetos Sociais, Naturalia, 253.

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