Artigo

A MANDAÇAIA (Melipona mandacaia) E SEUS HÁBITOS DE NIDIFICAÇÃO NA REGIÃO DO PÓLO PETROLINA (PE) - JUAZEIRO (BA)

Márcia de F. Ribeiro1, Francimária Rodrigues2 e Nayanny de S. Fernandes3
1 Pesquisadora Embrapa Semiárido; 2 mestranda Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF); 3mestranda Universidade Federal do Ceará (UFC)
Embrapa Semiárido (marcia.ribeiro@cpatsa.embrapa.br)
BR 428, Km 152, C.P. 23, Zona Rural
56302-970 Petrolina (PE)

Petrolina e Juazeiro são cidades localizadas à beira do rio São Francisco, ao sul de Pernambuco e norte da Bahia, respectivamente. A região vem se destacando nos últimos anos como grande produtora de frutas, principalmente devido aos perímetros irrigados. Entretanto, com a expansão da agricultura e o uso de inseticidas nas culturas, as áreas disponíveis para a nidificação natural das abelhas têm se tornado cada vez mais escassas.

As abelhas sem ferrão se utilizam de uma infinidade de locais para alojar seus ninhos: sobre galhos de árvores (ninhos aéreos), cavidades pré-existentes, como formigueiros, cupinzeiros, etc. Entretanto, os locais mais procurados são os ocos de árvores. Dessa forma, algumas árvores que formam ocos em seu interior são muito importantes para as abelhas.

A mandaçaia (Melipona mandacaia) do pólo Petrolina-Juazeiro é a abelha mais utilizada na produção de mel da meliponicultura local. Ela tem sido criada inclusive em áreas urbanas das duas cidades, por meliponicultores como o sr. Deusdet Freire Paiva e a sra. Balbina Carneiro Rios Filha. Ambos possuem mais de 100 colméias no fundo do quintal de suas casas (figuras 1 e 2) e se orgulham de sua criação. O mel de mandaçaia é muito apreciado e pode ser comercializado com alto valor de mercado (variando de R$ 30,00 até mais de R$ 100,00/L).


Figura 1. Sr. Deusdet com suas colônias
de mandaçaia, em Petrolina (PE).

Figura 2. Colmeias de mandaçaia na casa
da sra. Balbina, em Juazeiro (BA).


Segundo relatos da população, até anos atrás, a mandaçaia costumava ser muito abundante, mas agora está cada vez mais rara. Por esta razão, foi desenvolvido um estudo para obter mais informações sobre os hábitos de nidificação desta abelha nesta região de caatinga, onde ela é nativa.

Foi realizado um levantamento dos ninhos naturais desta espécie nas áreas rurais e urbanas do pólo, e das árvores onde eles ocorriam, medindo também a altura da entrada destes ninhos. De fevereiro a maio de 2009, através de caminhadas e observação direta foram realizadas buscas em parques, praças, ruas e em algumas propriedades rurais, de árvores que pudessem conter ninhos de abelhas sem ferrão e em especial, de mandaçaia. As árvores que continham os ninhos de mandaçaia foram identificadas, fotografadas e a altura em que se encontravam as entradas foi medida com uma trena. Porcentagens, médias e desvios-padrão foram calculados.

Foram examinadas mais de 1.130 árvores, das quais apenas 258 (23 %) possuíam ninhos de abelhas sem ferrão. Entre as árvores com ninhos, 172 possuíam ninhos de mandaçaia (Melipona mandacaia), ou seja, aproximadamente 67%. Ninhos de outras espécies também foram encontrados, mas em menor número. Assim, foram encontrados ninhos de abelha branca (Frieseomelitta doederleini, 15%) e de outras, que juntas somaram 18%: mosquito (Plebeia aff. flavocincta), manduri (Melipona asilvai), cupira (Partamona cupira), irapuá (Trigona spinipes), sanharol (Trigona fuscipennis), brabo (Scaptotrigona sp.) e trombeteiro (Lestremelitta limao).

Com relação às árvores que continham ninhos de mandaçaia, os resultados são mostrados na tabela 1. Apesar de terem sido encontrados ninhos em sete espécies vegetais, a grande maioria (~73%) foi encontrada na umburana de cambão (Commiphora leptophloeos) (figura 3) e, em segundo lugar, no umbuzeiro (Spondias tuberosa), embora em número bem menor (18%). Esta preferência das abelhas por algumas espécies de plantas foi também observada por outros pesquisadores (Martins et al, 2004), mas neste caso, a umburana representou 34% das árvores com ninhos, enquanto que a catingueira (Caesalpinia pyramidalis) foi mais frequente (42%). Quanto às abelhas, as mais abundantes foram respectivamente jandaira (Melipona subnitida) e manduri (Melipona asilvai), que não ocorrem na região do pólo.


Tabela 1. Árvores que continham ninhos de mandaçaia
(Melipona mandacaia) e altura das entradas dos ninhos,
na região do pólo Petrolina-Juazeiro.
Legenda: SD= desvio padrão.

Figura 3. Umburana de cambão (Commiphora
leptophloeos) com ninho de mandaçaia.


A maioria dos ninhos de mandaçaia foi encontrada nas zonas rurais, e em áreas mais preservadas, onde notavelmente ainda há grande quantidade de umburanas. As umburanas possuíam uma ou várias entradas (até seis) de ninhos de mandaçaia, fato este que é comum e muito conhecido da população local. Dessa forma, destruir uma umburana muitas vezes pode significar destruir muitos ninhos de mandaçaia.

Resultados mostrados em outro trabalho (Ribeiro et al, 2009) ainda recomendaram que as árvores que formam ocos e servem de locais para nidificação de abelhas sem ferrão, sejam incluídas em futuros planos de manejo e arborização de áreas urbanas. Outros estudos já mencionaram a importância de árvores que apresentam cavidades como recursos de nidificação para as abelhas, tanto em áreas urbanas como em áreas rurais (Rêgo et al, 2008; Freitas et al, 2009; Cortopassi-Laurino et al, 2009; veja o número 100 da Mensagem Doce, de 2009, especial sobre o assunto).

De acordo com os resultados apresentados no presente trabalho, nas zonas rurais, a árvore mais importante para as abelhas sem ferrão (e principalmente para a mandaçaia) foi a umburana de cambão. Quanto à altura da entrada dos ninhos de mandaçaia (figura 4), a umburana apresentou um dos valores menores. Embora isso, não necessariamente indique que o ninho está alojado próximo dali, em geral é a entrada que serve de guia, e por onde a árvore começa a ser cortada para a retirada do ninho. Assim, se a entrada está localizada no tronco e perto da base da árvore, muitas vezes a árvore é cortada inteiramente pelos meleiros, ao retirarem um ninho de mandaçaia. Infelizmente eles não se preocupam nem com as abelhas, nem com a árvore. E, além disso, ignoram o fato de que, é possível retirar um ninho de abelhas danificando minimamente a árvore onde ele se encontra, fazendo uma "janela" no tronco com o machado ou serrote. Este método, além de prejudicar menos a árvore, fornece novo local de nidificação para outro enxame, que poderá vir a se alojar neste espaço.

Figura 4. Detalhe de entrada de ninho de mandaçaia
em umburana de cambão, bem próximo do chão.


Além de ser alvo constante de busca devido à presença de ninhos de mandaçaia, a umburana ainda é muito procurada na região para ser usada como lenha, em artesanato, em fogueiras de São João e, ultimamente, até mesmo para confecção de caixas racionais de abelhas sem ferrão. Assim, esta espécie vegetal já corre risco de extinção em vários locais. Para minimizar estes impactos tem sido recomendado, durante cursos de capacitação, que cada produtor procure realizar o plantio destas árvores, mesmo que tenham crescimento lento e o resultado demore a se concretizar. Como a umburana é uma espécie difícil de ser reproduzida através de mudas, mas é muito fácil por estaquia, recomenda-se que cada pessoa plante galhos de umburana na sua propriedade formando, por exemplo, futuras cercas vivas. Isso atenuaria a pressão exercida sobre a umburana e, assim, seriam mantidos os locais de nidificação em potencial, não só para a mandaçaia, mas também para outras espécies de abelhas sem ferrão, e até para as mamangavas - as abelhas polinizadoras do maracujá.

Portanto, com a realização deste trabalho pode-se confirmar a estreita relação entre a mandaçaia e a umburana, assim como acontece como outras espécies de animais e vegetais na caatinga (Kiill et al, 2009). Ressalta-se ainda, que se não for realizado um trabalho conjunto, entre os produtores, para a preservação da caatinga e os locais em potencial para nidificação destas abelhas, a tendência é que elas se tornem ainda mais raras.

Agradecimentos

Agradecemos aos meliponicultores que permitiram a visita à sua criação de abelhas; aos produtores que permitiram a busca de ninhos naturais em suas propriedades; à Dra. Favízia F. de Oliveira e Dra. Lúcia H. P. Kiill, pela identificação das espécies de abelhas e plantas, respectivamente, e à Dra. Farah de Castro Gama, pelas sugestões no manuscrito. Suporte financeiro foi recebido do BNB/FUNDECI (2008/182) e FACEPE (bolsas à F. R.: BFT nº 0095-5.04/08 e à N. S. F.: BFT nº 0097-5.04/08).

Referências bibliográficas

MARTINS, C.F.; CORTOPASSI-LAURINO, M.; KOEDAM, D.; IMPERATRIZ-FONSECA, V.L.. Espécies arbóreas utilizadas para nidificação para as abelhas sem ferrão na caatinga (Seridó, PB; João Câmara, RN). 2004. Biota Neotropica, v. 4, n. 2, on line: http://www.biotaneotropica.org.br/v4n2/pt/abstract?article/BN00104022004.

KIILL, L.H.P.; RIBEIRO, M. DE F.; DIAS, C. T. DE V.; SILVA, P. P. DA; SILVA, J.F. M DA. 2009. Caatinga: flora e fauna ameaçada de extinção. Mensagem Doce, 100. http://www.apacame.org.br/mensagemdoce/100/artigo14.htm

Mensagem Doce, 100. 2009. Número especial: Onde moram as abelhas? On line: http://www.apacame.org.br/mensagemdoce/100/msg100.htm

RÊGO, M. M. C.; ALBUQUERQUE, P.; VENTURIERI, G.. Menos Locais para Ninhos - Degradação ambiental ameaça abelhas que vivem em árvores no cerrado. Ciência Hoje, v. 247, p. 50-51, 2008.

RIBEIRO, M. DE F.; RODRIGUES, F.; FERNANDES, N. DE S. Ocorrência de ninhos e abelhas sem ferrão (Hymenoptera, Apoidea) em centros urbanos e áreas rurais do pólo Petrolina (PE) - Juazeiro (BA). 2009. Revista Brasileira de Agroecologia, v.4, n. 2 Anais do VI Congr. Bras. de Agroecologia e II Congr. Latinoamericano de Agroecologia. On line: http://www.aba-agroecologia.org.br/ojs2/index.php/rbagroecologia/article/view/9284/6456

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